Olhei para Irma e uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto. O nó que eu carregava no peito desde o dia em que entrei naquele casarão finalmente apertava mais forte.
O que mais me atormentava estava prestes a começar: hoje iriam me leiloar, colocar meu corpo à venda para aqueles ricos arrogantes que se acham donos do mundo e só sabem diminuir o valor dos outros.
A tristeza me envolveu como um manto pesado, mas logo precisei disfarçar.
Era o meu dever, desde o princípio eu sabia que esse dia chegaria.
Já não era dor aguda, era um incômodo persistente, como um calo que nunca cicatriza. Respirei fundo, assenti e, quase sem forças, virei-me. Tirei as roupas devagar, sentindo o frio na pele e o peso da decisão. Depois me vesti com o que haviam preparado para mim, como se fosse apenas uma boneca arrumada para ser exibida.
— Você está bem com isso? — Irma perguntou, com um tom surpreendentemente suave. — Se não, podemos deixar para amanhã.
— Não. Melhor terminar logo com isso. — Minha voz saiu baixa, mas firme.
— M.G? — Irma me chamou, piscando o olho esquerdo e arqueando os lábios de um jeito quase cúmplice.
— Quantas fotos?
— Umas vinte e cinco, pelo menos.
— Ah, tá… — murmurei, resignada.
E então começou.
Posei, sorri sem vontade, virei o rosto, encostei a mão no quadril, deitei, levantei. Várias vezes me peguei engolindo seco, porque Duca me devorava com os olhos, sem sequer disfarçar.
Seu olhar me feria, queimava minha pele como se me despisse ainda mais do que já estava.
Quando finalmente terminamos a sequência, selecionei as fotos junto com eles. Agora só faltava me colocarem naquele sistema nojento e rodarem minha imagem pelo site, como mercadoria em prateleira.
— Tá com fome? — Irma perguntou, quebrando o silêncio.
— Hm… Comeria um planeta inteiro! — respondi, tentando aliviar o peso do momento.
— Vamos, te levo num lugar gostoso. Vai adorar.
Irma ergueu-se com elegância, estendeu o braço flexionado para que eu segurasse, e eu aceitei. Havia algo de reconfortante em seus gestos, mesmo quando eram duros.
Seguimos para um lugar afastado do casarão. Assim que entramos, uma das mulheres nos conduziu até uma sala reservada. Era só eu e ela ali, frente a frente.
— O que sabe sobre etiqueta? — ela perguntou de repente.
— O quê? — franzi o cenho, confusa.
— Não é tão difícil de responder. Hoje você vai começar com as aulas, tá? Vai ficar de servente por duas semanas. Assim aprende onde usar cada copo, como organizar a mesa e até como diferenciar garfos de colheres.
— Mas… — abri a boca para protestar.
— Eu sei o que quer perguntar: “onde vou usar isso tudo?”. Escuta, a mulher precisa ter um pouco de tudo. E se for ávida de conhecimento, melhor ainda. Preciso que vocês dominem a elegância e a inteligência. Quero que sejam as melhores em tudo.
Suspirei, sem saber se ria ou chorava.
— Nossa! Tá parecendo até minha mãe…
Irma riu, quase se engasgando com a água cristalina servida em sua taça. Quanta sofisticação, meu Deus. Em que ela queria me transformar? Em Cinderela?
As duas semanas seguintes foram intensas. Etiqueta, postura, maquiagem, moda, dança. Cada detalhe parecia moldar uma nova versão de mim.
Seis meses depois, ao me olhar no espelho, às vezes eu já não reconhecia aquela garota que encarava meu reflexo.
Uma mistura de orgulho e medo me consumia.
Durante esse tempo, Irma me garantiu que Rafael estava sendo bem tratado, talvez até melhor do que eu. Isso me confortou profundamente. Ele merecia essa fase boa, merecia ser cuidado com carinho. Eu só pedia a Deus que estivesse se adaptando, que não se sentisse sozinho.
Hoje era o último dia fora. Precisava voltar ao casarão, e tinha certeza de que a partir de agora tudo mudaria.
— Não vai descer? — Irma perguntou baixinho, aproximando-se. Passou um dos meus cachos para trás da orelha com delicadeza antes de se afastar.
Apenas assenti. Desci do carro e minhas pernas quase fraquejaram. Senti dezenas de olhares em minha direção, me despindo e me analisando como se eu fosse um espetáculo.
O coração bateu acelerado, a garganta secou. O que estava acontecendo?
Fiquei alguns segundos paralisada, sem saber como reagir, até que Atina surgiu. Ela sorriu, aproximou-se e me puxou pela mão.
— Garota, você tá exalando sensualidade e glamour…
— O quê? Eu? — soltei uma risada nervosa.
Atina riu junto, e logo estávamos conversando, como velhas amigas que se reencontram. Entre sussurros, ouvi comentários ao redor. Estavam dizendo que eu era a preferida da Irma.
Por dentro, estremeci. Não sabia se isso era um presente ou uma maldição.