Nicolas Santorini
Chegar em casa sempre me proporcionava uma trégua efêmera. Um breve alívio antes da exaustão inevitável. Meu dia, como tantos outros, fora uma maratona de reuniões intermináveis, a frieza dos contratos e o peso das decisões cruciais. Tudo o que ansiava era o silêncio reconfortante do meu lar e a presença de Ethan, mesmo que nossos encontros, desde a partida de Laura, fossem permeados por uma melancolia persistente. Assim que cheguei minha casa estava silenciosa. Normalmente, a essa hora, Ethan jogando ou brincando. Fechei a porta atrás de mim, um pressentimento incômodo se instalando em meu peito. — Ethan? — chamei, a voz ecoando no vazio. O silêncio respondeu. A calma que eu tanto buscava se esvaiu, dando lugar a uma crescente apreensão. Caminhei pela casa e cada passo aumentava a angústia. O quarto de Ethan estava impecável, um péssimo sinal. Meu filho era a personificação da desordem infantil. Inspecionei embaixo da cama, dentro do closet, vasculhei cada canto. Nada. A respiração começou a falhar, o pânico apertando meu coração. Percorri a sala, a cozinha, até mesmo meu escritório, a cada cômodo vazio a ansiedade se intensificando. — Alguém viu o Ethan? — rosnei no interfone, chamando a governanta. Bryana surgiu em segundos, com uma expressão confusa que logo se transformou em apreensão ao ver meu rosto. — Senhor Santorini? O Ethan não estava em seu quarto? — Ele sumiu! — a voz escapou rouca, carregada de pavor. — Como ninguém notou que meu filho não está em casa? Bryana gaguejou uma desculpa sobre estar ocupada na cozinha, mas a verdade era cristalina: a negligência reinava. A sensação de falha me atingiu como um soco no estômago. — Acione a segurança. Quero saber se alguém o viu sair! — ordenei, o sangue fervendo nas veias. Minutos se arrastaram como horas. Um dos seguranças apareceu, o rosto pálido e a voz hesitante. — Senhor Santorini, revisamos as câmeras. Parece que Ethan saiu sozinho pela porta dos fundos durante a entrega das compras. Um frio glacial percorreu meu corpo. Ethan, sozinho, nas ruas da cidade? A imagem me assombrou. Ele era tão pequeno, tão vulnerável. — E ninguém viu? — a raiva transbordava em cada palavra. — Não, senhor. Nós… presumimos que ele estivesse com a babá. Contive um grito de fúria. Desde a morte de Laura, confiar o cuidado de Ethan a alguém era um teste constante para meus nervos, e agora essa confiança se revelava um erro catastrófico. — Quero todos procurando por ele agora! Revistem as ruas, os parques, cada beco, cada esquina! — ordenei, pegando meu casaco e saindo em disparada. Imagens terríveis invadiam minha mente, o medo de perder Ethan estava me corroendo por dentro. Ao chegar na garagem, pulei para dentro do carro e acelerei pelas ruas, a adrenalina pulsando em minhas veias. Varri cada rua, cada praça, interrogando qualquer pessoa que cruzasse meu caminho, buscando desesperadamente por um sinal do meu filho. O desespero me consumia. Não era apenas o medo da perda, mas a culpa avassaladora de tê-lo deixado vulnerável. Quase uma hora depois, o telefone tocou. Era um dos seguranças. — Senhor, encontramos o Ethan. Ele está seguro, com uma mulher, perto da praça principal. Uma onda de alívio me inundou, mas a raiva ainda borbulhava em minhas entranhas. — Chego aí em instantes. — Desliguei rapidamente, sentindo um alívio enorme me percorrer. Acelerei até a praça e, assim que estacionei, meus olhos encontraram Ethan. Ele estava sentado em um banco, de mãos dadas com uma mulher. Ela conversava com ele em um tom calmo e gentil, e Ethan a olhava com uma expressão que eu não via há meses: paz. Aproximei-me, o coração batendo forte. Quando a mulher ergueu o olhar, senti o mundo girar. Por um breve e perturbador instante, vi Laura. O rosto, a postura, até mesmo a maneira como ela olhava para Ethan… a semelhança era assustadora, quase sobrenatural. Um nó se formou em minha garganta, sufocando qualquer palavra. Chamei por Ethan, mas ele resistiu, agarrado à mão da mulher, chamando-a de “mamãe” com uma convicção que me dilacerou. Olhei para a mulher, tentando processar a cena. Não era Laura, é claro, mas a semelhança era perturbadora. Após uma breve e tensa conversa, e a insistência de Ethan em permanecer com a mulher, nos encontramos agora dentro do meu carro. Uma completa estranha ocupava o banco de trás com meu filho, que irradiava felicidade em sua presença. Aquele sorriso era uma tortura para mim. De volta a mansão, pedi que levassem Ethan para o quarto. Troquei algumas palavras frias com a mulher, Jhulietta, que me confrontou com uma ousadia inédita. A ousadia de uma estranha dentro da minha casa, com meu filho. A pergunta martelava em minha mente: “qual o interesse dela em Ethan?” Peguei meu celular e liguei para Bryana. — Bryana, demita a babá imediatamente. Diga a ela que estou sendo generoso em não denunciá-la. — Devo procurar outra babá para o Ethan, senhor? — Por enquanto, não. Uma mulher estará visitando o Ethan e quero que a observe discretamente. — Sim, senhor. Mais alguma coisa? Dispensei-a com um gesto e liguei para Pedro, meu investigador particular. — Pedro, preciso que levante a ficha de uma mulher. Jhulietta Duarte. Quero tudo. — Está interessado em uma nova mulher? — Ele perguntou e soltei uma lufada de ar. Após a breve conversa com Pedro, servi-me uma dose generosa de uísque. Precisava de algo forte para digerir o turbilhão de emoções que me assolava. A semelhança com Laura, a conexão instantânea de Ethan com aquela estranha… tudo aquilo era profundamente perturbador. — Senhor Santorini, Ethan já está dormindo, o senhor quer jantar agora? — Não, dona Bryana! Muito obrigado. Irei trabalhar agora. Esse foi o sinal para que ela se retirasse. Então, dona Bryana pediu licença e se foi, me deixando sozinho com meus pensamentos. Me servi mais uma dose e abri o notebook para iniciar o trabalho.