A Sombra Cresce A mudança em Lucas foi se intensificando. Já não corria pela casa ao chegar da escola. Desenhava escondido. Pediu uma videoconferência para o dia seguinte. Queria ouvir aquela voz, lembrar dela fora da névoa pesada de traições e suspeitas. Ava atendeu com um sorriso sincero. O fundo do vídeo mostrava prateleiras com brinquedos e livros infantis. — Doutor Caleb! Que surpresa boa. Pensei que nem lembrasse de mim. — Como esquecer? Seu currículo é ainda melhor do que me lembrava. Ava, estamos montando uma clínica ambulatorial com foco em gestantes e mães solo. Precisamos de alguém com tato e alma. Alguém como você. Ava corou, emocionada. — Aceito. Meu Deus, eu aceito. Após desligar, Caleb respirou fundo. Havia algo no timbre da voz de Ava que aliviava o peso em seus ombros. O domingo amanheceu úmido, o céu coberto por nuvens espessas que pareciam pesar sobre a casa como a tensão que se acumulava em cada cômodo. Francine acordou com a cama vazia ao seu lado. Cal

A Esperança Tem NomeO segundo dia começou com o sol se filtrando pelas cortinas finas da casa de Matilde, tingindo tudo de dourado. Ava estava sentada à mesa da cozinha, uma xícara de chá nas mãos, o olhar perdido nas folhas dançando lá fora.Matilde se aproximou com um pão recém-saído do forno e passou-lhe manteiga com delicadeza, como quem desenha uma lembrança.— Dormiu bem? Perguntou, puxando uma cadeira.— Sim. E sonhei com o bebê. Disse Ava, sorrindo. — Ele tinha meus olhos, tia. E o seu sorriso.Matilde tocou a mão da sobrinha. Era um gesto simples, mas que dizia tudo: Estou aqui, você não está sozinha.— Esse bebê vai te mostrar o que o amor sem dor significa. Ela disse, com a voz embargada. — E você está se tornando a mulher que sempre mereceu ser.Na clínica, Ava já se movia com mais segurança. Aprendeu o nome das pacientes, seus hábitos, suas histórias. E, com cada novo rosto, um pequeno pedaço dela também se curava. As grávidas passavam por ali carregando mais do que

Farpas e SementesFrancine trancou a porta do quarto com mais força do que o necessário. O barulho seco ecoou pelos corredores como um estalo de raiva mal disfarçada. Encostou-se à madeira fria, ofegante. Caleb estava se afastando. O plano perfeito de reconstruir a vida ao lado do viúvo rico, sensível e vulnerável, não estava funcionando. O menino. Aquele menino ele era a pedra no sapato. Um obstáculo pequeno, mas persistente. Como uma farpa sob a pele.—Esse moleque vai estragar tudo. Murmurou entre os dentes, ajeitando o cabelo diante do espelho. O reflexo mostrava perfeição: A maquiagem impecável, o vestido justo, a expressão doce treinada por anos. Mas o olhar... o olhar denunciava a raiva que borbulhava dentro dela.Desceu para a cozinha e preparou um chá calmante, não para si, mas para manter a fachada. Caleb descia as escadas devagar, os olhos marcados por noites mal dormidas. Passou por ela sem uma palavra e foi direto ao quarto de Lucas.Lá dentro, o menino dormia, abraç

Doce Perfume da DesconfiançaFrancine conhecia o caminho para o coração de Caleb: Preocupação com Lucas. Usava isso como uma artesã usa o cinzel, tirando lascas da confiança que ele depositava nos outros. Mas, agora, era hora de minar a nova figura: Helena. A babá que sorria demais. Que sabia demais.Helena havia trazido leveza. Lucas cantava, desenhava o tempo todo e o pior para Francine, começara a desenhar três pessoas nas figuras da família. Ele, o pai… e uma mulher loira de cabelos presos, que segurava a outra mão dele.Francine viu o desenho esquecido na mesa. Primeiro riu. Depois rasgou, com calma, em quatro pedaços simétricos. Jogou no lixo com o resto da laranja do menino.A ideia surgiu numa manhã qualquer, como uma névoa venenosa. Helena estava sozinha com Lucas na sala de brinquedos. Francine observava do corredor, de forma sutil. Sorriu para a funcionária, entrou com seu jeito afável.— Quer um café, Helena? Fiz para mim, coloquei um pouco de canela, como você gosta.

A Arte da DiscórdiaFrancine cruzava os corredores do hospital com passos lentos e firmes. Cada centímetro daquele lugar lhe parecia familiar e agora ameaçado. Caleb andava ocupado demais, envolvido com Ava, com Helena, com tudo, menos com ela.Ela precisava ser necessária novamente. Precisa que Caleb a visse como a única capaz de manter de pé o império que ele e Sofi construíram. E, para isso, havia uma regra simples: Criar o caos e ser a única a oferecer ordem.Na recepção da clínica, Ava sorria para uma paciente enquanto preenchia um formulário. Era natural nela, aquela forma doce de tratar as pessoas. Isso irritava Francine profundamente. Mas ela precisava agir com cautela.Aproximou-se com um maço de papéis nas mãos e uma expressão séria.— Ava, posso falar com você um minuto?Ava se levantou de imediato.— Claro, doutora.Francine sorriu com delicadeza, inclinando-se como quem compartilha algo confidencial.— É sobre um agendamento duplicado. A senhora Lucinda veio hoje cedo