Narrado por Emanuelle Bressanelli
Saí da sala da senhora Elisabeth com os ombros eretos, mas por dentro… eu tremia.
Passei por criados, por retratos nas paredes que me observavam como fantasmas silenciosos, como se zombassem da minha tentativa de resistir. Tudo naquela casa parecia feito para domesticar. Para curvar. Para lembrar quem manda.
Mas eu não fui feita para obedecer.
Atravessei o corredor até meu quarto e fechei a porta com força. O som da madeira pesada batendo ecoou como um grito engolido pela casa. Me joguei na poltrona junto à janela e ali fiquei, vendo o jardim sufocado por muros altos, onde nenhuma flor ousava crescer livre.
Minhas mãos estavam frias. Minha cabeça, em combustão.
Aquela mulher. Aquela matriarca. Ela sabia exatamente onde mirar. Falava com elegância cirúrgica, como quem te serve o veneno numa bandeja de prata. E o pior é que cada palavra dela fazia sentido demais.
Assustadoramente demais.
Meu pai.
Era isso que ela disse.
Fechei os olhos, tentando recordar a última vez que vi meu pai antes do acidente. Sua voz, seu cheiro, suas promessas de que eu sempre teria escolha. Era isso que ele dizia. “Você vai ser livre, minha pequena. Livre para ser o que quiser.”
Mas talvez… até ele estivesse preso.
Levantei-me, inquieta. Peguei uma caixa antiga na minha mala — um pequeno cofre de recordações que levei comigo em todas as casas onde morei. Fotos, uma fita vermelha, um bilhete da minha mãe escrito às pressas.
"A verdade está nas entrelinhas, Manu. Sempre esteve. Nunca aceite silêncio como resposta."
Meus dedos tremeram ao tocar aquelas palavras. Minha mãe sabia.
Talvez ela tenha tentado impedir.
Passei o resto do dia trancada, sem fome, sem sono. Não sabia se queria gritar, chorar ou incendiar tudo.
Quando anoiteceu, saí do quarto em silêncio. Caminhei descalça pelos corredores escuros da mansão. A lua entrava pelas frestas da janela como olhos curiosos, e o vento fazia as cortinas se moverem como espectros de um passado que nunca foi meu — mas que agora caía sobre meus ombros como um manto encharcado.
No hall, ouvi vozes. Baixas. Firmes.
— Ela tem sangue, sim, mas não tem visão. É orgulhosa demais.
Valentin.
— Justamente por isso, ela é perfeita. Porque vai lutar. Vai resistir. Vai fazer o que Samuel não teve coragem de fazer.
Elisabeth.
Encostei na parede, escondida na sombra. Eles falavam de mim como se eu fosse uma equação. Um ingrediente. Um animal raro a ser domesticado.
— O casamento precisa acontecer antes do fim do ano fiscal. Ou perdemos o controle das ações herdadas da Bressanelli Holdings. — disse Valentin.
— Samuel sabe disso. Ele não vai fugir. — afirmou Elisabeth. — No fundo, ele sempre soube do lugar dele. Desde criança, nós o preparamos. Agora é ela quem precisa entender o dela.
"Entender o dela".
Voltei para meu quarto, a respiração acelerada, o peito fervendo.
Talvez eles pensassem que estavam lidando com a mesma menina que vestiram de luto e mandaram para longe.
Quem voltou agora carrega dentes, memória e sede.
Deitei na cama sem fechar os olhos. Dormir seria ceder. Descansar, um luxo.
Mas uma certeza queimava dentro de mim como lâmina afiada:
Eles acham que sou a última peça do tabuleiro.
Mal sabem que sou a bomba escondida embaixo dele.