Mundo ficciónIniciar sesión~ Summer Monteiro ~
Vivo em Petralia Soprana, um pequeno vilarejo na Sicília que parece parado no tempo. A cidadezinha era tranquila até ser descoberta pela máfia, que a transformou em uma rota discreta e conveniente. Dizem que há um homem que governa a região com punhos de ferro, mas isso pouco me importa. Vivo isolada na fazenda da minha família e raramente saio, exceto para visitar o túmulo da minha mãe no cemitério local. Hoje é mais um dia comum, acordo às 06 da manhã com o cantar dos galos, faço minha higiene matinal e tomo um café rápido antes de encarar as tarefas do dia. Tudo na fazenda é de minha responsabilidade, já que meu pai só sabe beber e, pelo visto, nem dormiu em casa esta noite. Alimentar os animais, consertar cercas, colher o que a terra dá, tudo isso cai sobre mim. Depois de alimentar os bichos, selo meu cavalo, Príncipe, e vou ao cemitério, o único lugar onde sinto que realmente posso respirar. Passo horas conversando com minha mãe, contando a ela sobre os dias monótonos e o peso que carrego sozinha. Ela costumava dizer que meu nome era uma promessa. — Você nasceu no auge do verão — ela dizia, com aquele sorriso que iluminava qualquer dia cinza. — O sol brilhava tão forte que eu soube que tinha que te dar um nome cheio de vida. Para ela, eu era calorosa, luminosa, cheia de possibilidades, por isso ela me deu o nome de Summer. Como o verão que pode ser tanto um abraço ensolarado quanto uma tempestade repentina. Mas, desde que ela se foi, meu nome tem sido um fardo. Porque o verão também queima, consome, e é exatamente assim que me sinto: uma chama que luta para não apagar. É nesse instante, ajoelhada diante da lápide coberta de musgo, que minha mente me trai. Tudo se apaga ao redor, o presente, o cheiro da terra, até o frio e eu me vejo transportada de volta à varanda da fazenda, aos meus treze anos. Mamãe está viva, o papai não fede a álcool, não grita, não levanta a mão. Estamos indo para a igreja como fazemos todos os domingos. Ela segura minha mão e canta baixinho, o vestido de algodão esvoaçando com a brisa. Minha mãe me abraça depois do culto. — Deus tem planos lindos pra você, meu amor, nunca se esqueça disso. A cena desaparece tão rápido quanto veio. Volto ao presente, e tudo parece ainda mais cinza. Olho para a cruz simples no túmulo e percebo o quanto me afastei daquilo tudo. A fé, que um dia me ancorou, hoje parece um fio desfiado entre os dedos. Quantas vezes pedi por ajuda e um milagre e recebi silêncio? O que sobrou de mim? São perguntas sem respostas que me assombram todos os dias. Com esses pensamentos volto para casa, e o restante do dia segue sua rotina exaustiva. Tudo tranquilo, até meu pai finalmente aparecer, bêbado e mal-humorado. — Summer, traz uma cerveja! — ele grita da sala. — E não demora! Respiro fundo, ignorando a raiva que brota em mim. Obedeço, porque sei que argumentar só piora as coisas. Faço o jantar em silêncio, enquanto ele continua bebendo, dando ordens sem parar. A chuva cai lá fora, pesada e incessante, como se quisesse lavar tudo. O cheiro de terra molhada invade a cozinha. Cada gota que b**e na janela parece um presságio de algo que está por vir. — Summer! — ele grita novamente. — Não vai fazer isso direito? Seguro o prato que estou montando e respiro fundo, tentando não gritar de volta. Cada vez mais, a sensação de estar presa nessa vida sufoca, e as palavras da minha mãe ecoam em minha mente. "Não deixe essa luz apagar." Mas, naquela noite, o som das garrafas caindo e da chuva batendo nas janelas me faz pensar que talvez seja impossível mantê-la acesa. — Pai, o senhor está bêbado de novo. — Minha voz sai cansada, quase derrotada. Ele se vira, o olhar turvo, a barba por fazer. Há algo diferente nele nesta noite, uma ferocidade misturada à vergonha. — Cala a boca, garota! — ele grita, a voz rouca e arrastada pelo álcool. Sinto a palma pesada dele acertar meu rosto. O impacto é seco, como uma faca cortando o pouco de dignidade que me resta. A dor vem em ondas, mas o choque é maior. Levo a mão ao rosto, os olhos marejados, mas não choro. Não na frente dele. Não quando ele já parece mais um estranho do que meu pai. Antes que eu consiga reagir, a porta da sala se escancara com um estrondo que faz o chão vibrar. Um homem entra, e sua presença preenche o ambiente como uma tempestade iminente. Alto, imponente, facilmente medindo cerca de 1,92m, ele tem cabelos loiros perfeitamente penteados e uma barba alinhada que acentua seus traços brutos. Seus olhos, de um tom gelado, parecem vazios, sem alma, como se carregassem o peso de algo que o mundo não deveria conhecer. Os ombros largos quase tocam o batente da porta, evidenciando sua postura intimidante. Ele veste um terno azul escuro impecável, mas a gravata frouxa no colarinho sugere um homem que, apesar de controlado, está à beira de perder a paciência. Sua expressão é um misto perigoso de frieza e fúria, o tipo que faz qualquer um pensar duas vezes antes de pronunciar uma palavra. Meu pai dá um passo para trás, atônito. — Hades ... O que está fazendo aqui? — ele pergunta, mas sua voz soa fraca, sem o tom autoritário que um dia teve. O homem ignora a pergunta, tirando uma pistola de dentro do paletó. — Luís, eu vim pegar o que é meu — diz ele, cada palavra carregada de desprezo. Antes que meu pai consiga reagir, o som do tiro corta o ar. O impacto faz o corpo dele cair para trás, derrubando a mesa de madeira entre eles. Meu corpo congela por um instante, mas o pânico logo toma conta, me fazendo recuar e gritar. O homem vira o rosto lentamente na minha direção. Seus olhos escuros se fixam nos meus, e eu sei que ele não sente remorso. Nem culpa. Para ele, é apenas mais uma noite de trabalho. — Levem ela para o celeiro — ordena, sem desviar o olhar de mim. — Certifiquem-se de que não saia de lá. Dois homens surgem atrás dele, tão intimidantes quanto. Eles avançam na minha direção, tento correr, mas não tenho para onde ir. Eles me agarram pelos braços com força suficiente para me fazer gritar, arrastando-me para fora da casa. A chuva encharca minha roupa e minha pele, mas mal consigo sentir o frio. Tudo parece um borrão: o barulho da chuva, o cheiro da terra molhada, o sangue espalhado no chão da sala. Quando me jogam no celeiro e trancam a porta, sei que minha vida como eu a conheço, acabou. A escuridão me engole, tento encontrar alguma lógica, algum chão, algum ar. Ajoelho-me no feno frio, tremendo. Meus dedos procuram instintivamente o pingente no pescoço — a pequena cruz de prata. Ela ainda está aqui, um símbolo do que já fui. Do que não sei mais se acredito. Mas ali, de joelhos, pela primeira vez em anos, fecho os olhos. Não peço resgate, nem justiça, peço força. — Deus... — sussurro, a voz falha. — Se ainda está aí... se ainda me ouve... não me deixa esquecer quem sou, me ajuda a ter fé o suficiente pra não enlouquecer. Silêncio. Só o som da chuva batendo nas telhas do celeiro, mas eu continuo ali esperando, porque se eu perder até isso, não vou ter mais nada a que me agarrar.






