Depois de alguns minutos, ela mudou de assunto: — Seus pais virão mesmo? — perguntou a Leonardo.— Sim, devem confirmar o dia ainda. Eu aviso quando souber.— Certo, então depois decidimos os detalhes.Eu apenas continuei ali, tentando parecer natural. Às vezes, me sentia uma intrusa naquele cenário — como se estivesse ocupando um lugar que não era meu, ainda que momentaneamente.Quando terminamos o café, Leonardo subiu para se arrumar. Eu fiquei com Lívia, que brincava no tapete da sala com um quebra-cabeça. Pouco depois, ele reapareceu, camisa branca impecável, calça social preta e o paletó pendurado no braço.— Se ela sentir qualquer coisa, me ligue — reforçou antes de sair.— Pode deixar, senhor.Ele beijou a filha, acenou para mim e foi embora.A manhã seguiu tranquila. Brincamos de casinha, depois fizemos um piquenique imaginário na varanda com biscoitos e suco. Lívia ria de tudo, e eu ria junto. Aquele som enchia a casa de vida.Em alguns momentos, parei pra observá-la. Tão peq

O sol da tarde batia nas árvores do parque, e o barulho das crianças misturado ao som dos brinquedos fazia o ar parecer leve, coisa rara pra mim ultimamente. Lívia pulava à frente, radiante, com o algodão-doce quase maior que ela. Leonardo vinha logo atrás, com a jaqueta jogada no braço e um olhar que parecia... tranquilo.Fazia tempo que eu não via aquele olhar.— Devagar, Lívia — ele avisou, mas a menina fingiu que não ouviu, correndo até o carrossel.— Lívia, meu bem, escute seu pai — chamei, e ela me olhou rápido antes de voltar a andar.Parece que meu patrão terá um dia cheio. O olhei de relance. O senhor Leonardo relaxado era um evento raro, quase mítico.Lívia insistiu pra irmos todos no carrossel, mas conseguimos convencê-la a ir sozinha. Leonardo ficou de pé, observando com as mãos nos bolsos, o olhar fixo na filha. Ele até sorriu quando ela gritou que o cavalo dela era “o mais rápido do mundo”. Ri junto, e por um instante, tudo pareceu simples.Quando o brinquedo parou, ele

Leonardo*O resto da semana passou em um ritmo estranho. Não foi exatamente ruim, só… diferente.Lívia voltou à rotina alegre de sempre, e Alana parecia ainda mais atenta com ela, o que me deixava tranquilo. Ou pelo menos era o que eu dizia pra mim mesmo.Mas a verdade é que, desde o dia no parque, alguma coisa ficou fora do lugar. Talvez tenha sido o jeito como ela riu, e eu ri também, sem perceber. Ou o instante em que a vi cair e o coração me disparou como se algo dentro de mim tivesse esquecido que já aprendeu a se proteger.Eu me peguei olhando pra ela mais do que deveria. E cada vez que percebia isso, buscava uma justificativa: preocupação profissional, cuidado com quem cuida da minha filha, senso de responsabilidade. Mas nenhuma dessas explicações parecia bastar, nem pra mim e nem pra Regina.Ela era só a babá. Mas havia algo na presença dela que parecia devolver pequenos pedaços da minha vida, aqueles que eu achava que tinham ido embora com Bárbara.De quarta até sexta, m

A tarde passou tranquila, o tipo de tranquilidade que a gente sente, mas não acredita muito que vai durar. Meus pais ficaram conversando com Regina por um bom tempo. E foi curioso ver como ela mudava de comportamento perto deles, sem toda aquela autoridade. Perto de mim, Regina sempre foi firme, às vezes até controladora; mas diante dos meus pais, vira uma funcionária exemplar, gentil, quase tímida.Minha mãe, como sempre, quis ajudar em tudo. Regina insistia pra ela não se preocupar, mas Clarisse estava no paraíso por poder “ajudar um pouco”. Meu pai e eu rimos da cena várias vezes, a casa parecia mais leve, mais viva.Alana passou a tarde com Lívia, brincando no jardim e ajudando minha mãe com os bolos. Eu observava de longe, às vezes fingindo que estava ocupado com alguma coisa importante, quando na verdade só queria vê-las rindo juntas. Era... bonito. Um tipo de paz que eu não sentia fazia anos.Quando a noite chegou, jantamos todos juntos, meus pais, Regina, Lívia, Alana e eu

— Seus pais parecem muito próximos — comentei, tentando quebrar o silêncio leve que se formou. — É bonito de ver.— São, sim. — respondeu, pegando os pacotes de chá no armário. — Sempre foram meu porto seguro.— Dá pra ver que eles têm orgulho de você.Ele soltou um riso curto, sem humor. — Espero que sim. Mas às vezes acho que decepcionei os dois quando parei de viver de verdade.— O importante é o que faz no presente — murmurei, sem conseguir disfarçar o quanto aquelas palavras me tocavam.— Sim. — Ele me olhou, e senti o olhar dele me atravessar. — O presente.A água quente encheu a xícara, e o cheiro de camomila com hortelã se espalhou pela cozinha, como se quisesse nos envolver num abraço invisível.— Quando eu era pequeno, tudo o que acontecia eu contava aos meus pais — ele disse, mexendo o chá. — Eles sempre me incentivaram a isso. Eu chegava da escola e eles perguntavam como foi, o que eu aprendi, o que eu mais gostei... eu mal via a hora de chegar pra contar tudo.Olhei pra