Lorenzo Narrando...
Correr. É como reiniciar o sistema. Enquanto os outros ainda estão se debatendo com o despertador, eu já tô com o tênis no pé, cortando a névoa da cidade, sentindo o ar gelado bater no rosto. Não corro pra relaxar. Corro pra manter a mente afiada. Pra lembrar que se eu parar... eu caio. E eu não sou homem de cair, jamais. Meu nome é Lorenzo Vasconcellos, e se você não me conhece, provavelmente ainda vai conhecer. Tenho trinta anos. Cabelos escuros, olhar fixo, expressão que muita gente chama de arrogante — e eu chamo de certeza. Não sou simpático, não sorrio por educação e não finjo interesse onde não existe. Aprendi cedo que o mundo não respeita o fraco, e que não se constrói nenhum império sendo bonzinho. Sou CEO da V-Tech Global, empresa referência em tecnologia de segurança, inteligência artificial e automação, aqui na Califórnia. Nossos algoritmos operam bancos, governos e até satélites. Acha mesmo que aquela sua senha de oito caracteres com um ponto de exclamação no fim tá protegendo alguma coisa? Ingênuo. A verdade é que tudo que você pensa estar seguro, passa por mim. E o que eu quiser saber... eu descubro. Meu pai fundou a empresa com suor e ambição. Eu transformei em poder. Ele ainda tenta se meter, claro. Mas hoje, quem assina, quem fecha, quem comanda… sou eu. Não foi sorte. Foi vontade, noites sem dormir, decisões que ninguém teve coragem de tomar. E sim, às vezes o caminho exige o tipo de atitude que faria moralistas chorarem. Mas sabe o que eu faço com lágrimas? Seco com contrato assinado. Agora... se você quer saber se eu tenho algum relacionamento sério, vou te poupar da ilusão romântica e ir direto ao ponto. Eu não sou de ninguém, tenho uma fodä fixa, digamos assim. Nicolle, ela é linda. Inteligente. Filha de empresário. Sabe como se vestir, como se portar, como provocar. Mas não é amor. É conveniência. Ela é a favorita entre todas as que já passaram e isso fez com que ela ficasse até agora. Por enquanto ela sabe jogar. Não me pede carinho. Não pergunta pra onde eu vou. Não cobra exclusividade. Ela vem, se deita, geme meu nome … e depois vai embora no silêncio. Sem cobranças. Sem promessas. É assim que eu gosto. E se um dia ela quiser mais do que isso? Ela já perdeu. Subo pro meu apartamento depois da corrida. A cobertura onde eu moro. Tudo em tons escuros, concreto, vidro, linhas retas. Gosto do silêncio. Gosto da vista da cidade se arrastando lá embaixo enquanto eu bebo meu café e planejo qual empresa eu vou comprar em seguida. — Atrasado. — diz uma voz atrás de mim. Gabriel. Meu melhor amigo. Único que me conhece o bastante pra não precisar de filtro. E o único que eu tolero sem máscara. — Atrasado uma ova. São 7h12. — resmungo olhando no relógio no meu pulso. — A equipe da China já mandou o relatório da integração. E tem um aviso da auditoria externa sobre o projeto Black Gate. Aumentaram o risco de exposição. — fala largando o tablet em cima da mesa. — Manda os auditores à merda. E me passa o relatório direto. — digo, indo até a máquina de café. — Black Gate é prioridade. Aquela tecnologia é o futuro da segurança estatal. Se vazarem qualquer detalhe agora, perco o acordo com os russos. — Eu sei. Mas se a imprensa descobre que estamos testando varredura neural em tempo real, vai dar escândalo. — Só dá escândalo se você for burro o bastante pra deixar vazarem. — encaro ele por cima da caneca. — E você não é burro, né, Gabriel? — Só quando continuo trabalhando contigo. — ele devolve com um sorriso torto. — E a Nicolle? Vai vê-la hoje? — pergunta mudando de assunto. Dou de ombros. — Talvez. Se eu estiver de saco cheio de reuniões e precisar de um alívio decente. — Alívio decente... Você devia imprimir isso e enquadrar na parede da suíte do møtel onde tu leva suas mulheres. Ia poupar tempo de muita mulher iludida.... — fala sarcástico. — Eu não iludo ninguém. Elas se iludem sozinhas. Eu sou honesto. Frio, mas honesto. Gabriel se encosta no balcão, braços cruzados. — Tu sabe, uma hora vai aparecer alguém que vai querer mais. Que vai te olhar como se você fosse um homem, não uma máquina de lucro. E aí, o que você vai fazer, garanhão? — Eu não vou fazer nada. Quem perde é ela... — dou um sorriso de canto. — Perde tempo, perde energia, perde o juízo. Porque eu não nasci pra ser o conto de fadas de ninguém. Ele ri alto. — Tá poético hoje, hein? — Não é poesia. É instinto. E você sabe tão bem quanto eu que o mundo não tem espaço pra sentimentalismo no topo. Silêncio por alguns segundos. — A nova gerente chega hoje. — ele muda de assunto. — Vitória. 26 anos. Currículo excelente. Quer mudar o mundo... — Que gracinha. — ironizo e falo — Dá uma semana e ela vai perceber que aqui não tem espaço pra idealismo. Só lucro e guerra fria. Vou tomar um banho... já volto — falo indo em direção às escadas e subindo rápido, antes mesmo dele responder. Já no meu quarto, tiro a minha roupa e sigo para o banheiro, ligo o chuveiro e tomo um banho, depois de uns dez minutos, eu desligo a água, puxo uma toalha, enrolo na cintura e aproveito pra escovar meus dentes. Saio do banheiro, faço o que tenho que fazer, me arrumo em tempo recorde, passo perfume e saio do quarto novamente, passo pelo corredor e desço as escadas. — Vamos. Tenho uma reunião com o ministro da Defesa às 9h. Se ele não assinar aquele contrato hoje, eu jogo a esposa dele no noticiário com as mensagens que ela mandou pro segurança do prédio. Quer saber como se negocia com políticos? Pega o ego deles pela garganta e torce até o último suspiro. Gabriel me segue até o elevador. Antes de entrarmos, ele lança. — Às vezes eu me pergunto se sobrou alguma coisa tua que ainda sente. — Sobrou. — olho fixo, sem hesitar. — Ambição. A porta se fecha. Mais um dia começa. Contínua...