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Capítulo 5 — A Voz da Serpente

Narrado por Emanuelle Bressanelli

A mansão Montes parecia feita para engolir quem ousasse andar de cabeça erguida por seus corredores. A arquitetura gritava poder, mas escondia rachaduras — não nas paredes, mas nas histórias.

Na semana seguinte à minha chegada, fui avisada de que a matriarca queria me ver.
Elisabeth Montes.

A mulher por trás da sombra de Valentin. A verdadeira donzela de ferro dessa linhagem podre de rica e podre de alma.

Segui o criado por um corredor silencioso, com paredes cheias de retratos de homens que pareciam sempre à beira de uma guerra — todos usando o mesmo olhar de superioridade. E no fim do corredor, duas portas duplas de madeira maciça se abriram para uma sala ampla, forrada de livros antigos e vasos de porcelana que pareciam mais ameaçadores do que delicados.

Ela estava sentada em uma poltrona de veludo vinho, com as pernas cruzadas e um lenço de seda no pescoço, como se fosse realeza. Os cabelos brancos impecavelmente presos em um coque e as unhas pintadas de um vermelho-escuro que lembrava sangue seco.

— Então... — disse ela, sem se levantar. — A órfã decidiu enfim cruzar o portão da casa dos Montes.

Fiquei imóvel por um instante. O tom dela não era debochado, nem agressivo. Era pior.
Era frio. Cirúrgico.

— E a matriarca decidiu, após anos, lembrar que eu existo. — retruquei com calma.

Um leve sorriso curvou os lábios dela. Não era de afeição.

— Você cresceu com coragem, Emanuelle. Isso não te foi ensinado pelos Bressanelli.

Aquela frase abriu uma memória como um golpe na nuca.

Aquela mulher...

Na sala da nossa casa, quando eu era criança. De vestido cinza e perfume forte.

Conversando com meus pais.

E depois, no velório deles, de luto impecável, discutindo em voz baixa com Regina no canto da capela.

— Você... — minha voz saiu tensa. — Você esteve na minha casa. Algumas vezes. Quando meus pais ainda viviam.

Ela assentiu lentamente.

— Estive. E estive também quando os enterramos. Enquanto Regina rasgava os testamentos e assinava papéis com a pressa de quem queria apagar o passado antes que o caixão tocasse o fundo da terra.

Minha garganta secou. Algo em mim sabia, desde sempre, que havia mais por trás daquela tragédia. Que a ruína dos Bressanelli tinha sido orquestrada.

E agora, ali, a mulher que sempre esteve nas sombras começava a contar a história.

— Regina... — sussurrei.

— Regina tentou destruir o legado do seu pai, menina. Ela vendeu imóveis a preços simbólicos, transferiu ações para empresas de fachada, retirou dinheiro de contas estrangeiras. Tentou extinguir os rastros da fortuna Bressanelli como quem apaga um nome de lápide.

— E meu pai deixou isso acontecer?

— Seu pai confiava demais. E amava demais. — A senhora Elisabeth sorriu com pena. — Mas Valentin não. Valentin viu tudo. E agiu. Antes que ela pudesse completar o golpe, ele congelou os bens, assumiu as dívidas com bancos e transformou sua herança em uma pedra intocável.

— Pedra que só será liberada... — completei, amarga —... se eu me casar com o filho dele.

Ela assentiu.

— Exatamente. Está tudo legalizado, registrado. Sua herança está segura. Mas inacessível. Até que o pacto seja selado como foi combinado.

Engoli em seco.

— Eu não sou uma moeda. Eu não sou um preço.

— Claro que não, querida. — Ela se inclinou para frente, olhos cravados nos meus. — Você é o laço final entre duas dinastias. A última peça do tabuleiro que impediu uma guerra empresarial. A promessa de que os Montes e os Bressanelli nunca mais se destruiriam.

— Promessa feita por quem?

— Por homens que morreram protegendo esse acordo. Seu pai. O meu. E até mesmo Dante, que assinou o contrato antes mesmo que Ester soubesse que estava grávida.

Senti meu corpo gelar.

— O quê?

Ela se recostou na poltrona como quem acaba de lançar uma sentença.

— O casamento entre você e Samuel foi selado quando ele tinha cinco anos. Quando sua mãe ainda não sabia que estava grávida de você. O testamento de Dante e o contrato assinado por ele e Valentin estão no cofre. Tudo registrado. E Samuel... — ela sorriu com suavidade venenosa — ... Samuel sempre soube do lugar dele nessa história.

Senti raiva. Um nó amargo subindo pela garganta.

— E ninguém nunca me contou. Ninguém me perguntou. Ninguém sequer cogitou se eu... se nós queríamos isso.

— Querida, você foi protegida da verdade. Criada fora das teias, longe da imprensa, longe dos jogos. Achávamos que seria melhor assim.

— Melhor para quem?

Ela se levantou. Devagar. Como uma rainha que não precisa pressa. E caminhou até mim, parando a poucos centímetros do meu rosto.

— Você pode odiar. Pode gritar. Pode tentar fugir. Mas essa é a sua história, Emanuelle. E como toda mulher inteligente, um dia você vai entender que certas guerras são vencidas com o nome certo. Não com a fuga.

Meus olhos arderam. Mas eu não baixei a cabeça.

— E talvez um dia você entenda que certas alianças são prisões.

Ela sorriu como quem sabe mais do que diz.

— Talvez. Mas o que você fará com essas correntes... isso só o tempo dirá.

Dei um passo para trás, sentindo o mundo rodar ao meu redor.

— Então me preparem. Porque eu não vim para vestir o véu. Eu vim para quebrar a corrente.

E antes que ela pudesse responder, virei-me e saí.

Mas mesmo após sair daquela sala, carreguei a sensação de que as palavras dela ainda me seguiam, como serpentes sussurrando em volta do meu pescoço.

O nome Bressanelli ainda vivia em mim.

Mas agora, o nome Montes começava a arder como um aviso.

E eu não ia me ajoelhar diante de nenhum dos dois.

 

Saí da sala da senhora Elisabeth com os ombros eretos, mas por dentro… eu tremia.

Passei por criados, por retratos nas paredes que me observavam como fantasmas silenciosos, como se zombassem da minha tentativa de resistir. Tudo naquela casa parecia feito para domesticar. Para curvar. Para lembrar quem manda.

Mas eu não fui feita para obedecer.

Atravessei o corredor até meu quarto e fechei a porta com força. O som da madeira pesada batendo ecoou como um grito engolido pela casa. Me joguei na poltrona junto à janela e ali fiquei, vendo o jardim sufocado por muros altos, onde nenhuma flor ousava crescer livre.

Minhas mãos estavam frias. Minha cabeça, em combustão.

Aquela mulher. Aquela matriarca. Ela sabia exatamente onde mirar. Falava com elegância cirúrgica, como quem te serve o veneno numa bandeja de prata. E o pior é que cada palavra dela fazia sentido demais.
Assustadoramente demais.

Meu pai.

Dante Bressanelli.

Ele tinha assinado aquele contrato? Antes mesmo de saber que minha mãe estava grávida?

Era isso que ela disse.

E não parecia estar mentindo.

Fechei os olhos, tentando recordar a última vez que vi meu pai antes do acidente. Sua voz, seu cheiro, suas promessas de que eu sempre teria escolha. Era isso que ele dizia. “Você vai ser livre, minha pequena. Livre para ser o que quiser.”

Mas talvez… até ele estivesse preso.

Levantei-me, inquieta. Peguei uma caixa antiga na minha mala — um pequeno cofre de recordações que levei comigo em todas as casas onde morei. Fotos, uma fita vermelha, um bilhete da minha mãe escrito às pressas.

"A verdade está nas entrelinhas, Manu. Sempre esteve. Nunca aceite silêncio como resposta."

Meus dedos tremeram ao tocar aquelas palavras. Minha mãe sabia.

Ou suspeitava.

E mesmo assim… deixou o destino me engolir?

Talvez ela tenha tentado impedir.

Talvez Regina tenha calado ela.

Talvez... nada disso importe mais.

Passei o resto do dia trancada, sem fome, sem sono. Não sabia se queria gritar, chorar ou incendiar tudo.

Mas sabia que não podia ficar parada.

Eu não era uma criança mais.

E mesmo que me jogassem nesse jogo como uma peça, eu aprenderia a virar jogadora.

Quando anoiteceu, saí do quarto em silêncio. Caminhei descalça pelos corredores escuros da mansão. A lua entrava pelas frestas da janela como olhos curiosos, e o vento fazia as cortinas se moverem como espectros de um passado que nunca foi meu — mas que agora caía sobre meus ombros como um manto encharcado.

No hall, ouvi vozes. Baixas. Firmes.

— Ela tem sangue, sim, mas não tem visão. É orgulhosa demais.

Valentin.

— Justamente por isso, ela é perfeita. Porque vai lutar. Vai resistir. Vai fazer o que Samuel não teve coragem de fazer.

Elisabeth.

Encostei na parede, escondida na sombra. Eles falavam de mim como se eu fosse uma equação. Um ingrediente. Um animal raro a ser domesticado.

— O casamento precisa acontecer antes do fim do ano fiscal. Ou perdemos o controle das ações herdadas da Bressanelli Holdings. — disse Valentin.

— Samuel sabe disso. Ele não vai fugir. — afirmou Elisabeth. — No fundo, ele sempre soube do lugar dele. Desde criança, nós o preparamos. Agora é ela quem precisa entender o dela.

"Entender o dela".

Como se eu fosse um objeto que ainda não leu o manual.

Voltei para meu quarto, a respiração acelerada, o peito fervendo.

Talvez eles pensassem que estavam lidando com a mesma menina que vestiram de luto e mandaram para longe.

Mas essa menina morreu com os pais.

Quem voltou agora carrega dentes, memória e sede.

Deitei na cama sem fechar os olhos. Dormir seria ceder. Descansar, um luxo.

E eu ainda tinha perguntas demais.

Mas uma certeza queimava dentro de mim como lâmina afiada:

Eles acham que sou a última peça do tabuleiro.

Mal sabem que sou a bomba escondida embaixo dele.

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