POV CAMILAQuando terminei minha refeição, olhei para ele com lágrimas nos olhos.— Jamile fazia kabsa assim… igualzinho. Me vi menina na mesa, com John, enquanto ela servia…Ele ergueu as sobrancelhas.— John?— Meu pai do coração.Ele assentiu. Mas a febre voltou, o calafrio subiu pelos ombros dele. Ainda assim, sorriu.— Vou me deitar. E você me conta sua história.Acompanhei seus passos lentos até a cama. Ele parecia outro homem perto de mim — vulnerável, mas inteiro.Ajudá-lo a deitar me deu uma sensação estranha de intimidade. Sentei ao lado dele e puxei seus cabelos para o lado, ajeitando-os com carinho. Me senti tão à vontade que, quando percebi, já estava contando tudo: meu nascimento, minha infância, Jamile, John, minhas dores, meus medos, minha vida inteira.Ele devia estar quase dormindo — mas não estava. Cada palavra minha parecia atravessá-lo. Vi seus olhos ficarem úmidos, uma lágrima escorrer, e ele a limpou rápido, quase envergonhado.Ele me puxou para um abraço tão fo

POV CAMILANo dia seguinte, cheguei ao hotel com Rodrigues. Ele não apenas me buscou em casa, como Bashir havia orientado, mas também estava encarregado de me levar até meu quarto na ala dos funcionários. Seria meu novo lar.Com minhas duas pequenas malas, entrei.O quarto era aconchegante… pequeno, porém bonito, organizado, acolhedor. Senti um calor bom no peito. Adeus aluguel.— O senhor Ayman pediu que eu mostrasse tudo para a senhorita — Rodrigues explicou. — Depois tome café no refeitório, e em seguida a levarei para conhecer o senhor Wagner, que tratará de seu trabalho.Sorri.— Você está há muito tempo com ele?Rodrigues sorriu com um carinho que me surpreendeu.— Desde que ele era noivo de Samira. Uns seis anos.O nome me acertou como um frio súbito… mas respirei fundo e deixei passar. Eu já sabia.— Então vamos — disse, animada. — Quero ver tudo.Rodrigues parecia gostar de falar, e eu gostava de ouvir.A ala dos funcionários era praticamente outro hotel. Tinha seu próprio re

POV CAMILA – AMINAHDepois do café da manhã, caminhei até a sala do senhor Wagner com o coração leve. Era meu primeiro dia real de trabalho, e tentar manter a calma era quase impossível. Ele me recebeu com seu sorriso bonachão e, logo em seguida, apresentou um homem de aparência séria, mas acolhedora.Adar Oman.Ele tinha traços fortes do povo árabe — pele morena, cabelos negros, olhos escuros profundos. Era baixo, usava barba cerrada e aparentava uns 55 anos. Em seguida, conheci Asalah Oman, a esposa dele. Seu rosto era belo, maduro, os longos cabelos escuros caíam sobre os ombros, e seus olhos amigáveis transmitiam uma serenidade quase maternal.— Prazer em conhecê-los. — sorri, sincera.Wagner então pediu:— Asalah, leve Aminah até o camarim.Concordei com a cabeça. Já conhecia aquele camarim — foi onde me preparei para o teste diante de Bashir. Como aquele dia mudara tudo…— Vamos, Aminah. — disse Asalah, gentilmente.Entramos. Ela me mostrou uma porta lateral que se conectava aos

POV CAMILA Fiz alongamentos, respirei fundo várias vezes e comecei meu aquecimento, mas minhas mãos continuavam frias. Eu estava nervosa, apesar de toda a preparação. Wagner havia dito que Asalah viria me buscar no camarim para irmos juntas ao restaurante.Quando ouvi a batida na porta, meu coração disparou. Abri — e o sorriso encantado de Asalah me recebeu como um abraço.Ela estava linda no vestido longo vermelho, radiante.— Linda! — disse ela, olhando para mim de cima a baixo, admirando minha maquiagem, meu figurino e os meus cabelos soltos, descendo pela cintura.Ela me entregou uma bata preta longa, leve, e chinelos.— Poderoso Chefão mandou você vestir isso — disse com ironia divertida.Sorri sem graça. No fundo, agradeci mentalmente a Allah. Eu realmente não queria atravessar corredores com tanta gente passando enquanto estava tão exposta. A proteção dele… mesmo que me irritasse às vezes, me aquecia.Caminhamos em silêncio pelo corredor ladrilhado, até uma área que eu não con

No dia seguinte, acordei tarde. Não teria apresentação — os Halen tocariam jazz à noite — então nada me cobrava diretamente. Mesmo assim, acordei melancólica, com a cabeça cheia de lembranças de Bashir, da discussão, da dor no olhar dele, do gosto amargo que tudo deixou. Desci para almoçar, mas a comida parecia serragem na boca. Mal toquei no prato.Subi de volta para o quarto decidida a não me trancar ali dentro o dia inteiro. Precisava de ar. Precisava sentir o sol na pele, a brisa, qualquer coisa que não fosse a claustrofobia do hotel e da minha própria mente.Vesti meu biquíni, coloquei por cima meu velho jeans e a camiseta preta de sempre. Olhei para as sacolas no canto do quarto — cheias das roupas que Bashir comprara para mim. Nem me dei ao trabalho de abrir. Peguei uma toalha, o protetor solar, coloquei tudo numa bolsa e calcei os tênis.Não podia usar o elevador panorâmico dos hóspedes, claro. A mim restava a escadaria lateral. Passei pela recepção ignorando o olhar debochado