Carlos continuou passando as folhas, uma por uma, e na última, viu o nome de Raquel como aquela que transferiu todo o dinheiro para si mesma. Olhou para sua filha mais nova, sem acreditar que ela poderia fazer algo assim, principalmente, quando eles precisavam tanto desse dinheiro.
— O que aconteceu, Carlos? — perguntou Noêmia, ao ver o olhar gelado que ele lançou para Raquel. — Você fez tanto sacrifício para manter nossa filha caçula vivendo com luxo e ela nos roubou esse tempo todo. — Como assim, não entendo? — Lia nos enviou remessas de capital muito acima do que demos a ela para mantê-la no exterior, já faz três anos que esse dinheiro chega e Raquel transferiu tudo para a conta dela. — Isso é verdade, minha filha? — perguntou Noêmia, olhando para a filha sem acreditar. O que vocês queriam? Eu vi que vocês sustentaram Lia por quatro anos no exterior e quando percebi que a empresa estava indo à falência, me preocupei com o custo de meus próprios estudos e guardei o dinheiro que ela enviou. Lia sorriu, sabia que era mentira. — Você não pensou que o dinheiro que eu enviei poderia tirar a empresa das dificuldades? — Se papai fosse um bom administrador, a empresa não teria chegado no buraco que está. Para que erguê-la, se ele iria afundá-la novamente? O raciocínio de Raquel era coerente, porém, muito egoísta e imoral, já que ela roubou o dinheiro que era de todos. O administrador da família era o pai e ele decidiria, junto com a esposa e a filha como o utilizariam. — Vá para o seu quarto, Raquel. Não quero continuar olhando para você, filha ingrata. — ordenou Noêmia, ao mesmo tempo que queria proteger a filha. Lia não concordou, queria que Raquel devolvesse todo o dinheiro que havia enviado, isso poderia ajudar seu pai e tirá-la do suposto casamento. Ainda não, mãe. Precisamos resolver isto. Raquel, quero que você devolva todo o dinheiro que tirou da conta da família. Incluindo juros e correção... Lia sabia que Raquel não teria o dinheiro, pois estava gastando consigo própria, conforme Adalberto contou. — Não vou devolver nada, o dinheiro é para os meus estudos. — reclamou Raquel. — Você escolhe: devolve o dinheiro ou denunciarei a polícia o roubo que você fez. Tenho todos os documentos do banco para comprovar. Raquel ficou de pé, dando pulinhos no lugar, totalmente descontrolada, fazendo-se de vítima. — Você não pode fazer isso comigo, sou sua irmã! Olha ela, mamãe! — Por favor, Lia, perdoe sua irmã, é o mandamento de Cristo e depois, você deu esse dinheiro para a família e Raquel é da família. — Sou seu pai e te peço, agora que voltou, vamos ficar em paz e desfrutar da nossa união! — Combateu Carlos, também ficando de pé. Noêmia começou a chorar, tentando comover sua filha mais velha. Você só está dizendo isso, Raquel, porque sabe que não tem mais todo o dinheiro. Andou gastando com coisas supérfluas, enquanto a família precisou dispensar funcionários e até diminuir o gasto com alimentação. Raquel gritou, chorou e se jogou no chão. — Por que só eu não posso ter nada? Não tenha culpa do papai não saber dirigir bem os negócios. Carlos olhou surpreso para sua primogênita, pensando que desde que ela chegou, a casa virou um tumulto. Como ele não percebeu o que estava acontecendo e se deixou afundar em um buraco tão grande? Em apenas um dia, ela descobriu todos os segredos da casa e estava os confrontando como se fosse superior. — Como você sabe de tudo isso? Andou nos investigando a distância? Lia notou a mudança de atitude do seu pai e achou melhor não falar sobre Adalberto. Estava tudo exposto claramente e eles não fizeram questão de ocultar. Talvez, pensassem que ela não notaria e seria uma dócil filhinha que não tomaria nenhuma atitude. — Meu quarto estava sujo, com uma decoração ultrapassada e as minhas roupas antigas ainda no closet. A mesa do café da manhã não foi servida na sala de jantar e Adalberto cozinhava sozinho, sem ter ajudantes, cozinheiro e copeiro. Não vi nenhum carro na garagem e quando cheguei com o meu, a surpresa de vocês foi chocante. Como não saberia sobre a situação da família? Carlos sentou-se de novo, cabisbaixo, segurou o pulso de Raquel e a fez sentar-se também. Resolveria a questão do dinheiro depois, agora tocaria no assunto principal, que era sair da situação de rombo da empresa, antes que fossem à falência. — Já que você sabe de toda a situação, preciso que nos ajude: está para sair a licitação para a construção do Complexo Hospitalar e nossa empresa pode entrar na concorrência, porém, não temos capital e precisamos ampliar a empresa se quisermos competir a altura com os outros concorrentes. — E? — Recebemos uma oferta de cooperação e nos será muito valiosa, tirando a empresa do buraco e nos colocando no topo. Lia sabia do que ele estava falando, mas se fez de desentendida e perguntou: — Se o senhor já tem tudo arranjado, por que precisa de mim? — Eu falei, pai, que ela não iria ajudar. — Raquel não se conformou em ficar calada e soltou a reclamação. — Cale-se, Raquel. Depois do que fez, não tem mais voz ativa nessa família. — Se vocês esclarecerem o assunto, talvez eu possa ajudar ou não. Carlos esfregava as mãos, nervoso, sem saber como tocar no assunto com sua filha. — Fale de uma vez, querido. — pediu Noêmia. — Bem, filha. A outra parte exige uma garantia mais eficaz, a união de nossas famílias através de um casamento. — E? — Lia não facilitaria para ele. — E como você é a mais velha e está aqui, gostaria que você nos ajudasse neste contrato. — Deixa eu ver se entendi: você quer se associar a uma outra empresa para juntos concorrerem à licitação da construção do Complexo Hospitalar. Mas a outra parte quer como garantia de que o senhor manterá a sua parte no acordo, uma união mais pessoal, significando um casamento entre as duas famílias? — Sim, é isso. — respondeu Carlos, com um profundo suspiro. — E tem que ser eu? Por quê? — Porque não é certo a filha mais nova casar antes da mais velha. É Bíblico, Jacó queria casar com Raquel, mas seu sogro não permitiu, mandou que ele casasse com Lia primeiro. A risada de Lia foi estrondosa e todos ficaram pasmos olhando para ela, sem entender onde estava a graça. — É sério, pai? Você quer usar a Bíblia para me obrigar a casar com um homem que eu nunca vi, só para salvar sua empresa? Que diga-se de passagem, você mesmo afundou? — Apesar de eu ser relapso com a família, não rompi com as tradições. Sei que Raquel não se incomodaria, mas tradição é tradição. Era a desculpa mais esfarrapada que ela já tinha ouvido e não levaria a sério, primeiro verificaria o contrato e tudo o que envolvia a sua participação nele. Se fosse por um curto espaço de tempo, até que conseguissem vencer a licitação e ela não precisasse ter intimidade com ele, talvez valesse a pena. — Já sou maior de idade, independente e vacinada, não preciso fazer o que você manda. Mas lhe dou uma chance, me convença...Ao contrário do que Lia imaginou, Carlos viu uma oportunidade no que ela falou. Imediatamente começou a relatar os termos do contrato entre as empresas e depois sobre o casamento: — Será um casamento proforma, durará apenas um ano, que deverá ser o tempo em que decidirão o vencedor da licitação. Você terá apenas que morar na mesma casa que ele, pois será anunciado para todos o casamento de vocês e precisam manter as aparências. — Tem certeza de que ele cumprirá o contrato e os acordos? — O casamento será a garantia, você acha que suporta um ano de casamento? Lia pensou que, se tivesse liberdade de ir e vir, morar em outra casa não atrapalharia seus planos. Já tinha planejado morar separada dessa família irresponsável. Está bem, eu concordo, mas preciso conhecê-lo primeiro. Carlos abriu um grande sorriso de satisfação e logo estava se levantando e chamando Adalberto para preparar um jantar, seguiu então para o escritório e ligou para seu futuro ge
Com a boca aberta de espanto, ela ficou parada, olhando para ele sem acreditar. — Não é isso que está no contrato, é um ano de casado e só estaremos unidos para garantir a parceria empresarial. Ele tirou de dentro do bolso interno do casaco, igual fez o seu pai, os papéis que ela assinou e mostrou-lhe na segunda folha, bem em cima. “... e neste prazo de um ano, terá que ser gerado um herdeiro.” — Não pode ser! Então Lia lembrou da correria na hora de assinar o contrato, seu pai fez de propósito e sua mãe cooperou. Deixaram para assinar no último momento para que ela não tivesse tempo de ler e conferir. Assinou confiando no seu pai e percebeu tarde demais que ele não era digno de confiança. Olhou a sua volta e avistou uma poltrona de couro, onde se jogou, totalmente derrotada por aquela traição. Lembrou-se que há duas semanas sua mãe insistiu em levá-la ao médico, mesmo ela dizendo que não havia necessidade, pois estava muito bem. A médica preencheu seu formulário, perguntou
Na casa da família Brandão, sem ter noção do que a filha passava, Carlos expulsou a rolha da garrafa de champanhe, que estourou, e todos comemoraram. — Estamos salvos. Eu sabia que aquela menina um dia iria me servir e muito. — Regozijou-se ele. — Mas era eu quem devia ter me casado com Romão. — reclamou Raquel. — Pare de ser ingrata. Sua irmã está lhe fazendo um favor, mesmo depois de você ter roubado todo o dinheiro que ela nos enviou e você ainda está reclamando? — É mãe, mas agora é ela que está se refestelando com ele, o meu homem, o meu macho que deveria estar comigo. Carlos não teve dúvida, ao ouvir a forma vulgar com que sua filha estava falando, levantou a mão e acertou seu rosto com um forte tapa. As duas mulheres ficaram horrorizadas, nunca tinham sido agredidas desta forma. — O que pensa que está fazendo, Carlos? Como se atreve a bater na cara da nossa filha? Não sabe que não se bate na cara de ninguém, principalmente de uma mulher? — Ela não é ninguém, é a
Chegando em casa, Romão viu que, sua mãe, andava de um lado para o outro na sala, perturbada com a presença de Raquel, sentada no sofá. — Que bom que você chegou, meu filho, deu tudo certo? — Claro que sim, mamãe. — Ela reclamou ou fez escândalo, como foi? Enquanto a mãe falava, Raquel levantou-se e grudou-se em seu braço, emburrada. — Foi bem mais tranquilo do que eu esperava. — olhou para Raquel. — Aliás, aproveitando que você está aqui, precisamos conversar. — Ela não só está aqui, ela se mudou para cá. Chegou com duas malas e se instalou no seu quarto. — Obrigado, mãe. Vamos para o escritório, Raquel. Ele segurou-a pelo braço. Amava-a por sua doçura e delicadeza, por sempre o apoiar sem ligar para o seu passado de Dono do morro, mas se instalar em sua casa, no seu quarto, sem pedir permissão? Foi um grande erro. Agora que ele estava casado, como o grande empresário que é, não pode deixar nenhum escândalo desse tipo vazar e atrapalhar seus negócios. Também tinha o fato
Romão ficou intrigado, não sabia no que acreditar. Uma mulher forte que se dedicou a carreira, ganhou muitos prêmios, mas deixou a família em dificuldades financeiras, não parecia muito justa. Estava indeciso. Não era um homem bom, obtinha o que queria sem pedir licença, mas gostava de se ver como justo. Desde quando liderava o contrabando e o tráfico no morro, mantinha tudo em ordem com mãos de ferro. Sempre protegeu mulheres e crianças de maldades e abusos. Agora se tornou um abusador por acreditar em uma mentira. Será que sua menina era tão descrente da competência da irmã que não acreditava em sua capacidade de conquistar sucesso profissional? — Então, sua filha é uma arquiteta profissional e ganha a vida com seus projetos? — Creio que sim. Não sei muito sobre sua vida no exterior. É impossível alguém ter tanto dinheiro só desenhando riscos num papel. — Raquel disse, entrando no escritório, despeitada e não querendo que seu namorado descobrisse a verdade. Romão a olhou sério
Romão levantou-se para sair, mas a governanta o chamou. — Senhor Ferreira, o buffet do casamento deixou aqui algumas caixas com bolo e salgadinhos, o senhor não gostaria de levar para sua esposa? Ele parou um instante para pensar e chegou à conclusão que seria uma ótima desculpa para voltar a cabana, ainda neste dia. Havia prometido que a procuraria dia sim, dia não, mas podia aparecer com uma desculpa. Queria vêla e colocar o plano de sua mãe em prática. — Prepare uma boa embalagem que vou levar para ela. Obrigada, Zuleide. Chegando à cabana, surpreendeu Lia, que estava deitada no sofá. Sentia-se apática e ainda dolorida, mas sentou-se rapidamente, percebendo que a porta da frente abriu. Havia ouvido o som do motor de seu carro, chegando, mas pensou que era ilusão de sua cabeça, já que ele prometeu voltar só no dia seguinte. Quando ele apareceu, ela olhou-o com olhos arregalados e medrosos, não suportaria mais uma sessão de sexo como a do dia anterior. — O que faz aqui
O susto e a expressão dele diziam tudo: ele não acreditava no que Raquel era capaz de fazer e fez contra os próprios pais. — Como assim, do que você está falando? Raquel não é assim. — Só depois que eu cheguei, descobri que todos os e-mails e fundos que enviei para ajudar a família, foram interceptados por Raquel. Ela apagou os e-mails e transferiu todo o dinheiro para sua conta particular. Encontrei uma situação tão caótica na casa, que precisei comprar comida ou passaríamos fome. Enquanto isso, Raquel desfilava com uma bolsa de marca da moda e joias caríssimas. — Eu dou a Raquel o que ela quer, portanto, isso não significa que ela usou o seu dinheiro. — Eu tenho provas, fui ao banco e segui o dinheiro. Mas se você quer continuar se enganando, o problema é seu. Romão não pensou duas vezes, levantou-se e saiu como um foguete, deixando Lia sozinha, saboreando o bolo do casamento. O jantar ficou totalmente esquecido. Entrando no carro, antes de ligá-lo, lembrou que o carro
Lia não quis deixar ele perceber sua mágoa e frustração com seus pais. Tudo teria sido diferente se eles tivessem contado a verdade, ela poderia até conceder seus óvulos para eles terem um filho. — Não se preocupe, cuidarei deles. Conversei com a Raquel e creio que ela vai pôr a cabeça no lugar. — Ela confessou que pegou o dinheiro ou deu uma desculpa? Para nós, ela disse que se deixasse o dinheiro na mão do papai, ele ia gastar tudo sem resolver questão nenhuma. Romão olhou para ela e lembrou que Raquel falou a mesma coisa para ele, então, era uma desculpa ensaiada, o que aumentou a desconfiança e desagrado dele. — Sim, basicamente foi isso que ela falou, mas não negou que pegou o dinheiro. Disse que o dinheiro estava em uma conta conjunta da família e todos eles podiam mexer e ela gastou com suas necessidades para que ele não gastasse de forma negligente. — É uma desculpa aceitável, já que ela não negou, tira a culpa do roubo, mas não nos leva a nada continuar com essa discuss