As muralhas de pedra surgiram entre a névoa da manhã como um lembrete: aquele ainda era o seu território… mas já não era o seu lar. Darian atravessou os portões do castelo em silêncio, escoltado por dois guardas que não ousaram dizer uma palavra. O pátio estava limpo, as torres intactas, os corredores impecáveis — mas tudo parecia mais frio do que lembrava. Como se o lugar tivesse aprendido a seguir sem ele. Eleonora o aguardava no alto das escadas. O vestido escuro e os cabelos presos em um coque severo contrastavam com a suavidade do olhar. — Está diferente — ele disse, parando diante dela. — Tivemos que sobreviver — respondeu. — O clã não podia esperar. Darian assentiu. Não havia acusação em sua voz. Apenas a constatação de que sua ausência deixou marcas — e cicatrizes. — E agora? — ela perguntou. — Vai ficar? Ele encarou as janelas do salão principal. Era ali que antes se reunia com os conselheiros, tomava decisões, ouvia relatos… agora, aquele espaço parecia distante

O vento soprou forte naquela manhã, como se até ele soubesse o que o coração de Selena tentava esconder. A carta ainda estava no chão, aberta, exposta como uma ferida. Selena continuava ajoelhada na terra, os olhos secos, mas o peito em ruínas. Ela não chorava mais. As lágrimas haviam sido engolidas por uma dor mais funda: a que não escapa pelos olhos, mas que permanece silenciosa, corroendo por dentro. Levantou-se com dificuldade. Os dedos apertavam o colar de meia-lua contra o peito, como se ele fosse a única coisa ainda real. Cada passo de volta à aldeia parecia mais pesado que o anterior, como se o chão exigisse dela a força que já não tinha. Caminhou entre as cabanas em silêncio. O vilarejo acordava devagar. O cheiro de lenha queimando se misturava ao de pão fresco e ervas. Vozes distantes se espalhavam entre risos e conversas, mas ela se sentia desconectada. Deslocada. Como se sua alma ainda estivesse caída lá fora, junto à carta. Mayra foi a primeira a vê-la se aprox

“Minha companheira está a caminho. O que houve entre nós foi só desejo. Talvez um engano.” As palavras ecoavam em Selena como um feitiço cruel, reescrevendo tudo o que ela acreditava ser amor. Ela já havia decorado cada linha. Já havia lido a carta tantas vezes que poderia recitá-la até de olhos fechados — mas não precisava. Ela sentia cada palavra, queimando em sua pele como brasas apagadas tarde demais. Agora, mesmo sem lágrimas, o corpo pesava. A alma… arrastava-se. As mãos dela pousaram sobre o batente da janela. O vilarejo seguia vivo lá fora — vozes, martelos, sementes sendo lançadas à terra. Mas dentro dela tudo murchava. Selena se sentia uma estranha em meio ao que ajudou a construir. Ele não veio. E ela não foi. E esse silêncio mútuo... dizia tudo. "Se ele tivesse me amado, teria vindo." "Se ela ainda sentisse algo, teria me procurado." Duas certezas criadas pelo orgulho, nutridas pela mágoa. No outro lado da aldeia, Darian estava em ruínas, mas só por de

Theron sorria. Não era euforia. Era satisfação contida — o tipo de prazer que só quem domina o jogo desde o início conhece. Diante dele, o mapa do vilarejo desenhado à mão. Marcas de carvão destacavam os pontos vulneráveis: o lado norte da muralha, a estufa de ervas, a praça central, a casa de Selena. — Com uma carta — disse, os olhos fixos no círculo que marcava o centro do vilarejo. — Bastou uma carta para separar o casal que todos julgavam inquebrável. Ele se afastou da mesa com calma. Nenhum movimento era impulsivo. Tudo estava previsto. Calculado. — Darian acreditou. Nem hesitou. Não procurou. Não questionou. — Porque o orgulho é sempre mais forte que o amor. Selena caminhava entre os canteiros de ervas, mas seus pensamentos estavam distantes. A brisa da manhã trazia o cheiro da terra úmida, mas também algo estranho… metálico. Um arrepio correu por sua espinha. Parou. O vento havia mudado. E com ele, o som ao redor. A floresta que costumava vibrar em

Darian estava longe do castelo. Partira um dia antes, para resolver uma disputa deixada por seu pai — um antigo conflito sobre terras, herdado junto com o título de Alfa. Era o tipo de pendência que, se ignorada, poderia virar ameaça. E Darian queria paz. Paz para o povo. Paz para ela. Paz para si mesmo. Mas o destino não negocia com o tempo. Desde que saíra, algo pesava no ar. Nada específico, apenas aquela sensação incômoda de que algo estava fora do lugar. A viagem era necessária, mas o coração gritava. No vilarejo, Kalen não se rendeu ao caos. Enquanto muitos corriam ou se escondiam, ele seguiu em silêncio, com os punhos cerrados e a mente alerta. Passou entre destroços, farejou o perigo e desviou do confronto direto. Seu destino era um só. A casa da Anciã. Quando entrou, encontrou-a de pé, como se já o esperasse. — Preciso da sua ajuda — disse ele, direto. A Anciã assentiu. — Sabia que viria. O que está procurando, Kalen? Ele respirou fundo.