Capítulo 22“Você não tem mais lugar onde me ferir”Desde aquela conversa com Miguel algo dentro de mim havia mudado.Não de forma abrupta ou mágica. Mas como uma rachadura por onde, finalmente, a luz começava a entrar.Os dias que se seguiram foram intensos. O casarão ganhava forma, o cronograma da obra avançava em um ritmo mais alinhado, e as reuniões, embora ainda marcadas pela presença constante de André, deixaram de ser um gatilho para mim.Ele continuava tentando se colocar à frente de decisões que não eram suas. Continuava interrompendo quando eu explicava detalhes técnicos da restauração, e mantinha aquele olhar que um dia já foi familiar, mas agora… não significava nada.Nada além de um passado encerrado.A diferença era que, agora, eu não me intimidava mais. Respondia com firmeza, com base, com confiança. E o mais curioso era perceber como isso o incomodava.Como se, no fundo, ele soubesse que havia perdido o poder que tinha sobre mim.Numa manhã de segunda-feira, entre a an

Capítulo 24 Acordei antes do sol nascer, envolta no silêncio da pequena casa nos fundos. O cheiro da madeira, o som distante de algum pássaro, tudo parecia mais calmo do que nos dias anteriores. Meu corpo ainda carregava o cansaço da viagem até Belo Horizonte, mas minha mente estava surpreendentemente leve. Aquela visita tinha sido mais do que necessária. Foi uma costura, uma dessas que fecha as bordas de uma ferida antiga. Meus pais não exigiram mais do que eu podia dar. Apenas me acolheram. E isso, por si só, foi imenso. Levantei e segui até a obra antes das oito. O casarão estava em silêncio, mas já com os primeiros raios de sol tocando a fachada antiga. Parei por um segundo para observar como as cores da madeira restaurada pareciam conversar com o azul claro do céu. Era como se aquela casa também estivesse voltando à vida. No salão principal, Miguel já estava debruçado sobre algumas plantas abertas sobre uma das mesas de apoio. — Achei que fosse dormir até mais tarde — ele di

CAPÍTULO 26Depois da tempestade dos sentimentos que havíamos atravessado, eu pensava que agora as coisas finalmente tomariam um rumo tranquilo. Mas percebi que não existe calmaria constante quando se está reconstruindo algo. Seja uma casa, um amor ou a si mesma. O casarão ainda precisava de cuidados. E eu também.Naquela segunda-feira, o dia começou com uma leve neblina encobrindo o distrito. Os telhados amanheceram com gotas prateadas que escorriam lentamente, como se a madrugada ainda chorasse sobre a paisagem.A visita técnica do órgão de patrimônio estava marcada para as dez. Eu cheguei no casarão antes das oito. Precisava respirar o espaço sozinha, percorrer cada cômodo com os olhos, tocar as paredes com as palmas abertas. Como se dissesse: "nós estamos prontas".Miguel chegou pouco depois. Trouxe dois cafés e aquele olhar que já me era tão familiar. O tipo de olhar que observa mais do que julga. E entende sem precisar perguntar.— Está nervosa? — ele perguntou, me entregando o