A sexta-feira amanheceu com gosto de comemoração. Logo que abriu os olhos e desbloqueou o celular, Elize deu de cara com um e-mail da tarde anterior que havia passado despercebido em meio à rotina corrida. Ao ler as primeiras linhas, sentou-se na cama de um salto. “Prezada Elize, Agradecemos sua presença em nossa entrevista. É com prazer que informamos que você foi selecionada para integrar nossa equipe de estágio no escritório Villamar & Associados. Compareça na próxima segunda-feira, às 9h, para início das atividades.” O coração disparou. A respiração ficou presa por um segundo, depois ela soltou um grito abafado no travesseiro. Não sabia se pulava, chorava ou ligava pra alguém — acabou fazendo as três coisas. Correu até o Café Velluto, como sempre, mas carregando um brilho diferente nos olhos. Ao ver Madalena, não se aguentou: — Mada, EU CONSEGUI! — Conseguiu o quê, mulher? O número da loteria? — respondeu com as mãos na cintura e um sorriso curioso. — O estágio. Com o herde

A segunda-feira amanheceu com cheiro de café fresco e um friozinho na barriga difícil de ignorar. Elize acordou cedo, prendeu os cabelos em um coque elegante, passou um batom neutro e calçou o par de sapatos mais confortável que tinha. Por dentro, estava pura animação. Por fora, exalava uma tranquilidade quase ensaiada. Ao chegar ao prédio envidraçado no coração da cidade, respirou fundo antes de subir. A recepcionista do andar, Glória, a recebeu com um sorriso simpático e um tom leve. — Você é a nova estagiária, né? Elize? Seja bem-vinda, flor. Vamos fazer um tour. Elize sorriu e agradeceu, aliviada pela recepção calorosa. Glória começou a apresentação pelas salas dos advogados. — Essa aqui é a sala do doutor Rodrigo. Gente boa, só fala alto demais. A do lado é a do doutor Henrique. Mais reservado. E ali, o doutor Arthur — apontou com o queixo. — O mais vaidoso da turma. Elize olhou para as portas de vidro com o nome dos advogados gravado em placas discretas. Tudo ali parecia ex

— Então é isso, estamos oficialmente livres do inferno chamado pilha de processos sem organização — Rodrigo levantou o copo de whisky e sorriu. — Que viva a nova estagiária! Henrique ergueu o copo com menos entusiasmo, mas ainda assim brindou. Estavam sentados em um dos bares discretos do centro da cidade, onde a luz era baixa e o clima, informal. Nada muito agitado, exatamente como Henrique gostava. — Fala sério — Rodrigo disse depois de um gole generoso. — A menina é bonita demais pra esse escritório. A clientela vai até se distrair. Henrique não respondeu de imediato. Passou o dedo distraído pela borda do copo, o olhar fixo em algum ponto além do balcão. — Não gostei do jeito que o Arthur olhou pra ela. — Aaaah, então é isso — Rodrigo se virou na cadeira com um sorriso vitorioso. — Você tá com ciúmes! Henrique soltou uma risada curta e seca. — Claro que não. Eu só conheço o Arthur. Sei como ele trata as mulheres. Como troféus que ele gosta de exibir e depois esquecer num can

Rodrigo surgiu encostado na moldura da porta da recepção, no meio da correria de meio-dia, com o paletó pendurado em um dedo e um sorriso despreocupado no rosto. — E aí, estagiária, bora almoçar? Elize riu com a informalidade, mas sua barriga roncou em resposta, denunciando que já estava na hora. O impulso foi negar — pensou rápido no preço de qualquer prato na região central da cidade —, mas antes que abrisse a boca, ele completou: — Relaxa, é por minha conta. Considere um presente de boas-vindas. E não pode recusar, hein, que eu me ofendo fácil. Ela hesitou por mais um segundo, mas acabou cedendo com um sorriso. — Tá bom, doutor. Mas só porque minha dignidade tá ocupada brigando com a fome. Eles seguiram a pé, cruzando calçadas movimentadas entre os prédios envidraçados da cidade. Rodrigo foi tirando o paletó, afrouxando a gravata, e desabotoando um ou dois botões da camisa com um suspiro. — Pronto. Agora pareço gente normal — brincou. Elize reprimiu uma risada, mas

O relógio marcava 12h45 quando Augusto Villamar atravessou as portas de vidro do escritório com sua habitual imponência. O terno cinza-claro sob medida e o perfume amadeirado anunciavam sua chegada antes mesmo que ele dissesse qualquer palavra. Seus passos firmes ecoaram no chão polido, e o silêncio se espalhou pela recepção como um contágio inevitável. Glória endireitou a postura imediatamente, os dedos parando de digitar por um segundo. — Henrique? — foi a primeira palavra de Augusto, carregada de exigência. — Saiu pra almoçar, senhor — respondeu ela com o máximo de neutralidade. — Com quem? — Com a doutora Beatriz Luz. Augusto fechou o semblante, os olhos estreitos atrás dos óculos de armação fina. Suspirou como quem lamentava profundamente a escolha do filho. Sem comentar nada, ele se aproximou do balcão de recepção. — A agenda do dia, Glória. Ela passou a folha com os compromissos da tarde e ele apenas assentiu com a cabeça antes de seguir para o corredor que levava às s