Capítulo - 3

Mesmo diante de tantos questionamentos no dia anterior, aceitei a ajuda da megera. Marcamos um horário e com uma extrema preocupação entreguei-me aos cuidados dela. Espero sinceramente estar fazendo a coisa certa...

Mas, me enganei redondamente com a bondade apresentada pela mãe dele. Apesar das promessas de cuidar de mim e do bebê, seu futuro neto, ela tinha outros planos para nós. Bem macabros poderia dizer. Que nem de longe, lhe dariam uma passagem para o céu das sogras bondosas...

Lembro-me como se fosse hoje do terror se espalhando ao meu corpo, quando percebi que não era a um bom consultório de um médico ginecologista que iria me levar. Muito menos, era seu desejo certificar-se que estávamos bem. Não havia expressão nenhuma de preocupação ou bondade no rosto dela naquele dia que me buscou para aquela fatídica consulta...

Nosso destino havia sido sim, há uma dessas clínicas clandestinas, onde as garotas ali presentes tinham unicamente um propósito...

“Livrar-se do problema que contraíram num momento de pura luxúria...”

Era inacreditável como algumas delas esperavam a sua vez, tão calmamente como se estivessem esperando pra cortar o seu cabelo. Eram frias e calculistas, demonstravam sem um pingo de ressentimento não ser a primeira vez a estarem por ali. Onde a minha religião dizia, ser um lugar onde se acometia assassinatos de almas inocentes.

Elas liam revistas e conversavam descontraidamente umas como as outras como se fosse banal a atitude que tomaram. Era algo para elas como decidir, por exemplo, fazer uma massagem ou uma pequena lipoaspiração de alguma gordura incômoda. Talvez para elas até fosse. E até já houvessem se habituado a essas consultas rotineiras.

Não as julgo pelo que pensam sobre o assunto ou até mesmo o motivo que as trouxeram até ali. Se tratam um anjo em seu ventre como um objeto qualquer a ser descartado em uma lixeira fria e imunda de lugares como esse. Porém, tenho uma certeza absoluta, ali não é o meu lugar! Não penso assim. Não quero resolver meu problema dessa maneira. Seja lá, qual foi o erro que acometeram para si, tenho certeza que o meu sou bem capaz de assumir.

Outras em si, pareciam ansiosas e desesperadas demais. Talvez, tal como eu, fosse à primeira vez em estar num lugar tão assustador com esse. E foi por isso que me chamou a atenção ao local. Não é por causa de uma religião, conduta social, ou seja, qual for o outro motivo, não preciso seguir a manada direto ao abatedouro.

Posso tomar minha decisão sozinha, ou mesmo num caso desses, preciso da orientação da minha mãe. Ela também ficou grávida na adolescência. Não me jogou fora como essa megera quer que faça com seu neto. Até mesmo sem consultar a decisão do filho, pois na verdade ela está tomando por ele a decisão do seu futuro. Um futuro que não consta um bebê para atrapalhar sua carreira. Ou será que nesse meio tempo ela o consultou e ele concordou com essa maluquice toda?

Não quero acreditar nisso! Penso que isso esteja sendo feito sem seu conhecimento. E prefiro nem lhe perguntar sobre isso temendo sua resposta. Prefiro tomar a mesma atitude da minha mãe. Que resolveu me assumir diante da sociedade, me deu amor, carinho e um lar e tenho certeza que me ensinou bem a ter discernimento do que é de fato certo ou errado. E diante aos meus olhos isso me parece muito errado. E tenho certeza, que ela não me perdoaria quando soubesse o que estou prestes a fazer. Mesmo essa criança não tendo um pai de verdade para assumi-la...

Sei que sou muito jovem ainda para criar um filho sozinha, mas também jovem demais para carregar o fardo sobre um assassinato. E se isso fosse certo e legal parente a lei, não estaríamos ali escondidas e forçadas a mentir dizendo que se algo desse errado não poderia acusá-los por negligência ou qualquer outro crime. Se fosse correto o que fazem não teriam que usar um logotipo falso na fachada para encobrir os atos desumanos que só aquelas paredes testemunhavam.

Não importa para mim o que as revistas, ciência ou qualquer outra explicação feminista fale sobre aborto. Para mim, depois que a vida foi gerada, não me pertence mais. E não posso ser um carrasco a lhe dar uma sentença de morte sem algum julgamento de defesa. Ainda mais no meu caso, que já posso sentir seus movimentos dentro de mim.

Por mais assustadora que fosse a situação ao qual estou, tenho certeza, meus pais não aprovariam esse tipo de atitude. E foi por isso que tomei a decisão mais difícil da minha vida...

Lembro-me da fuga desesperada pela rua e do quase atropelamento. O carro parando bruscamente em cima de mim e fazendo com que batesse as mãos sobre o capô tentando amortecer a violência do impacto. Da motorista me xingando dos mais horríveis palavrões enquanto tentava me recuperar do susto acometido. As lágrimas me nublando os olhos, dificultando entender a minha localização diante aquele alvoroço que provoquei. Refiz minha rota mentalmente e sai dali o mais rápido possível.

A maluca corria gritando em meu encalço, tentando a qualquer custo me parar da fuga insana e dizendo-me em alto e bom tom que precisava escutar a voz da razão e parar de correr, voltar e terminar o que tínhamos combinado de fazer no dia anterior.

Razão? Era ela que me incentivava a correr desfreadamente daquele jeito. Não acredito que ela queira que cometa esse ato ilícito que está tentando me obrigar a fazer. E embora as pernas pesem uma tonelada pelo nervosismo e pânico, sigo meu caminho, trôpego pelas ruelas da cidade. Volta e meia me colidindo contra uma parede ou derrubando alguém pelo caminho por causa dos empurrões que vou distribuindo para abrir caminho para a  minha fuga desesperada.

O medo que sentia era palpável. E era ele que causava toda essa desinformação sobre o ambiente ao meu redor. As pessoas gritavam comigo, me chamando de maluca e em nenhum momento deduzindo o perigo que estava se recaindo sobre mim. Alguém até me tentou parar. Talvez, pensasse que Raquel fosse minha mãe de verdade. Mas, o instinto de sobrevivência desperto em mim, me fez morder a mão do homem que me segurava e me libertar do seu abraço antes que ela pudesse nos alcançar. Será que soubessem o que ela queria fazer comigo e com meu filho a estariam ajudando? Não parei para questioná-los.

O meu desespero era apocalíptico. Principalmente em achar um meio de comunicação antes dela me alcançar e  pedir socorro. Antes até mesmo que alguém mais forte resolvesse tentar ajudá-la novamente, que essa pessoa me contivesse e impedisse de vez minha fuga. Sinto até hoje os calafrios me percorrendo o corpo com esse pensamento.

Lembrar-me do medo que senti escondida entre aquelas lixeiras, assim que consegui desviar seu foco em me perseguir. Assombra-me cada vez que tenho que tenho que passar por um beco. Esperei num lugar assim, até Marcos aparecer para me resgatar...

Sim, Marcos era única pessoa ao qual eu poderia pedir socorro momento. Já que o pai do meu bebê, deixara-me a mercê da própria sorte nas mãos da sua mãe.

Lembro-me da sua expressão de revolta quando me encontrou ali abraçada as minhas pernas, sentada no chão imundo, destruída em lágrimas de desespero e com soluços tão profundos que pareciam querer arrebentar de dor o meu peito. Era um bicho acuado que uma alma bondosa escutou as lamúrias naquele lugar detestável. Emprestou seu telefone para que com a voz rouca e quase fraca pelo esforço acometido lhe implorasse ajuda. Depois a bondosa senhora, ficou comigo até que chegasse até ali.

A generosa alma daquela mulher foi recompensa da com uma boa quantia em dinheiro pela sua devoção em cuidar de mim naqueles breves momentos. Ela até quis chamar a polícia. Mas, preferi deixar que a justiça divina me resguardasse contra tudo que aquela mulher fez por mim naquele dia. Um monstro que queria matar o próprio neto, somente para livrar o seu filho da “burrada” que cometera.

Quando Marcos chegara, por sorte estava próximo conferindo o novo canteiro de obras do seu mais novo empreendimento. Contei-lhe a minha situação. O que aquela velha bruxa pretendia comigo e como estava apavorada com tudo isso. Ele também estava furioso principalmente com o que minha ex-futura sogra pretendia fazer ao meu futuro filho.

Ajudou-me a levantar e dentro do seu carro tentava me acalmar num abraço sincero e caloroso. Deixou que minhas lágrimas encharcasse sua camisa e tentava me dizer palavras amenas que suprimisse meu medo, a raiva e a dor de ter sido tão cruelmente enganada. Por ele, queria chamar a policia e denunciar todo o ato cruel que foi capaz de me propor...

Mas, não o deixei...

Ele já havia sido um herói àquele dia...

O cavaleiro num cavalo branco me resguardando do dragão...

Um escândalo poderia por em maior risco a vida do meu pai nesse momento. Também poderia me prejudicar futuramente. A cidade em que morava era pequena, as fofocas eram enormes e eu seria sempre a vilã da história. Jamais conseguiria provar que uma alta dama da sociedade como ela, poderia de fato obrigar uma menina como eu cometer tal delito.

Sei bem o que diriam, senão queria essa carga que estava carregando em meu ventre, que não tivesse aberto as pernas a um garoto qualquer. Gabriel, não era um garoto qualquer, ou pelo menos  me iludi que não fosse. Mas, agora estaria fazendo o papel mais irresponsável da sua vida. Trazendo-lhe assim esse título sobre si.

Foi então que havia chegado a mais dolorosa conclusão da minha vida... Estava sozinha... Abandonada por quem me jurou amar até o fim das nossas vidas...

Sem dinheiro, sem marido, seria criticada pela sociedade violentamente pelo meu erro e com uma possibilidade enorme de nem ter um pai para me ajudar nessa questão... Acabava de perceber o tamanho do fardo que me tornei para minha mãe. O medo e a confusão se instauraram dentro de mim, deixando-me tal qual um trapo humano. E por um segundo até me questionei... Se a mãe de Gabriel não estivesse certa em me livrar de isso tudo...

Por fim, como tudo na minha acontece em várias camadas de decepção... Assim que recuperei o controle sobre mim e me acalmei, Marcos me deu a notícia que meu pai tinha tido outra parada cardíaca, ele soubera pouco antes de atender minha ligação que exigia urgência do meu resgate. Agora a cirurgia não era mais uma opção a  ser avaliada,  agora era uma necessidade inquestionável.

Tentariam remover meu pai para outro hospital que tivesse leitos disponíveis com auxilio público e lá tentariam salvar a sua vida. O problema era que havia um alto grau de risco nessa transferência. E para ser feita no hospital onde estava, precisavam da quantia de dinheiro exigida com antecedência. Não bastasse tudo que o dia já tinha reservado para mim, aquilo era punhal transpassando meu coração. Não entendi a princípio por que Marcos queria afundá-lo mais em mim me contando sobre meu pai dessa maneira. E ao ver novamente minhas lágrimas banharem meu rosto pela notícia de qual já intervinha o fim, meu descontrole emocional e o que isso poderia afetar o meu bebê, desabafou...

___Nanda, eu quis emprestar o dinheiro para sua mãe. Mas, ela não aceitou. Pois se a cirurgia der errado, ela não conseguiria me devolver o dinheiro e ainda ficaria sem o seu pai. Ela não quer ficar presa á mim por um compromisso desses. Uma dívida que contraiu num momento de desespero. ___Marcos pegou meu rosto entre as suas mãos e começou a acariciar minhas bochechas. Os olhos castanhos dele estavam lagrimejados também, pelo sofrimento dela... Pelo meu sofrimento...___ Talvez, se você falar com ela...

Seria inútil. Ela tem razão. Não conseguiríamos reembolsar toda aquela quantia sozinhas, caso tudo desse errado. Seria mais fácil tentar a sorte numa remoção e no plano público social...

O abraço e choro sem controle sabendo do provável fim desse desfecho. Ele me beija na testa ternamente, me aperta em seu peito sentindo meu calor. Essa era a primeira vez que estávamos trocando afetos tão intimamente, podia sentir seu coração descompassado e sofrendo pelas duas mulheres que mais ama na vida. Turronas, duronas e orgulhosas demais para ficarem lhe devendo tanto para alguém como ele.

___ Você sabe que eu sempre amei sua mãe no passado, não sabe?___ Confirmo com um acenar de cabeça.___ Mas, não ria, eu gosto muito de você também! ___ Eu sorri. Já tinha concluído isso ao perceber que suas brincadeiras para comigo sobre casamento estavam ganhando a cada dia um tom a mais de seriedade. Então, ele completou...

___ Se você quiser se casar comigo... De verdade... Pago a cirurgia do seu pai e assumo essa criança como se fosse meu filho legítimo...___ Me beijou de leve os meus lábios de surpresa. Sem malícia, apenas alguém confirmando os seus sentimentos. Como um futuro genro, poderia decidir sobre o desfecho da situação do meu pai sem pedir autorização a nenhuma de nós duas. ___Eu amo você menina! Sempre amei! Não posso te  ver sofrendo assim, abandonada por um moleque e não posso deixar meu melhor amigo morrer pela teimosia da sua mãe! Assim, como me sinto responsável por você nessa nova e dura empreitada que assumiu para si...

Tenho certeza que essas palavras eram sinceras. Acho que ele andava tentando já um bom tempo achar um meio de me pedir em casamento que não me causasse assombro. Essa seria a melhor chance que teria. Embora tenha certeza, que tivesse medo que a única coisa que ele representasse nesse momento para mim, fosse a sua gorda conta bancária.

Afinal, ele já tem lá seus trinta e oito e em outras circunstâncias jamais me interessaria por um homem daquela idade. Por medo, por uma interpretação errada da sociedade e por tudo que as pessoas falariam ao nosso respeito. Embora dali uns quatro meses eu faça meus dezoito, haveria muitas pessoas que o acusariam de pedofilia ou coisa pior...

E isso era ruim para os seus negócios, tanto quanto era ruim para minha reputação. Mas, eu não sabia de momento o que era pior para mim. Ser uma mãe solteira, rejeitada pela sociedade ou me casar com um velho amigo do meu pai e de quebra poderia lhe salvar a vida e dar ao meu filho um futuro mais tranquilo...

Para muitos isso poderia passar perfeitamente por assédio. Mas, há alguns anos atrás desde que os pais concordassem diante dessa união, essa situação não era considerada tão bizarra assim. Eu poderia lhe pedir o dinheiro. E combinar consigo que em algum dia, quando estivesse numa situação de vida melhor, lhe pagaria cada centavo investido e tenho certeza, ele concordaria com essa minha decisão sem me condenar, mesmo sabendo que esse dia talvez nunca chegaria.

Mas, para falar a verdade, senti naquele momento que isso era a maior prova de amor que ele poderia me dar. Assumir um filho que não era seu. Uma dívida monstruosa e correr o risco de cair em desgraça pelas más línguas da sociedade.

Então por um momento de reflexão me questionei o quanto foi vergonhosa minha prova de amor à Gabriel. Por causa dela foi abandonada, humilhada e até acuada a cometer um crime. Tenho uma sensação horrível de estar sendo trocada como mercadoria. Porém, os olhos dele brilhando de ansiedade pela minha resposta parecem demonstrar o contrário...

Tentei imaginar como alguém de fora me julgaria diante dessa situação. E lembrei-me do homem me segurando com toda força para me devolver a Raquel. A decisão a ser tomada era só minha. Seus risco e consequências só eu poderia assumir. Admito até que naquela época a minha inexperiência me prejudicou muito. Os reflexos disso o futuro me mostrou ao longo dos anos...

Sem muitas alternativas disponíveis e até acreditando que ninguém da minha idade assumiria para si meu filho e minhas responsabilidade para com ele, decidi aceitar a proposta com um longo beijo caloroso e sincero que selava meu compromisso com ele. Naquele momento me convenci ter feito à coisa certa. Uma decisão em horas de desespero pode não resultar nas melhores escolhas. Mas, às quatro horas da tarde do mesmo dia...

Meu pai foi operado...

Contamos para minha mãe, durante a cirurgia, tudo o que deveria ser contado. Ela ficou em choque. Queria esganar aquela vaca! Por isso decidimos omitir do meu pai minha atual condição até que estivesse plenamente recuperado e fora de perigo eminente de morte, ou no mínimo. Pelo menos sem que ele tivesse outro risco de infarto por receber essa notícia...

Não creio que Marcos deixasse meu pai morrer por causa de uma conta no hospital, nem que levasse umas duas vidas pra pagar, ele emprestaria o dinheiro mesmo contra gosto de nós duas e meu pai. Mas, duas vidas é muito tempo, preferi agilizar as coisas.

Quando enfim, meu pai estava fora de perigo, restabelecido do trauma da doença, contamos sobre nossa paixão repentina. Omitimos minha gravidez. Mas, meu pai sabe do amor que tinha por Gabriel, que não mudaria de ideia de uma noite para o dia. Provavelmente deduziu ela. Mas, não me julgou em nenhum momento por isso. Também omitimos a dívida do hospital e o modo de como levei um pé na bunda de Gabriel.

Embora eu não tenha mais que me  preocupar com dinheiro, não acredito que seja por isso que meu pai aceitou tão bem a notícia. Talvez, se visse livre de uma vez por todas daquela sombra da paixão que Marcos ainda guardava por minha mãe.

Meu pai também é um homem muito antiquado. Talvez, não aceitasse e nos perdoasse que tivessemos feito isso pela conta do hospital. Mas, também acredito que se tivéssemos um modo de salvá-lo, não nos perdoaria por não ter feito.

O resumo em si da minha atitude foi que: salvei meu pai. Livrei minha mãe de muitos aborrecimentos futuros. Garanti o melhor futuro para eu filho. E ainda por cima... Fiz Marcos muito feliz...

Quanto a Gabriel, foi posto uma pedra nesse assunto e ninguém falou mais nada, nem me cobrou pelo ato insano de me entregar a ele. Depois daquele dia o melhor era olhar para o futuro e esquecer, ou pelo menos tentar, o passado mal resolvido...

Quanto a minha felicidade... Só o tempo em si vai me dizer se a terei...

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