Uma semana depois...AnnaHelen está animada como uma criança na véspera de Natal. Desde segunda-feira ela tem andado pelos corredores com um brilho nos olhos e uma pasta azul cheia de anotações sobre “o plano” — como ela mesma apelidou. O plano: a festa surpresa de aniversário do Raul.Ela organizou tudo em segredo, com uma eficiência digna de uma campanha publicitária: lista de convidados- Rafael ajudou com isso-decoração minimalista, quitutes elegantes, trilha sonora discreta. Tudo para não levantar suspeitas.Rafael ficou encarregado da missão mais delicada: levar Raul até a sala de reuniões no final do expediente de sexta-feira, sem levantar desconfiança.— Você precisa inventar alguma desculpa convincente — Helen insistiu. — Não quero que ele desconfie de nada!— Relaxa. Eu sou ótimo com desculpas — Rafael respondeu, com aquele sorriso leve que ele usa quando está tentando parecer mais seguro do que realmente está.Eu observei tudo de longe. Participei pouco das reuniões secreta

RaulVolto do banheiro em passos lentos, sem pressa de me reencaixar na mesa, na conversa, na fachada. Levanto o olhar... e o mundo para. Anna. Ela está ali. Na mesma pista, no mesmo ambiente, no mesmo espaço que eu — e, ainda assim, tão longe de mim que chega a doer.Ela está sentada no encosto do banco da pista, o corpo levemente inclinado na direção de Rafael. Ele fala alguma coisa e ela sorri. Aquele sorriso. Não o educado, não o mecânico — mas o verdadeiro. O sorriso dela quando está distraída. Quando esquece de se proteger, me revira por dentro.O jeito como ele se aproxima. A mão dele tocando a dela com uma intimidade e então ele beija sua palma. Meu estômago despenca. É rápido. Ela tira a mão logo em seguida, finge ajeitar o cabelo. Mas eu vi. Eu senti.Fico ali, parado, entre o corredor e a pista, como um espectador de uma peça que não quer assistir. Cada luz piscando no ambiente parece zombar de mim, cada riso vira uma provocação.Ela não me viu ainda. E parte de mim quer sa

AnnaO relógio marca duas e quinze da tarde quando ouço a campainha. Meu coração dispara sem permissão. Limpo as mãos no pano de prato, ajeito o cabelo rapidamente e caminho até a porta. Quando abro, a última coisa que espero ver é o que vejo.Rafael. Sorrindo. E ao lado dele, um garotinho de no máximo cinco anos, de camiseta listrada e tênis com luzinha.— Oi. — Rafael diz, com aquele tom leve. — Espero que não se importe... trouxe companhia.Fico congelada por um segundo. Meu olhar vai do sorriso de Rafael até os olhos curiosos do menino.— Esse é o Santiago. Meu filho. — Ele diz, como se estivesse me contando que trouxe um presente.Filho?A palavra ecoa dentro de mim, desarrumando todos os pensamentos. Forço um sorriso e dou um passo para o lado.— Claro. Entrem.Santiago entra sem cerimônia, olhando ao redor com fascínio.— Você mora aqui? — ele pergunta, os olhos grandes explorando a sala.— Moro sim. Seja bem-vindo.Rafael passa por mim, o olhar tenso por um instante.— Eu devi

AnnaA tarde inteira passa como se eu estivesse submersa. As vozes ao meu redor soam abafadas, os sons do escritório vêm e vão como ondas distantes, e cada olhar que recebo parece vir de uma realidade diferente da minha.Depois do que aconteceu na sala de Raul... eu simplesmente não sou mais a mesma.Tento responder e-mails, reviso uma planilha, participo de uma reunião rápida com a equipe de projetos. Mas tudo é mecânico. Os dedos digitam. A cabeça finge que acompanha. Mas o corpo inteiro... ainda sente a presença dele.A forma como me puxou. O beijo urgente. As mãos dele na minha cintura. O conflito nos olhos.E, principalmente, as palavras que ele disse antes de me mandar embora."Você não gosta do meu irmão, Anna. Porque se gostasse, não teria deixado isso acontecer."Como se ele soubesse mais de mim do que eu mesma. Como se tivesse o direito de dizer quem eu amo ou não. Como se ele... não tivesse feito o mesmo com outra mulher.Fecho os olhos por um segundo, apoiando a testa nas

Alguns dias depois, sexta-feira...AnnaO final da semana chega arrastado, como se o tempo também estivesse exausto. Os corredores da Beleza Ibérica continuam agitados, mas por dentro, sigo no modo automático. Rafael não me procura mais, e isso, por mais estranho que pareça, me alivia. Não porque ele tenha deixado de importar — mas porque eu não preciso mais sustentar a dúvida.Helen percebe. Seus olhares são atentos, discretos. Mas não questiona. A rotina se encarrega de nos manter ocupadas: relatórios, reuniões, planilhas. O mundo segue, mesmo quando o coração parece estagnado.No fim da tarde, ligo para meu pai. Ele não atende.O incômodo é imediato. Eu o vi pela manhã, ele estava bem. Conversamos, ele comeu até com certo apetite — algo raro nos últimos tempos. Por isso, o silêncio agora me incomoda mais do que deveria.Clara está viajando. Se estivesse lá, já teria me tranquilizado. Mas não está. E o vazio do outro lado da linha me faz criar mil cenários.— Helen — digo, me aproxi