O carro desliza pelas ruas molhadas de Londres com uma calma que não combina com o que está acontecendo dentro de mim. Tento manter o olhar fixo na janela, assistir as luzes refletindo nos paralelepípedos como se fossem constelações urbanas, mas minha atenção continua sendo puxada para ele. Noah dirige com uma tranquilidade irritante, uma mão solta no volante, os dedos tamborilando levemente ao ritmo da música baixa que preenche o carro. É impossível não reparar nos detalhes: o modo como a franja dele cai ligeiramente sobre os olhos, como a mandíbula parece se tensionar e relaxar em pensamentos que ele nunca fala em voz alta. — Obrigada por me levar à galeria — eu quebro o silêncio, porque o ar está denso demais. — Foi… diferente. No bom sentido. Ele sorri, sem tirar os olhos da estrada. — Diferente é uma boa palavra para hoje. Não costumo mostrar esse lado para as pessoas. — E por que mostrou para mim? — escapa antes que eu possa filtrar. Noah me lança um olhar rápido, um daquel

O cheiro esterilizado do hospital sempre me dava uma pontada no estômago. Não era exatamente medo, mas uma memória física que meu corpo parecia guardar, mesmo anos depois de vencer o câncer. Existe um tipo de medo depois de passar por algo como essa doença que nunca vai embora. Ele fica guardado lá no fundo apenas adormecido.Esperando o momento em que ele pode voltar e dessa vez te consumir por inteiro.Porque ninguém pode te dar essa garantia, de que em algum momento ele não voltará.Aperto a bolsa contra o peito e sigo pelo corredor branco até o setor de hematologia, respirando fundo. O som do salto baixo das minhas botas ecoa pelo piso enquanto tento me convencer de que é só mais uma rotina, só mais uma consulta.— Bom dia, Giulia Benites? — a recepcionista me chama com um sorriso gentil. — Pode me entregar o cartão do NHS?Entrego, tentando sorrir de volta.— Bom dia… É só um check-up.Ela digita algo no computador e me devolve o cartão.— O Dr. Edwards vai chamá-la em alguns min

A casa estava estranhamente silenciosa quando entrei. Meus passos ecoavam pelo corredor de mármore, a luz suave das luminárias refletindo nos quadros caros pendurados na parede. Tão fria… tão perfeita.Soltei o ar em um suspiro pesado. Eu odiava essa sensação de estar entrando em um lugar onde ninguém realmente… vivia.Depois de largar o casaco na escada, olhei para cima. Luz vinha do segundo andar, especificamente do escritório do meu pai. Era sábado à noite e ele certamente estaria lá — como sempre, um livro nas mãos, uma taça de vinho ao lado, a lareira acesa.Eu devia subir? Devia abrir uma brecha depois de anos de diálogos restritos a “como está a faculdade” e “você t

O convite de Noah me pregou desprevinida.O único baile ao qual eu compareci foi o da minha formatura. Apesar de ser abençoada e fazer parte de uma família abastada e com bons recursos financeiros, não fazíamos parte da alta sociedade espanhola. Como Ceo de uma grande empresa, meu pai as vezes era convidado para esses eventos dos quais eu nunca compareci por ser muito nova.A familia de Noah no entanto, respira essa vida.Minhas rápidas pesquisas me mostraram que o dinheiro deles é o que chamamos de "dinheiro antigo", se acumula durante gerações, e circulam entre o grande hospital dos quais são donos, uma rede de hoteis e outros investimentos imobiliarios. Sempre fazendo casamentos entre os herdeiros das famílias da mesma realidade. Agora minha missão dessa semana era encontrar um vestido descente e que não denunciasse meu nervosismo.Estava indo para apoiar um amigo, porque é isso que Noah e eu somos.Amigos.Alguém vindo de uma família como a dele provavelmente já teria um casament

Eu cogitei por alguns minutos não descer do carro com os nervos tremendo e cogitando que isso fosse uma grande loucura. Noah é meu único amigo nessa cidade, desde que cheguei aqui, e por mais que tivesse outros colegas na faculdade, ele ainda continuava sendo a pessoa mais próxima.E ter apoio quando você está sozinha, faz diferença.Era impossível não ficar impressionada.Os degraus em mármore polido refletiam as luzes do lustre gigantesco acima de nossas cabeças, um emaranhado de cristais que brilhavam como pequenas estrelas presas no ouro. Cada detalhe da mansão Calahan parecia saído de uma revista de arquitetura: as colunas gregas, as paredes com molduras douradas e obras de arte cuidadosamente posicionadas, como se cada uma tivesse uma história sussurrada entre os cômodos.Eu seguia ao lado de Noah, tentando não parecer excessivamente fascina