A Chegada da Notícia
A madrugada estava mergulhada em um silêncio quase cruel. Era o tipo de silêncio que fazia cada estalo da madeira da escada, cada sopro de vento contra a janela, soar como um presságio. O relógio de parede da sala marcava as horas com o tic-tac insistente, e aquele som parecia se espalhar pelos corredores como se lembrasse que o tempo não parava, mesmo quando o coração queria que ele desacelerasse.
Eu estava deitada, mas nunca conseguia dormir em paz quando os patrões viajavam. Margaret sempre dizia que eu era uma guardiã silenciosa, mas a verdade é que eu apenas não conseguia descansar até ouvir a chave girando na fechadura, os passos deles ecoando pelo hall, o riso abafado de Edmund contando algum detalhe da viagem. Enquanto isso não acontecia, eu ficava em vigília.
No quarto ao lado, a babá roncava baixinho, alheia ao peso daquela noite. As meninas dormiam no andar de cima, respirando com a inocência de quem não sabia que a vida pode mudar em um piscar de olhos.
Foi então que a campainha tocou.
Meu coração saltou no peito como se tivesse sido puxado por uma corda invisível. Sentei-me na cama de imediato, os ouvidos atentos ao som insistente que ecoava pela casa. Um alívio tão intenso me inundou que senti os olhos marejarem. Eles voltaram, pensei, com o peito leve. Tinham prometido às meninas que estariam em casa hoje, e Edmund sempre cumpria sua palavra.
Levantei apressada, vesti o robe, ajeitei os cabelos com as mãos trêmulas e desci as escadas quase correndo. O som da campainha enchia a noite, cada toque mais insistente que o anterior, como um chamado de esperança. Eu já podia imaginar o que viria: a pequena Emily acordando no meio da madrugada ao ouvir a voz dos pais, correndo de braços abertos, e Charlotte, com seu jeito maduro, fingindo que não estava esperando mas correndo igual.
Sorri antes mesmo de chegar à porta. Girei a chave, destranquei, e abri.
O sorriso morreu instantaneamente.
Não eram eles. Não era Edmund, não era Margaret.
Dois homens de uniforme estavam à minha frente. A chuva fina escorria pelo chapéu deles, molhando o tecido escuro. Os olhos sérios carregavam um peso que fez o frio da madrugada invadir meu corpo como uma lâmina.
— Senhora… — disse o mais velho, tirando o chapéu com um gesto respeitoso, mas carregado de gravidade. — A senhora é responsável pela residência da família Collins?
Senti o chão fugir sob meus pés.
— Sim… sim, sou eu. — respondi, mas minha voz saiu fraca, quase um sussurro.
Ele respirou fundo, e naquele instante meu coração parou. Antes mesmo de ouvir, eu soube.
— Sinto muito… — começou, e a voz dele parecia pesar tanto quanto o silêncio da casa. — O senhor e a senhora Collins sofreram um acidente esta noite. O carro caiu no desfiladeiro, explodiu ao atingir as encostas.
Minhas pernas fraquejaram. Precisei segurar no batente da porta para não desabar ali mesmo.
— Não… não pode ser… — a minha voz quebrou, e as lágrimas escorreram sem que eu pudesse impedir. — Eles estavam voltando… eles prometeram às meninas…
O policial abaixou os olhos, incapaz de me encarar.
— Ao amanhecer, iniciaremos as buscas. Mas não restam muitas esperanças.
Um soluço escapou da minha garganta. O instinto me fez olhar para a escada, para o andar de cima, como se pudesse ver através das paredes as minhas meninas dormindo, inocentes, alheias ao abismo que se abria sob seus pés.
Levei a mão à boca, tentando segurar o grito que ameaçava sair.
Como vou dizer a elas? Como vou quebrar a infância delas com uma notícia que nem eu consigo suportar?
— As crianças… — murmurei, com a voz embargada. — O que vai ser das crianças?
O policial me olhou com compaixão, mas compaixão não muda destinos.
— Precisamos avisar algum familiar próximo. Há alguém que possa… assumir a responsabilidade?
Engoli o choro, tentei pensar, mas minha mente era um redemoinho. Eu sabia a verdade amarga: Margaret não tinha família. Era órfã. A única opção vinha do lado de Edmund.
— O senhor Collins… tinha um primo. Eu posso dar o endereço.
Enquanto dizia, uma parte de mim gritava em silêncio: Não! Elas não podem perder tudo assim! Não podem ser entregues a estranhos!
Mas eu não tinha escolha. A lei fala mais alto que o coração.
Meus olhos buscaram novamente o teto, como se conseguissem alcançar os sonhos das meninas. Emily devia estar abraçada ao urso de pelúcia, e Charlotte talvez tivesse se mexido na cama, desconfiada do barulho. Elas não sabiam que, enquanto dormiam, o mundo delas desmoronava.
Meu coração se partiu em mil pedaços.