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~ Hades ~
Mostro. Encarnação do mal. Assassino. Perigoso. É assim que me chamam os homens fracos, policiais corruptos, vítimas que tiveram tempo de falar. Mas ouvir esses títulos saindo da boca dela tem outro peso. Na voz embargada da loirinha frágil, filha daquele desgraçado, cada palavra soa como uma faca cravando fundo, não porque machuca, mas porque excita. Summer anda em círculos, no meio do porão úmido, os pés descalços sujando-se de poeira e frio. Seus olhos estão vermelhos, e o corpo, trêmulo. Ela se segura como pode, respira fundo, morde o lábio, enxuga as lágrimas com as costas da mão. Há algo na forma como ela caminha, como se carregasse mais do que medo. Como se existisse dentro dela uma centelha idiota, mas viva, de que pode sair daqui. É quase fofo. Quase. Ela não entende ainda, mas este porão é mais que um castigo, é um território marcado. Um lembrete de que está aqui porque desobedeceu, ousou me contrariar e tem o sangue de um homem que merecia pagar. Se soubesse que aquele verme tinha uma filha, talvez tivesse escolhido outra forma de fazê-lo pagar, mas o destino é um sádico ainda melhor que eu. Agora ela está aqui e, gostando ou não é minha, mesmo que não me sirva para nada. Ela se senta no canto, os joelhos contra o peito. Murmura sozinha palavras partidas, como se rezasse, seus dedos deslizam discretamente pelo cordão no pescoço. A pequena cruz de prata brilha por um instante sob a luz fraca do porão. Há algo nela que prende meu olhar, algo que escapa da lógica. Uma teimosia silenciosa, uma coragem disfarçada de desespero e a ingenuidade, achando que Deus pode salvá-la daqui. — Ele é um carcereiro... assassino... perigoso... — repete, como se estivesse tentando exorcizar o medo. É quase doce e engraçado. Me aproximo o bastante para que minha presença pese no ar. Ela para, respira fundo, mas ainda não me vê. Então, com a voz baixa e cortante quebro o silêncio: — Então é assim que me vê? A loira congela, seus ombros sobem de susto e os olhos se arregalam antes mesmo de virar o rosto. A reação é instintiva, medo puro, cru, sincero. Ela gira o corpo devagar, com um tremor visível. Me encara como se estivesse diante da morte e talvez esteja. — Você... — sua voz falha. Ela recua um passo, encostando-se na parede como se isso a protegesse. — Eu o quê? — dou outro passo, encurtando a distância, seus lábios se entreabrem, mas nenhuma palavra sai. É isso que eu espero, silêncio e rendição. Mas ela me surpreende. Respira fundo, mesmo tremendo, e segura meu olhar. Uma idiota corajosa ou apenas inconsciente do perigo. — Porque matou meu pai? — pergunta baixo, mas firme o suficiente para irritar. Dou uma risada seca. Ela não entende, ainda tenta buscar lógica onde só existe caos. — Porque foi preciso e divertido. A vejo engolir em seco sem desviar o olhar e é nesse instante que percebo que ela ainda tem esperança e irei arrancar isso devagar. A decisão arde sob a pele, já fiz isso antes com outras. Com aquelas que também choraram, gritaram e resistiram antes de ceder. Mas de alguma forma a loirinha é diferente, ainda não sei se é pela forma como me desafia com o olhar mesmo tremendo ou por aquele silêncio cheio de perguntas que não faz. — Você viu o que não deveria ver, Mia Béla... — minha voz sai arrastada e venenosa — ...e agora me pertence e vai aprender a me temer. Dou mais um passo, a fazendo recuar e quase tropeçar. — E quando aprender... — abaixo a voz, roçando a mão em seu queixo — vai implorar para que eu não vá embora. Ela me encara, e por um segundo vejo a centelha vacilar. É o começo de sua queda e eu vou adorar assistir.






