Marcas no âmago...

Gritei de puro horror e comecei a me arrastar pelo chão para longe daquela coisa, tateei o chão, procurando o maldito celular que caiu com a tela virada para baixo e mal iluminava um palmo a minha frente de onde estava caído. Todos os meus pelos se arrepiavam por causa do medo, nem se quer cogitei a ideia de aquele espectro ser fruto da minha imaginação pois, sua presença era tão densa que chegava a quase ser palpável.

A silhueta sombria se aproximou, erguendo a mão longa e deformada em direção ao meu rosto, deixando-me ainda mais desesperada, não esperei seu toque e cambaleando, corri em direção a porta, abrindo-a em um estrondo, sai tropegamente do quarto, e corri pelos corredores, parando-me com a escadaria, senti um empurrão violento em minhas costas e acabei rolando escada a baixo em meio ao meu desespero. Tentei usar os braços para proteger meu pescoço e rosto em meio a queda, o som de pequenos ossos se quebrando soou nos meus ouvidos, seguido de uma dor quase insuportável em minha mão esquerda e tive certeza que meus dedos haviam se quebrado.

Quando finalmente cheguei ao chão, continuei parada apenas ouvindo os sons da casa que pararam momentaneamente, olhei em volta, arregalando meus olhos e percebi que não havia sinal algum daquele ser assustador. Respirei com dificuldade e percebi, ao tentar me mover, que outra forte dor vinha das minhas costelas, indicando que provavelmente quebrei algo. Cada movimento, causava uma estranha pressão em meu tórax como se minhas costelas estivessem apertando meus pulmões, e senti um real medo de morrer.

Aos poucos, o som de passos começou a ecoar pelo chão e instintivamente eu sabia que aqueles rangidos no chão de madeira não eram causados pelos meus pais, tentei me erguer novamente, mas não consegui e logo tive a horrível visão daquela coisa se aproximando lentamente, como se saboreasse prazerosamente o meu desespero.

Um raio cortou a madrugada, iluminando a sala e pude vislumbrar os olhos do que transformava-se no espectro de um homem alto e assustador, ele sorriu, mostrando uma longa fileira de dentes afiados, suas mãos fecharam-se ao redor do meu pescoço, o apertando com força, quase fechando toda a passagem de ar enquanto focava seus olhos nos meus.

Gritei me debatendo ao sentir meu corpo sendo erguido, me sufocando aos poucos, meus lábios se abriram inutilmente procurando por ar, mas este parecia não passar pelo pouco espaço que ficou em meio ao aperto em minha garganta. Seu rosto aproximou-se do meu e seus lábios sussurraram palavras que por algum motivo, eu não consegui compreender apesar de estar em meu idioma.

Quando achei que tudo estava perdido, o som de passos soou parecendo estar longe, ouvi gritos nas vozes dos meus pais e tive dificuldade em me manter acordada, porém, aquela coisa abruptamente afrouxou o aperto em meu pescoço, deixando-me respirar. Tossi algumas vezes, expelindo um pouco de saliva e sangue, para em seguida, puxar grandes lufadas de ar para dentro dos meus pulmões ardidos.

– Sarah? O que está acontecendo? Ouvi a volta do meu pai que surgia no topo da escada, em sua mão havia uma lanterna com a qual tentava iluminar onde eu estava, mas parecia não estar vendo aquele espectro assustador.

            Aquele estranho homem, que ainda estava com as mãos em meu corpo, sorriu sussurrando novamente e me repousou sobre o chão sem fazer barulho, afastando-se e sumindo lentamente na escuridão. Dessa vez eu entendi suas palavras o que me deixou ainda mais assustada a ponto de não conseguir segurar as lágrimas que irromperam entre soluços e grandes ofegos ainda em busca de ar.

– Meu Deus! O que aconteceu? Minha mãe questionou se aproximando de mim e acariciando meu rosto com uma expressão de pavor, o que me fez imaginar o estado em que eu devo estar.

– Eu cai, por causa do escuro... – Murmurei sentindo a dor no meu tórax retornar rapidamente e um gosto metálico de sangue inundou minha boca, me fazendo tossir, manchando a camisola branca da minha mãe.

– Edward, precisamos leva-la ao hospital!

            Essas foram as últimas palavras que consegui ouvi, ressoando na voz da minha mãe, antes de cair na escuridão e apagar completamente. Quando acordei, estava em um quarto de hospital tão excessivamente branco que irritaram a íris dos meus olhos. Fitei o cômodo, olhando em volta e notei minha mãe adormecida com a cabeça apoiada no colchão onde eu estava deitada, deslizei os dedos da mão boa, por seus cabelos enquanto voltava meus olhos para uma longa faixa branca contornando o meu tronco. Como imaginei, algo aconteceu com as minhas costelas.

– Oh, querida! Você acordou! Minha mãe murmurou abrindo seus olhos lentamente. Me sorriu acariciando novamente minhas mãos e beijou minha testa. – Você precisou de uma cirurgia, suas costelas estavam fraturadas e quase furaram seu pulmão.

– Em apenas uma queda... pelo amor de Deus, tome mais cuidado! Era a voz do meu pai que aproximava-se com o rosto contorcido em preocupação, mas tentando manter a calma enquanto me abraçava protetoramente.

– Sim, senhor! Respondi no automático, me encolhendo e retribuindo desajeitadamente seu abraço, sentindo-me um pouco mais segura.

            Meu pai é o tipo de homem que dificilmente demonstra seus sentimentos, provavelmente em decorrência de uma criação machista, mas eu sempre senti seu amor nas suas poucas demonstrações tímidas de afeto. Curiosamente, ele me instruía a compreender esses pontos desde que percebi estar sendo criada como um menino, era o jeito dele de me proteger do mundo.

– Essas marcas no seu pescoço são de que? Ele questionou parecendo não ter percebido isso em meio à confusão da noite anterior. – Alguém te bateu?

   O observei por alguns minutos e pensei se deveria dizer a verdade sobre essas marcas, afinal provavelmente eram decorrentes das mãos daquela coisa me sufocando, mas tive medo de ser levava para a ala psiquiátrica, então decidi mentir.

– Não, deve ter sido na queda... – Murmurei sem conseguir olhar nenhum deles nos olhos e fitei minhas próprias mãos sobre o colo, ainda estava tremendo de medo só com a lembrança.

– Tudo bem, descanse! Minha mãe interrompeu a conversa, fitando meu pai com a seriedade de quem quer encerrar um assunto e veio me abraçar novamente. Depois, ergueu-se e puxou meu pai pelo braço para fora do quarto.

   Fechei meus olhos e tentei dormir mais um pouco, imaginado que teria alta provavelmente horas depois, mas as vozes dos meus pais conversando no corredor chamou a minha atenção, deixando o meu cérebro em alerta. Eles conversavam próximos a janela do quarto, minha mãe olhando meu pai com os braços cruzados e uma expressão de preocupação estampada no rosto.

– Você acha que ela está tendo problemas com alguém na escola ou no trabalho? Ela questionou voltando os olhos em minha direção, mas virei para o lado fingindo que não estava ouvindo a conversa.

– Ela não quer dizer, mas tem algo realmente acontecendo! Meu pai respondeu tão preocupado quanto ela, e posso inclusive imaginar seus olhos negros fixos em minhas costas, como se pudesse ver através das minhas mentiras.

 Ouvir isso me fez encolher sobre a cama, fitei meus dedos engessados e suspirei com tristeza, ficando ainda mais angustiada. Eu queria contar a verdade, dizer o que estava acontecendo, o que vi e ouvi ontem à noite, mas sentia que não iriam acreditar em mim, assim como aconteceu na infância. Ouvi um longo suspiro na voz da minha mãe que sugeria que saíssem um pouco para não me acordar, os dois afastaram-se parecendo tentar não fazer barulho, mas não consegui dormir, ficando com meu cérebro ainda mais agitado quando ouvi duas enfermeiras que passavam pelo corredor, parando próximo a janela ao lado da minha cama, e conversando sobre a garota morta no dia anterior que havia sido identificada como uma estudante do mesmo colégio que eu. 

    De repente, vários questionamentos me vieram a mente e senti que precisava responde-las para estar em segurança. Agora não havia somente o medo real de um possível serial killer, matando moças dentro de um perfil em que me encaixo, mais que isso, ainda havia aquela maldita coisa que queria me matar, assim como deve ter feito com aquela moça que se tornou um espectro no meu quarto.

    Me questionei o porquê de nunca ter o visto nos cinco anos dormindo naquele quarto, e um arrepio escorreu por minha coluna ao perceber que certamente aquilo não era um fantasma, se as lendas estivessem corretas, mais parecia um demônio. Pensei em sua silhueta e tentei descobrir quem seria ele em vida, o que havia feito para se tornar algo tão sombrio.

Lembrei-me que a mulher da parede era a moça que trabalhou na casa como governanta, estava vestida em uma roupa intima e me perguntei se o seu assassino, provavelmente o espectro que me atacou, tinha acesso a casa. Um nó doloroso formou-se em minha garganta ao lembrar de sua imagem horrenda e senti todos os meus pelos arrepiando-se em conjunto as lagrimas que voltavam a escorrer.

Pelo canto do olho, notei que meu celular estava sobre o criado mudo, me estiquei como pude e o peguei, notando que havia várias mensagens de Gabriel, provavelmente escritas antes de saber do meu "acidente". Não respondi, havia uma questão mais importante no momento, precisava saber o que fazer para limpar minha casa daquela presença assassina. 

As respostas do buscador me causavam estresse, as pessoas contavam relatos tão sem noção que me deixavam enojada, me questionando o porquê de buscarem atenção dessa forma, mas quando já estava desistindo, encontrei um site pouco visitado falando sobre demonologia. E fiquei interessada pois, era baseado em livros reais. Numa mitologia especifica, que aparentavam ser oriental, os demônios não eram resultados de almas ruins, na verdade, eram seres que nunca foram humanos e viviam somente para causar o caos e se alimentar de almas humanas. Mas havia algo que me fez repensar, o fato de que espíritos obsessores - mesmo que não fossem demônios - podiam se alimentar e eram atraídos pelas energias negativas, e casas onde ocorreram assassinato são cheias delas.

De repente, um pensamento sombrio me veio à mente. Seria aquela moça a esposa daquele espectro que foi assassinada e continuava sendo perseguida mesmo em morte? Mas se esse fosse o caso, porque ele também estava morto?

Antes que pudesse me aprofundar na pesquisa, minha mãe entrou no quarto reclamando de não ser bom para a minha recuperação estar estudando e tive que fazer um malabarismo para apagar o histórico de pesquisa antes que ela me tomasse o celular. Caso me visse pesquisando sobre coisas sobrenaturais, certamente voltaria a me tratar como uma louca, assim como fez quando contei sobre as aparições pela primeira vez.

– Você precisa descansar para que possa ter alta logo! Minha mãe resmungou com um semblante preocupado, mas aparentava não ser apenas sobre meu estado.

– Aconteceu alguma coisa? Perguntei e vi que seus olhos pareciam fugir aos meus, estava me escondendo algo que certamente preciso saber. – Mãe! O que aconteceu?

Trocamos olhares intensos por alguns segundos e então, após um longo suspiro de desistência, ela concordou em me contar. Mas antes, puxou uma cadeira para perto do meu leito, sentou-se e esfregou as mãos nas têmporas, aparentando estar sentindo dor.

– Outra garota foi encontrada agora a pouco, a mídia tomou conta do caso e ao que entendi, a polícia local está cooperando com a inteligência, estão se referindo ao caso como assassinatos em série! Contou deixando a cabeça recair sobre o encosto da poltrona, ficando em uma posição estranha.

– Como é possível que esse assassino ainda esteja empune em um lugar tão pequeno? Questionei o que vinha me incomodando desde que o primeiro corpo foi encontrado.

Os olhos da minha mãe me fitaram de um modo estranho por alguns segundos, seu semblante dando a entender que estava indecisa se deveria falar sobre aquele assunto comigo. Talvez imaginando que ainda fosse jovem demais para determinados contextos mais sombrios, escondendo a parte suja da humanidade de mim como fazia quando eu era criança.

– Todos estão muito apreensivos e pensando no que pode ser feito, tenho muito medo principalmente por você! Ela mudou de assunto, parece ter decidido por me manter em segurança na ignorância.

A olhei por alguns minutos e lhe sorri tentando a confortar, ela me conhece bem, sabe que terei cuidado e como tenho poucos amigos, não saiu muito. Entendo sua preocupação, mesmo que não concorde com seus métodos para me proteger, mas sei que cada mínima ação sua é pensando do bem da família então, aceito obedientemente.

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