A frieza da madrugada grudava na minha pele como se fosse uma segunda pele, mas o frio que me congelava vinha de dentro. Olhei para o meu pai, caído no sofá, um monte de garrafas vazias espalhadas ao redor dele como se fossem pedras preciosas em um altar de perdição. Desde que a mamãe morreu, ele se afogou no álcool e nas drogas, levando a nossa família junto para o fundo do poço. E agora, a dívida com a máfia era uma espada pendurada sobre nossas cabeças.
Mavie , minha irmã, dormia no quarto ao lado. Sua respiração era tão leve que mal conseguia ouvi-la. Ela precisa de um transplante de coração, e o tempo está acabando. Já faz anos que ela está na fila de espera, e a cada dia que passa, o medo de perdê-la me consome. Só queria ter dinheiro, dinheiro suficiente para antecipar o processo, para garantir que ela não morra esperando. As ameaças da máfia têm sido constantes. O nome Demarco ecoa na minha cabeça como um trovão. Sei que eles não brincam, que são capazes de qualquer coisa. A qualquer momento, podem acabar com a vida do meu pai, e com a nossa. Fui até o quarto de mavie, sentei na beira da cama e beijei sua testa. Acariciei seus cabelos macios, tentando gravar cada detalhe do seu rosto na minha memória. Deito ali mesmo, do lado dela, e adormeço. Acordei com os seus toques leves no meu braço. Ela tinha amanhecido aparentemente bem, mas essa era a parte mais assustadora da doença dela: a silenciosa crueldade. O médico disse que ela podia dormir uma noite e não acordar mais. Aquele pensamento me cortava como uma faca. __“Sofia, você dormiu aqui?”, ela perguntou, a voz ainda rouca de sono. __“Parece que sim”, respondi, tentando parecer tranquila. “Devo ter pegado no sono quando vim te dar um beijinho de boa noite...” Levantei e preparei um café rápido. Dei um beijo na testa dela e fui para o trabalho. Kim, minha amiga asiática, já estava na padaria, me esperando. Ela me abraçou e me entregou o avental. __“Como você está?”, ela perguntou, seus olhos escuros me analisando. __“Cansada”, murmurei. __“Nota-se”, ela disse, sorrindo fraco. “Outra noite sem dormir?” __“Sim”, suspirei. “Outra ameaça chegou em casa. Sem falar na Clara, que a cada dia fica mais perto do fim...” __“Sinto muito, amiga”, ela disse, colocando a mão no meu ombro. __“Tudo isso por falta de dinheiro”, falei, sentindo as lágrimas se formando nos meus olhos. “Daria qualquer coisa para ver minha irmã bem. A cirurgia dela custa uma fortuna.” __“Complicado, amiga”, ela concordou. Chegaram clientes e eu fui atendê-los. Anotamos os pedidos e Kim se encarregou de preparar tudo. No final do expediente, Kim me chamou para irmos a um barzinho. Eu precisava me distrair. Na quarta rodada de tequila, ela disse: __“Você disse que faria qualquer coisa para salvar sua irmã, não é?” __“Sim, Kim, qualquer coisa”, respondi, sem pensar muito. __“Você continua virgem, não é?” Revirei os olhos. Era óbvio. __“Você sabe que sim. Não tenho tempo para namoricos. Tenho um pai bêbado em casa que não faz nada e uma irmã para cuidar. Mas por que essa pergunta?” __“Não me julgue, mas eu sei de um lugar onde você consegue leiloar sua virgindade e ganhar uma boa grana...” Minha risada preencheu o bar. Achei que era piada. __“Isso não é piada, Sofia. É a verdade.” Ela estava séria. Fiquei sem reação. __“Neste caso, você está sugerindo que eu venda minha virgindade para um estranho?” __“Você consegue ver outra saída?” Levantei, exasperada, encarando-a. __“Que tipo de mulher você pensa que eu sou, Kim?” A umidade grudava na minha pele como um véu pesado. O bar, com sua música alta e risadas forçadas, agora parecia um pesadelo distante. Lá fora, a noite me abraçava com seu frio implacável, um contraste gélido com o calor sufocante da angústia que me consumia. Kim, com sua insistência bem-intencionada, ainda ecoava em meus ouvidos. __pense bem Sofia você vai ganhar um bom dinheiro o suficiente para pagar a cirurgia da sua irmã e as dívidas do seu pai... As palavras eram um chicote, cada sílaba me açoitando com a realidade da minha situação. Um alvo nas costas. Meu pai, um bêbado irresponsável que havia afogado nossas vidas em dívidas com a máfia mais perigosa do país. E minha irmã, , lutando por cada respiração, presa a uma cama de hospital, esperando por uma cirurgia que eu não tinha como pagar. Resignada, eu havia me calado, fitando o chão do bar como se as respostas estivessem escondidas nas rachaduras do assoalho. A proposta de Kim era um golpe baixo, uma ferida aberta em minha dignidade. Trocar minha inocência, minha primeira vez, por um punhado de dinheiro... a ideia me enchia de nojo. __ "Em troca, tenho que dormir com algum velho...", eu havia murmurado, a voz quase inaudível. __"Nem sempre são velhos...", Kim havia respondido, tentando suavizar a brutalidade da situação. "E cá entre nós, no seu caso, seria preferível um velho, já que é sua primeira vez..." A ironia pungente de suas palavras me atingiu como um soco no estômago. Preferível um velho? Aquele comentário, apesar da intenção de me confortar, só aumentou minha náusea. Me levantei exasperada, a cadeira rangendo sob o peso do meu corpo. A saída do bar parecia um portal para um inferno ainda pior do que aquele em que eu me encontrava. Queria me afastar de Kim, de sua insistência bem-intencionada, de sua tentativa de me oferecer uma solução tão degradante. Mas suas palavras, cruéis e realistas, martelavam na minha mente como um martelo implacável: Se eu vendesse minha virgindade, a minha vida e a da minha irmã poderiam voltar ao normal. Cheguei em casa e a ausência do meu pai, embora habitual, me atingiu com uma força diferente. A sensação de vazio era opressora. Fui direto ao quarto de mavie , encontrando-a desmaiada no chão, pálida e fria. Enquanto ligava para Samuel tomei uma decisão: venderia minha virgindade.