É madrugada na Fazenda Valença.A lua ilumina o campo silencioso — silencioso demais.Clemilda, sorrindo feito jararaca de batom, arruma os travesseiros ao lado de Bento, que está bêbado com cheiro de cachaça e suor e coração partido.Ela ajeitou o cabelo, mordeu os lábios e deitou seminua ao lado dele, como quem venceu a guerra.Nesse momento, Charlotte entrou no quarto com uma bandeja nas mãos — tinha decidido levar um pedaço de bolo e tentar conversar com ele sobre a rejeição do possível casamento que Zuleika já está fazendo os preparativos.Mas o que viu...Ela parou na porta. A bandeja caiu no chão. A costelinha, o porquinho, que a seguia, grunhiu baixo como se sentisse o drama.— TRAIDOR!!!O grito ecoou pela casa, acordando até os morcegos no curral. Bento acordou assustado.— Charlotte, calma, não é o que parece! — Bento disse zonzo, tentando entender onde

A sala estava impecável. Mesa posta com porcelana fina, talheres dourados, guardanapo de linho dobrado e igual origami. Um jantar especial com fartura na mesa.Charlotte estava tensa. O pai, em silêncio. A mãe, já tomando um gole do vinho antes mesmo dos convidados chegarem.A campainha tocou. Respirando fundo, Charlotte foi abrir. Cada passo como se fosse pro matadouro mas ela não podia negar o que sentia. Era impossível negar que seu coração batia mais rápido quando via, o único problema era a bendita boca do caipira, mas isso ela já tinha em seus planos… comprou fita adesiva.Ao abrir a porta olhou para os dois diante de si. Entraram Bento e Zeca.Bento com camisa social meio apertada no braço, cabelo penteado pro lado com gel e calça jeans. E Zeca com suspensório, cabelo lambido, e uma rosa na mão — já murcha.— Boa noite, sogrinha! — Bento tentou impressionar todo sorridente.A mãe de Charlotte olhou de cima a baixo.— Boa noite… — Vivienne já olhou torto e a campainha tocou nova

A festa de boas-vindas estava no auge. Música caipira, cheiro de comida no ar e muito, muito suor coletivo.Zuleika surgiu no meio do terreiro vestida como se fosse carnaval em Salvador — vestido brilhante, penas, purpurina e um sorriso que dizia: "Hoje eu sou a madrinha da alegria."— Minha noraaa! — gritou ela, arrastando Charlotte pra um abraço suado que deixou a gringa colada como figurinha.Anselmo, ao lado, dançava com a bengala no ar como se fosse baqueta de bateria.Tales apareceu de mãos dadas com Ritinha, recém-chegados da lua de mel.Sorria feito bobo.— Sei não o que essa menina fez... — cochichou Savanna. — Mas esse homem tá apaixonado demais. Macumba braba ou doce de leite reforçado, viu?No cercado, Costelinha brincava com os outros porquinhos como se fosse da turma desde o nascimento.Charlotte sorria, meio derretendo no calor, mas feliz.Savanna se vir

Enquanto o primeiro andar da casa nova surgia do chão mais rápido que milho na chuva, duas beatas da vila, de saia rodada, lenço na cabeça e terço na mão, cochichavam perto da cerca de arame farpado.— Cê viu, Mariazinha? Uma semana só e esse povo já levantou o primeiro andar, parece até prédio da capital!— Vi sim, Neide! E o povo da cidade ainda diz que aqui não tem progresso... esses filho da Zuleika tudo metido a gente rica agora.— Pois é, e aquela moça de Nova York? Anda por aí com aquele salto no meio do barro, com cara de quem engoliu um limão.— Faz pose até pra colher flor, anda como se tivesse o rei na barriga. E ainda tem gente dizendo que é meiga... meiga nada, é metida mesmo!— Ah, mas foi sorte demais encontrar um fazendeiro besta que nem o Bento, né? Se fosse comigo já tinha levado um balde d’água gelada na fuça.— Eu preferia a Clemilda, uai. Aquela sim era da roça, sabida, valente,