Azura, Fogo Cigano
Azura, Fogo Cigano
Por: MARCUS SOUSA
AZURA, PAIXÃO E VENENO

O povo nômade de Khan Shamur era considerado um povo livre e independente, mesmo devendo alguns “favores” ao Reinado. Tinham a liberdade de se moverem para onde bem entendiam, desde que não interferissem no governo local e não causassem confusões em demasia.

O povo de Khan era liderado por Samul Zatter, um homem dedicado a família, sábio e forte. Sua esposa Emília Erin era considerada a mulher mais bela entre os nômades e também a pérola do Reinado, cobiçada pelo próprio rei Álvar, o mesmo que juntou todos os povos que lutavam para dominar as terras de Alderon em um único, causando obviamente, a revolta de alguns clãs, mas foi considerado um ato de sabedoria e heroísmo pela maioria, pois foi graças a isso que conseguiram defender Alderon dos bárbaros chegando em grandes números nos seus poderosos navios de batalha, vindos do além mar desconhecido. O que poucos sabem, inclusive Emília, foi o terrível duelo travado por Samul e o próprio rei em prol de quem ficaria com ela. Samul venceu o rei oferecendo misericórdia em troca de uma vida pacifica para ele e também para seu povo. Álvar era inteligente e aceitou a barganha, e seguiu com sua vida, se casando com uma nobre de algum clã conhecido.

A verdade era que o povo de Khan começou a se mudar com mais frequência que de costume e não era devido a terra ruim ou aceitação da população local, pelo contrário, sempre eram bem vindos em qualquer lugar. O povo era alegre e sempre levava algum tipo de festival para onde fossem. Dança, jogos e sua famosa bebida feita de frutinhas que se assemelhavam aos olhos negros de demônio, com uma casca amarga e escura, mas por dentro, branca e doce, que chamavam de Licor do Olho Negro. Tudo isso era seu cartão de entrada em qualquer lugar. O problema começava quando sua filha rebelde Azura, começava a frequentar as tabernas locais, seduzindo homens tolos, jogando dados e roubando suas moedas, não que ela precisasse. Ela sempre chegava em casa embriagada, fugida, as vezes com hematomas de alguma briga. As vezes as coisas eram tão serias, que o povo vinha pedir a retirada dos nômades em nome da amizade geral para evitar maiores problemas.

Azura tinha toda a beleza e inteligência da mãe, a força e a resiliência do pai. Juntava tudo isso com a teimosia de um adolescente e temos nas mãos uma bomba de confusão prestes a explodir. Com seus cabelos longos e ondulados, de um negro profundo e brilhante, seu rosto se encaixava perfeito, como a obra prima de um escultor inspirado pelos deuses. Com seus lábios carnudos e da cor de uma rosa, olhos grandes e completamente negros, não deixavam pistas para saber o que pensava. De estatura mediana, suas roupas não foram feitas para ocultar os seus dotes físicos. Seu busto avantajado, mas não exagerado estava sempre exposto em um decote perigoso para os homens de vontade fraca. Sua cintura era moldada pela dança que executava com maestria e por sempre correr e montar suas pernas eram fortes e grossas, seguindo o contorno perfeito de seu corpo. Para azar dos incautos que ousavam ir mais além, Samul ensinara a sua filha a arte da esgrima e a garota se mostrara uma aluna talentosa, aprendendo técnicas avançadas e perigosas, muito além do que seu pai esperava. Seria a filha perfeita, motivo de orgulho para todo o clã. Belíssima, poderosa e inteligente. Mas a sua teimosia, curiosidade e os vícios causavam problemas sem fim, não somente para sua família, mas para todo o clã. Sua beleza era o veneno que deixava os homens perturbados e sua dança os hipnotizava, deixando para trás qualquer virtude que possuíam. Quando estavam nesse ponto, Azura conseguia o que pedisse. Era como magia.

Com dezesseis anos já tinha trago mais problemas do que um grupo de jovens delinquentes. Em seu quarto, um baú enorme e trancado, escondia os tesouros que arrancava dos tolos. Colares, pulseiras, ouro, pedras preciosas, estatuetas estranhas, itens mágicos e até mesmo armas e não foi somente uma vez que apareceu alguém reclamando algo que ela roubara ou que tivesse sido enganado no jogo pela garota.

De fato, Azura não precisava de nada disso. Os nômades não eram propriamente ricos, mas eram autossuficientes e tinham posses consideráveis e até mesmo ouro para casos de emergência. Samul não entendia essas atitudes, mas relevava na maioria das vezes porque se lembrava de quando era jovem e quanta besteira fizera na vida. Não adiantava proibir sua filha de ir as tavernas, trancá-la e muito menos colocar alguém para vigiá-la. Ela simplesmente conseguia burlar qualquer segurança e abrir qualquer fechadura. As vezes se arrependia de a ter mimado demais.

Foi no fim do verão que as atitudes da garota chegaram ao ápice. O Khan estava acampado bem ao sul, próximo ao vilarejo de Gremoire, um vilarejo praticamente sem importância, meio esquecido pelo reinado, mas eles produziam um ótimo vinho de frutas cítricas. Azura havia fugido no meio da noite para a taverna local e na tentativa de trapacear nos dados foi descoberta por um aprendiz de mago que morava ali. Obviamente só foi descoberta depois de ter “limpado” os bolsos de vários na taverna. Os aldeões furiosos tentaram reaver o seu dinheiro, mas a garota se recusou a devolver sem lutar, desafiando quem estivesse disposto. Logo os homens ali, subestimando a garota, avançaram ao ataque. Antes de recuar diante dos números de atacantes a garota deixou vários feridos.

O vilarejo em peso foi até o acampamento dos nômades, pedindo sua retirada imediata pagando o prejuízo dos homens feridos ou que entregassem a garota para julgamento.

Samul, pagou a dívida, acalmando os ânimos com bastante licor e ouro. No amanhecer do dia, levantaram acampamento e partiram. Ainda não tinham destino certo, mas o líder do Khan havia tomado uma decisão. Deixou o acampamento avançar e ficou para trás para conversar com a sua filha rebelde.

- Olha, Azura. Seus atos estão prejudicando todo o nosso povo. Não entendo a real dos seus motivos de agir dessa forma, mas isso tem que parar.

Ele estava furioso e preocupado, mas tentava conversar com a garota não somente como pai, mas como líder de um clã.

- O que eu posso fazer? Eu estou cansada dessa vida monótona, eu quero mais, quero tudo que esse mundo tem a oferecer a mim e um pouco mais. Não posso ser recriminada por isso. – Respondeu a garota em tom altivo.

- Entendo perfeitamente isso que você quer dizer. Já tive minha época assim também, mas tenha cuidado, não deixe que a ganância te suba a cabeça, isso pode ser perigoso e também nunca subestime a vida ou ela pode lhe dar-lhe uma rasteira.

A garota ouviu calada. Samul olhou para o acampamento que avançava lentamente e pensou na fera que sua esposa ficaria depois do que estava prestes a fazer.

- Eu pensei muito sobre isso e creio que já está passando da hora.

Samul parou o cavalo na frente do de Azura, a obrigando a parar também.

- A partir de hoje, você Azura Zatter, detentora do meu nome, não pertence mais ao Khan Shamur, você está banida, até que encontre o que procura, satisfaça suas vontades e cresça como mulher e ser humano.

Azura arregalou os olhos, espantada. Esperava algum tipo de castigo, mas, ser banida era algo duro de aguentar. Ela não disse nada ao pai. Nem ao menos reclamou. Samul foi novamente de encontro a caravana, fazendo com que a carroça onde os pertences da filha estavam parasse. A deixou pegar o que seu cavalo pudesse carregar. A garota pegou algumas joias, ouro e uma boa espada curta que roubara recentemente. Levou também a maioria de suas roupas, afinal não poderia andar por ai, maltrapilha. Seu cavalo Salazar reclamou do peso extra, não estava acostumado a carregar nada mais pesado que sua dona, mas resignou-se ao fardo depois de receber uns tapinhas carinhosos no focinho.

Azura partiu sem dizer nada nem olhar para trás. Cavalgou o mais rápido que podia, rumo a aventura que sonhara a muito tempo para si. Do alto de uma colina, Samul observava com lagrimas nos olhos a sua filha partir, orando para os deuses que a protegessem e a guiassem nessa nova jornada.

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