ISABELLA
Cada centímetro do meu corpo doía. Mesmo exausta não consegui dormir direito, os calos no meu pé não pararam de doer e agora estão em carne viva.Ao menos o dinheiro que recebi pelo trabalho vai dar para conseguir comprar comida e guardar um pouco.Olho para a cama de Tomas que dorme um sono pesado. Ainda são sete da manhã, e não tenho força alguma para me levantar da cama.Pego meu celular e tento ligar para o meu pai, mas vai direto para a caixa postal.— Onde você se meteu papai?Mesmo sem força, me obrigo a levantar. Preciso comprar ovos, pão e leite, pois não tem nada para o café da manhã.Lavo o rosto, escovo os dentes e passo antisséptico nos calos. Procuro por um curativo, mas não encontro nenhum.A cada passo que dou sinto vontade chorar.Visto um conjunto de moletom surrado, pego minha bolsa, e tento andar o mais rápido que posso para sair e voltar antes que Tomas acorde.Assim que passo pela porta e atravesso o jardim tenho uma infeliz surpresa. Ben escorando na sua viatura, que dá um sorriso de orelha a orelha ao me ver.Ai meu Deus agora não!Ele vem sorrindo ao meu encontro.— Bom dia Bella! — E se eu correr e bater com a porta na cara dele?— Bom dia Benjamin! — cruzo os braços— Benjamin? Você nunca me chama assim —— É o seu nome horas — dou um sorriso amarelo.— Sobre aquele dia... — seu rosto fica vermelho.Respiro fundo.— É eu estava falando sério, eu gosto de você — seu tom de voz e calmo e aveludado.Era para Eden que ele tinha que estar dizendo algo assim, pois ela sim saberia correspondê-lo.— Ben, a gente pode esquecer esse assunto. Você é como um irmão para mim! — afirmo.Ele passa a mãos pelos cabelos deixando os desalinhados.— Eu posso cuidar de você. Dos seus irmãos — diz em tom de súplica.— Eu não preciso que cuide de mim, e muito menos dos meus irmãos. Eu sei me cuidar sozinha Ben — a irritação na minha voz é nítida.Eu não preciso que ele cuide de mim. Sei me virar desde que minha mãe partiu.— Bella, nós podemos ser felizes juntos — tenta segurar minha mão mas o impeço dando um passo para trás.— Não Ben, nós somos amigos. Nada além disso. Pare de insistir, você é um cara legal, merece alguém que goste de você — ele abaixa a cabeça visivelmente decepcionado.Eu também estou decepcionada, não esperava que ele pudesse gostar de mim desse jeito.— Por que é tão difícil gostar de mim Bella? — pergunta— Mas eu gosto de você, mas não dá maneira que você gostaria — digo com pesar.— A gente podia tentar — insiste.Nem se ele fosse o último homem da face da terra. E não, não estou falando da boca para fora. Um Eden é apaixonada por ele, dois eu não consigo ver ele de outra forma, eu jamais me envolveria com alguém que não sinto nada além de amor fraterno e quatro Tomas não gosta dele.Sim, meu irmão nunca gostou do Ben, e olha que ele já tentou de todas as maneiras agradá-lo— Não Ben, eu não sinto nada por você, não te vejo da maneira que você gostaria — suspiro — Talvez seja melhor a gente se afastar.Difícil já que somos vizinhos.— NÃO! — grita, dou um pulinho assustada — Quer dizer, não precisamos nos afastar. Eu não vou mais tocar nesse assunto — força um sorriso.— Devia olhar ao redor, tem garotas muito mais interessantes que eu por ai — não iria falar sobre Eden mas não custava nada dar um toque né.— Vou manter viva a esperança de conquistar seu coração — dá uma piscadinha.— Eu tenho que ir, preciso comprar algumas coisas — falo passando por ele.Melhor eu continuar fugindo dele, corro menos risco de ter passar por essas situações embaraçosas mais uma vez.— Você que uma carona? Eu levo você!— Com o carro da polícia? — rio, apontando para a viatura — Acho que não.Ele não responde.— A gente fala depois — faço um tchauzinho e mesmo com muita dor nos pés, ando o mais rápido que posso.— Eu ainda tenho esperança! — ele grita.Bufo, e jogo caminhando. A cada passo que dou sinto vontade de gritar de dor, e para completar o meu estômago começou a roncar. Pelo menos a loja de conveniência é perto.Às vezes eu só queria que as coisas fossem um pouquinho mais fáceis e eu tivesse a vida um pouquinho mais normal.Já não bastava o que tinha acontecido ontem?Não contei para Silvie e Eden o que presenciei, conhecendo elas isso seria motivo de piada para o resto da minha existência miserável.Minha mente insiste em trazer de volta aqueles olhos sombrios, me fazendo sentir calafrios.***Volto do mercado e não vejo a viatura de Ben, quase comemoro fazendo uma dancinha feliz. Consegui comprar o que precisava.Iria preparar o café, colocar curativos nos calos e tentar desenhar um pouco.Ao me aproximar da porta ouço alguns barulhos e me apresso em abrir, já esperando por um Tomas chateado por não me encontrar ao acordar. Mas dou de cara com meu pai.Ele me olha assustado, a sala está uma bagunça, parecendo que um furacão passou por ela.Os cabelos desalinhados, a roupa suja e o cheiro horrível, deixa evidente que meu pai tinha perdido o emprego. E agora estava procurando dinheiro para continuar bebendo ou jogando.Um nó gigante se forma em minha garganta.— Papai! Onde esteve? O que é tudo isso? — coloco os sacos com as compras no chão.— Eu fiz uma loucura filha, uma loucura. Mas eu vou consertar — tom de voz desesperado.Ele tira mais uma gaveta do aparador velho e começa revira-la. Sua respiração está ofegante e o seu rosto não tem cor alguma.— Papai! — tento me aproximar, mas ele se afasta.— Eu só preciso de dinheiro para apostar, eu vou recuperar tudo. Eu vou recuperar tudo.Sinto a mãozinha de Tomas se agarrar a minha. Olho para ele e meu coração fica em pedaços, seus olhinhos estão assustados e ele agarra o dinossauro de pelúcia com força.— Papai me diga o que está acontecendo por favor!— O que é todo esse barulho? — Emilie diz quase gritando.Mas sua expressão de raiva muda para assustada ao ver o estado do nosso pai.— Querido porque você não mostra o quebra cabeça novo para Emilie?Ele não responde.Olho para Emilie em um pedido de socorro.— Vem comigo pirralho. Deixo você ver desenho meu celular — puxa Tomas que não resiste.Espero eles saírem, e tento me aproximar do meu pai. O cheiro da bebida faz meu estômago embrulhar.Seguro os seus ombros, fazendo o parar e me encarar.— Eu fiz uma loucura filha. Ele vai me matar! — a sua voz é embargada e seus olhinhos se enchem de lágrimas.— Do que está falando papai?Um estouro faz eu dar um salto, e sinto que meu coração vai sair pela boca. Olho em direção a porta, a vejo destruída no chão, no mesmo instante em que três homens passam por ela.E sinto meu sangue gelar quando reconhece um deles. Eu reconheceria aqueles olhos assustadores em qualquer lugar do mundo.