O salão está mais iluminado do que antes. Consigo ver que o álcool já começa a afetar a todos, lentamente, ainda mais agora que os músicos afinam seus instrumentos novamente, preenchendo o ambiente com um ruído agradável. O cheiro de vinho doce domina o ar e não há uma única pessoa nesse salão sem uma taça na mão.Observando a todos, vejo Thomas atravessar as portas principais, com os passos firmes e uma expressão irritada. Ele caminha em linha reta até onde eu estou, como se buscasse desesperadamente um ombro amigo.- Que diabos houve com você? — pergunto, baixando minha taça.Thomas não responde de imediato. Apenas pega uma taça de vinho da bandeja de um dos empregados e bebe tudo em um único gole, como se a bebida fosse água.- A Lady Beatrice é... insuportável. - diz por fim, com a voz carregada de frustração - É impossível manter uma conversa sensata com aquela mulher.- O que aconteceu agora? - pergunto, mantendo um tom neutro. É a segunda vez que eu o vejo tão transtornado por

Finalmente, chego a Rosegate.A viagem durou pouco mais de duas horas, mas a sensação ao pisar ali é indescritível. Meses aqui e é a primeira vez que sinto que cruzei um portal para outro mundo. A noite parece ser diferente aqui, mais silenciosa, fria e pesada, mas mesmo assim é impossível ignorar a beleza do lugar. A estrada de pedra, passa bem no meio de enormes árvores secas. E algumas flores brotam entre as rachaduras das paredes da propriedade, crescendo como se fossem as donas do lugar, rosas silvestres, lírios e heras. Até a natureza quer esse lugar para ela.Me aproximo do homem parado na entrada principal. Um senhor de idade, que olha para o céu, ainda que já tivesse me visto indo em sua direção. Seus olhos são azuis, escuros pela sombra que faz sua enorme sobrancelha em seus olhos. Joseph Rosegate, o conde de Rosegate, deve ter quase uns 90 anos julgando pela aparência, a pele toda enrugada, mas apesar disso, ele é muito elegante. Usa um casaco de camurça cinza, abotoado até

Ai, que ressaca dos infernos, meu Deus. Por que fui beber tanto vinho? Tomo um banho rápido, tentando me despertar de verdade e logo minhas empregadas entram em minha habitação. - Senhorita? - diz Olga a mim - Lady Arabelle pergunta se você quer ir a um passeio a cavalo. - Claro! Diga a ela que irei. - Olga avisa a outra empregada, que sai apressadamente do quarto. Ela me olha e com um olhar um pouco autoritário diz: - Precisamos colocar uma roupa adequada para a ocasião. - ela vai direto para o guarda-roupa que há no quarto. - Lady Arabelle me havia dito que aqui tem uma saia de amazona nova. É uma saia própria para montar de lado… E podemos usar um dos seus corpetes ajustados… não podemos ter nada balançando com liberdade demais, não é mesmo senhorita?Reviro os olhos. Como se o cavalo fosse perder o controle se visse meu tornozelo ou um pouco dos meus peitos. Ainda assim, deixo que ela me vista, levantando os braços quando mandado, girando quando puxada. O corpete, além de esc

A chuva insistia em continuar caindo sem dar trégua nem mesmo para o médico poder vir. Ela até mesmo nos alcançou nos molhando tudo. Sem ter muito o que fazer, tomei um banho e Arabelle também e agora, aqui estamos, esperando ansiosamente a tormenta parar e poder ir atrás de Beatrice e Thomas. O som das gotas contra as vidraças é o único ruído que preenche o silêncio incômodo dentro da sala.Me sento próximo à lareira, observando as brasas estalarem, como se olhar para as chamas ajudasse a clarear meus pensamentos. Lady Arabelle permanece em pé, andando de um lado a outro, com uma expressão de preocupação total.- Essa chuva está demorando mais do que esperávamos… - murmura ela, inquieta. - O médico não pode vir mesmo assim? - Não, seria perigoso até para ele. A trilha pode ficar escorregadia, os cavalos ficam agitados… Mas não se preocupe, senhorita Arabella. Thomas deve estar ajudando a senhorita Beatrice da maneira que pode - respondo, com a voz calma, sem tirar os olhos do fogo.

O tique-taque do maldito relógio na parede me deixa louca. Um som contínuo, ritmado, que parece zombar da minha incapacidade de simplesmente apagar e dormir como uma pessoa normal. E o pior, parece me provocar ainda mais, mostrando que meu tempo é curto. Que eu não vou envelhecer, que não vou ter uma família e que vou morrer, outra vez, sozinha.Viro de lado na cama, puxo o lençol para cima, depois para baixo. Me cubro, descubro. Nada adianta. Nem o colchão macio ou o travesseiro que cheira a lavanda parece fazer efeito. Tudo ao meu redor é confortável, seria perfeito para qualquer pessoa ter uma ótima noite de sono... Mas não para mim.Meus pensamentos estão caóticos. Eles não param.Penso em Rosegate e na cláusula perdida. Em como preciso voltar logo e encontrar o que estou procurando. Mas algo em mim me inquieta, posso não lembrar de toda a minha história, mas tenho a sensação de que quanto mais tento fugir do meu destino trágico, mais caminho direto a ele.Fecho os olhos por um in