Capítulo 2. Vida

A anciã voltou ao banheiro e ajudou Lia a se secar. Observou todas as feridas e mordidas que lhe foram infringidas e lágrimas encheram seus olhos. O corpo da fêmea ainda não conhecia o sexo e não passara pela transformação, para suportar tudo aquilo. Era magrinha e franzina, seus seios eram dois montinhos miúdos e seu rosto, suave como o de uma criança.

— Venha, minha querida, vou te ajudar. — estendeu a toalha, para que ela saísse da água vermelha de sangue.

Depois de secá-la, vestiu-lhe um robe e levou-a para sua suíte, deitou-a na cama e começou a tratar de suas feridas. Deu-lhe um chá calmante e um comprimido analgésico e deixou-a dormir.

Saiu do quarto e convocou todos os líderes, mestres e guardiões, comunicou o afastamento de Natanael e que a partir daquele dia, ele seria “persona non grata”, naquela instituição.

Todos ficaram espantados com a ordem inusitada, mas não surpresos. Já não era sem tempo aquela decisão, não aguentavam mais os desmandos daquele torturador de crianças, sem que nada fosse feito para pará-lo.

Do lado de fora do casarão, saindo pelo portão, Natanael virou-se para olhar, pela última vez, o lugar onde cresceu. Sua missão naquele lugar estava cumprida e ele esperava que fosse o suficiente para tornar aquela menininha doce em uma guerreira forte, capaz de resistir a tudo e a todos. 

Precisava que ela fosse forte e resistente, pois dias muito difíceis estavam para chegar.

Despediu-se com um sorriso de lado, olhando a imagem da fêmea que olhava para ele pela janela, e sumiu para nunca mais voltar, até que cumprisse seu destino e pagasse uma certa conta.

*

Quatro anos depois 

A jovem estava parada em frente ao colégio, observando a fachada e os alunos entrando. Um porteiro vigiava tudo e o alvoroço era grande, por ser o último dia de aula. Ela esperou por seus colegas de classe, George, Lucy e Megan.

Lembrou-se do primeiro dia em que chegou ali, toda contrita, com receio por estar em uma escola nova e totalmente diferente do antigo instituto. Lembrou de subir aquelas mesmas escadas e logo no corredor dos armários, um aluno barrar a sua passagem, olhar em seus olhos e comentar com ironia:

— Olha só, mais uma nerd careta para enfeiar a escola?

Ela não teve dúvidas, prometeu a si mesma que, nunca mais, iriam tratá-la como uma qualquer e fechando o punho, acertou com força o rosto do menino, que voou longe.

Rapidamente, ela saiu dali e dirigiu-se à recepção para saber onde era sua sala. O menino nunca mais mexeu com ela e a história foi comentada a boca miúda, pois o tal aluno era do time de futebol e um dos mais assediados pelas meninas. Seu nariz quebrado, mostrou que não deviam mexer com quem não conheciam.

Este fato aconteceu há três anos e ela estava atrasada um ano na escola, mas finalmente se formaria. Sua vida não era fácil, sua família a rejeitou quando soube do corrido e precisou arrumar um emprego para custear suas necessidades, da melhor forma possível.

Seus colegas chegaram, ela saiu de seus devaneios e entraram. Assim que a última aula terminou, os alunos fizeram uma bagunça de confraternização, trocaram endereço e contatos. Alguns transformaram a blusa do uniforme em porta autógrafos e saíram do colégio, todos rabiscados.

Lia não podia se dar a esse luxo, pois saiu direto para a mercearia onde trabalhava. Aquele emprego foi a sua grande oportunidade, pois com dezesseis anos e um bebê para cuidar, quem a empregaria? Além disso, ela alugou uma quitinete na vizinhança, que pagava com a pensão que recebia pelo bebê.

— Boa tarde, Jimmy, o seu Nestor já chegou? — perguntou ao vigia.

— Ainda não, Lia. Mas você está adiantada, não quer almoçar primeiro? — respondeu Jimmy, sabendo que ela veio da escola.

— Sim, vou dar um pulo em casa e já volto.

Foi rapidamente para casa, entrou e trocou o uniforme pela roupa de trabalho. Comeu um sanduíche e saiu. Seu filho estava com três anos, quase quatro e ficava em uma creche até às seis da tarde e uma babá ficava com ele até às oito da noite, quando terminava seu turno.

Sua vida mudou drasticamente desde que descobriu que estava grávida. A única pessoa que sabia o que ela passou, foi a mesma que, para proteger a instituição, a expulsou. A anciã Meridian.

A Alcateia a qual pertencia, não aceitou uma adolescente grávida sem estar acasalada e sem ter se transformado. Seu pai, acatando a opinião dos outros, a expulsou de casa e o Alfa a expulsou da Alcateia.

Completou 20 anos, mas ainda não teve sua transformação. Seu pai era o Beta e sua mãe era a bruxa curandeira, da Alcateia e por isso, aos seis anos, tinha sido enviada para o instituto, onde estudou até os 16.

Aprendeu muita coisa no Instituto, mas seus poderes só seriam liberados quando sua loba saísse e nem sinal dela.

A cidade onde se instalou, era próxima a rodovia interestadual e muitos viajantes paravam para abastecer, descansar e comer, foi assim que entraram dois clientes no mercadinho, naquela tarde.

— Jane, pegue a comida que eu pego as bebidas.

— Não pegue nada alcoólico, heim Josué, estamos dirigindo.

Lia estava em seu lugar, no caixa e ao ouvir aquele nome, seu coração palpitou pela lembrança do colega que sempre a alertou e protegeu, no instituto.

A jovem de nome Jane, colocou as compras na esteira e Lia começou a registrar, Josué chegou logo a seguir com um engradado de água e alguns refrigerantes. Quando ele foi pagar, olhou para o rosto da caixa e parou com o dinheiro no ar.

— Lia? É você? — Ele a reconheceu.

— Oi, Josué, sou eu sim, como vai? — respondeu ela, pegando o dinheiro.

— Vou bem, mas e você, o que faz nessa cidade? Sua casa não era no sul? — Ele queria perguntar muitas coisas, mas o lugar não permitia.

— Eu moro aqui, agora, toma aqui o seu troco. Foi um prazer revê-los, boa viagem. — Dispensou-os, pois tinham clientes esperando para serem atendidos.

— Foi um prazer, também, tchau. — Despediu-se ele.

Josué saiu inconformado, olhou para sua irmã e perguntou:

— Você lembra dela?

— Não é aquela menina que ficou grávida no instituto? — perguntou Jane, lembrando da maledicência que ocorreu, na época, por todo o colégio e que gerou a expulsão dela.

— Sim. Eu avisei tanto a ela sobre aquele traste do mestre Natanael e no final, a única prejudicada foi ela. Nunca mais tive notícias e eu gostava tanto dela. 

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