5

O dia de ontem foi surpreendentemente leve e bem aproveitado ao lado de Julia. Confessei a ela, entre risos e alguma vergonha, que não estava conseguindo acompanhar seu ritmo acelerado de fala. Ela sorriu e explicou que falava assim quando ficava nervosa - o que de certa forma nos ajudou a relaxar e quebrar o gelo logo de início.

Foi divertido descobrir um pouco de Londres por seus olhos. Ela vivia ali há três anos, com o irmão, e conhecia bem cada esquina. Julia era brasileira e sempre sonhou em estudar fora do país. Falava disso com brilho nos olhos. Com entusiasmo, me apresentou alguns doces típicos do Brasil que tinha guardados na despensa - brigadeiro, paçoca, e um doce de leite macio que quase me fez chorar de alegria. Amei todos, sem exceção.

Conversamos até tarde da noite. Era curioso e um pouco assustador pensar que, em apenas um dia, eu havia feito uma amizade tão verdadeira num país totalmente novo. Era como se alguma força estivesse me guiando ao encontro de pessoas certas.

Hoje, despertei cedo. Fiz minha oração matinal, pedindo, com o coração apertado, que tudo desse certo na minha apresentação à universidade. Se algo desse errado, eu não saberia o que fazer. Estaria completamente perdida.

Esperei durante um ano inteiro para que minha bolsa fosse aceita. E mesmo com todas as dificuldades, não desisti. Tive uma infância reclusa, parte dela vivida dentro de um convento. E depois, quando fomos para a Polônia, estudei em uma escola fraca - resultado das escolhas erradas do meu pai. Um homem assassino, cruel, que me afastou de qualquer chance real de futuro.

Quando finalmente recebi a carta de aceitação, quase não acreditei. Achava que minhas chances haviam se esgotado. Mas, como dizem, Deus escreve certo por linhas tortas... e minhas preces foram ouvidas.

Tive também a sorte de Julia estudar no mesmo campus que eu. Iríamos juntas para a universidade, o que me aliviava profundamente. Eu mal conhecia as ruas da cidade, e tê-la ao meu lado me dava segurança. Agora, eu faria tudo o que por tantos anos me foi privado.

Sou uma mulher de vinte anos que nunca conheceu o mundo. Os cinco anos que vivi na Polônia foram como uma prisão. Luca, meu pai, sempre me manteve trancada em casa como se fosse um soldado sob vigilância. Ele era controlador, exigente, e qualquer tentativa minha de sair resultava em punições severas.

Pode até ser pecado dizer que o odiava - Deus me perdoe -, mas essa era a verdade. Luca era uma das piores pessoas que conheci. Um homem que matou por questões de sobrenome, que me trancou como se eu fosse sua propriedade, e que ainda me vendeu, sem o menor remorso, a um homem sessentão. Tudo isso por ganância.

Enquanto penteava meus cabelos diante do espelho, observava meu próprio reflexo como se esperasse encontrar respostas. Não era má. Nunca fui. Apesar de tudo que Luca fez comigo, jamais destratei minha família. Mas, mesmo assim, sentia medo. Medo do que viria. Medo de mim mesma. Medo até do que via no espelho.

- Já está pronta? - A voz de Julia me tirou dos pensamentos. Ela estava parada na porta, sorrindo como sempre. Parecia ter uma luz própria, um bom humor inabalável, independentemente da hora do dia. - Você está muito bonita. Você é bonita. - Riu de si mesma. - Desculpa, ainda estou nervosa.

Apesar de termos praticamente a mesma idade, éramos muito diferentes. Julia era extrovertida, acelerada, espontânea. Eu, mais reservada, introspectiva, discreta. Ela não fazia ideia do que eu tinha passado. Se soubesse, talvez não sorrisse tanto ao meu lado.

- Estou pronta. E... obrigada. - respondi com um sorriso contido.

Não estava acostumada a receber elogios. Os últimos que ouvi vinham de alguém de quem eu preferia esquecer. Desde os quinze anos, percebi o modo como Oton me observava. Era assustador pensar que um homem como ele pudesse se interessar por mim naquela idade. Ele pagou ao meu pai pela promessa de casamento, como se eu fosse um objeto negociável. Ainda hoje me angustia pensar que ele poderia me procurar... e me levar de volta para a Polônia.

Levantei-me, tentando afastar os pensamentos ruins.

- Vamos logo. Não quero te atrasar.

- Não se preocupe. Moramos perto e os horários são bem flexíveis. - disse, com aquele mesmo sorriso animado.

A ansiedade me consumia. Eu queria sair logo do apartamento e ver a cidade com outros olhos. Ontem, cheguei tão nervosa que mal prestei atenção em tudo ao redor. Quando finalmente descemos e meus pés tocaram a calçada, algo mudou dentro de mim. Senti-me... diferente.

As ruas de Londres não se pareciam em nada com a Polônia, tampouco com Alessandria. O clima frio me invadiu, despertando um tipo novo de alegria. As pessoas andavam apressadas, com as mãos enfiadas nos bolsos dos casacos pesados, e os prédios altos e modernos refletiam a luz cinzenta do céu. Os carros, em constante movimento, davam ritmo à cidade.

Naquele instante, caiu a ficha. Eu estava, de fato, em Londres. E era tudo tão maravilhoso que não consegui conter o riso. Ri como uma boba encantada.

- Vamos, o táxi chegou. - chamou Julia, me puxando com gentileza para dentro do carro.

Se dependesse de mim, teria ido a pé. Queria observar cada detalhe, absorver tudo. Mas sabia que seria pedir demais.

Durante o trajeto, Julia tagarelava animadamente, mas minha atenção estava toda voltada para a janela. Eu observava tudo: as pessoas atravessando as ruas apressadas, os ônibus vermelhos, os cafés aconchegantes nas esquinas. As fotos do G****e jamais conseguiriam capturar a verdadeira beleza daquela cidade. Só os olhos podiam.

Estávamos no inverno, o que me fez lembrar da Itália. Mesmo nos tempos difíceis do convento, eu gostava do frio. Algumas tardes, as irmãs abriam as portas do refeitório e colocavam cadeiras de madeira do lado de fora. Nós nos sentávamos enroladas em cobertores, bebendo chocolate quente e vendo o mundo passar. Era uma memória doce... que agora me fazia chorar por dentro.

Contive as lágrimas antes que caíssem. Eu não queria ser freira, e sabia disso desde cedo. Mas, mesmo assim, criei laços. Se meu pai não tivesse destruído tudo, talvez minha vida tivesse tomado outro rumo. Talvez eu ainda estivesse em Alessandria, visitando o convento de vez em quando.

Mas aquela escolha também era boa. Eu só precisava aceitar que parte do passado teria de ficar no passado. Um passo de cada vez.

Quando o táxi estacionou diante da universidade, fiquei sem palavras. O prédio era imenso, com arquitetura imponente. Estudantes caminhavam por todos os lados, e havia um brilho no ar que nenhuma fotografia poderia capturar.

- Está pronta para entrar? - perguntou Julia, percebendo meu encantamento. - Se já ficou assim do lado de fora, vai surtar quando entrar. Mas, olha, cuidado com os ingleses charmosos. Quando veem uma mulher bonita como você, eles não perdem tempo. Mas fuja daquele olhar sexy e do sorriso encantador, ou sua vida pode virar de cabeça para baixo. - comentou, quase como um aviso.

- Falando assim, até parece que você caiu nesse conto. - brinquei, provocando um sorriso em mim mesma.

Mas Julia baixou os olhos e seu sorriso se apagou um pouco.

- É... eu já fui burra de cair.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP