CAPÍTULO 3

— Bom dia, mundo. Bom dia, Deus. Bom dia, Sol. Bom dia, pássaro — digo fervorosamente enquanto estou encostada na janela do meu quarto.

Ontem minha tarde foi terrível. A reunião com o Sr. Gadelha me frustrou. O homem ficou bravo, disse que, se não entregássemos a casa em dez dias, iria nos processar.

Saindo de lá, me dirigi diretamente para a empresa e repassei tudo ao meu pai. Ele disse que iria mandar agilizar tudo. Com a ameaça de processo, sei que agora vai. Homem sem compromisso.

— Eita que é problema, viu.

Hoje é terça-feira e também é meu dia de folga. Penso em aproveitar de uma forma diferente, mas não tenho amigas e não gosto de sair sozinha, então não sei o que fazer.

Quero ligar para a minha tia Solange, mas sei que hoje também é folga do meu primo Diego. Ele é o filho dela, e sei que devem estar juntos agora. Não quero atrapalhar.

Por fim, decido ir ao mercado. Preciso comprar produtos de higiene e cosméticos.

Depois de arrumada e pronta, desço as escadas e dou de cara com a minha mãe. Ela arregala os olhos, como se estivesse me esperando para contar algo.

— Filha, marquei uma consulta para você — diz, piscando os olhos, esperando pela minha pergunta.

— Consulta, é? — A última consulta que ela marcou para mim já faz vários anos, quando menstruei pela primeira vez. Desde então, sempre fui eu mesma quem marcou.

Ela balança a cabeça em concordância, com um pequeno sorriso nos lábios.

— Sabe, um novo ano está chegando e, junto com isso, vem também uma nova fase.

Estranho. Muito estranho.

Acho estranho não só a consulta, mas a forma de falar. O jeito suave, o olhar de conforto e o sorriso de quem está escondendo algo.

— Hum, bem... — ela esfrega as mãos na calça antes de juntá-las e prosseguir. — Marquei um endocrinologista para você.

Não falo nada. Quero ouvir logo o que ela tem a dizer.

— Sei que você trabalha muito, filha. Percebi também que sua alimentação está ficando ainda mais de lado. Tem comido besteiras fora de casa e em horários fora de ordem.

Isso seria preocupação?

— Você não é mais uma adolescente, já é uma mulher. Deve saber se manter em forma e com o visual em dia.

Me enganei.

— Vou marcar com um médico endocrinologista para você começar a tomar Mounjaro. Sua irmã tem visto na internet várias celebridades usando e emagrecendo com o medicamento. Ela quis me mostrar — diz, pegando o celular e me mostrando vários exemplos de mulheres, antes e depois.

Sinto calafrios. Uma raiva que só vai se acumulando dentro de mim. Eu me sinto bem comigo mesma. Não quero emagrecer através de um medicamento.

— Eu...

— Não é caro, e rapidinho você fica maravilhosa — interrompe, desligando o celular e se virando novamente para mim.

— Quando sua irmã retornar, ela vai com você. Não se preocupa, sei que a ansiedade é terrível — dá dois tapinhas no meu ombro e desaparece pelas escadas.

Vacas. É só isso que tenho vontade de dizer. Me perdoa, Deus.

Se for para emagrecer, vai ser no meu tempo e, de preferência, de forma natural. Decido ignorar e seguir com o meu dia.

Ainda com a faísca da raiva ardendo dentro de mim, saio de casa e vou andando até o mercado, que fica a quatro quadras daqui. Como vou pegar poucos itens, não será necessário gastar com carro.

Minha família tem condições, mas meu pai e minha mãe sempre deixaram claro para mim e para Milena que temos que conquistar nosso próprio dinheiro. Assim tem sido e assim será até termos nossa herança. Mas só eu vivo de forma mais humilde.

Fomos criadas de formas diferentes, então agimos de formas diferentes. Quando Milena quer algo, ela pede e ganha, independentemente de salário ou trabalho. Eu posso pedir, mas não gosto de pedir, então não ganho. Me sinto humilhada ao fazer isso, sinto o desprezo — e isso não vem de hoje. Nunca me deram abertura para tal, então não gosto de incomodar.

Abro o aplicativo do meu banco. Tenho pouco mais de vinte mil reais guardados na conta. Como moro com meus pais, não gasto com o básico de uma moradia, apenas com higiene e vestimentas, então aproveito para juntar dinheiro. No futuro, posso precisar.

Entro no mercado e sigo para o setor desejado, fazendo uma lista mental.

— Absorventes, sabonete líquido, sabonete íntimo, pasta de dente...

Até que esbarro em alguém sem querer. Uma cesta de compras cai no chão, e um monte de cebolas sai rolando por debaixo das prateleiras.

— Ai, me desculpa! Eu estava distraída, não vi.

Levanto o olhar com calma, me corroendo de vergonha por dentro. Pelos calçados, percebo que a pessoa a qual esbarrei é um homem.

Vixi, meu Deus.

Vou subindo o olhar devagar: primeiro as pernas, depois o tronco e, por fim, o rosto.

O homem está com o rosto emburrado e os braços pendendo ao lado do corpo, como se ainda estivesse processando o que aconteceu.

— Me desculpa, s-se... senhor. Se quiser, p-posso te ajudar a recolher — digo de forma idiota, pois vi que a maioria das verduras foi parar debaixo das prateleiras, onde só conseguiríamos pegar enfiando um cabo de vassoura.

O homem bonito — digo, o homem — apenas bufa, pegando a cesta do chão. Ele me olha com uma expressão de "olha por onde anda".

— Não precisa.

Frio. Completamente frio.

Ele me lança um olhar escorregadio de puro desprezo e volta para o setor de verduras.

Após selecionar e comprar tudo o que eu precisava, retorno para casa. Quando chego, tomo um banho e volto a trabalhar pelo notebook.

No fim das contas, só me resta mesmo ocupar a cabeça com o trabalho. Eu me sinto bem comigo mesma, mas não me sinto suficiente. O lugar em que me encontro e me distraio é aqui, dentro desses arquivos cheios de números e palavras complexas.

Ao fim do dia, faço minha oração e peço que o dia de amanhã seja melhor que o de hoje.

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