Enrico.
Estou aqui, pela décima vez só esse mês, tentando convencer pacificamente a minha ex-esposa de que eu tenho direito de ver a minha filha, sem que ela queira se enfiar embaixo dos meus lençóis pra isso, e honestamente, minha paciência com esse assunto já está esgotada.
— Você só precisa largar esse orgulho bobo, Enrico, eu quero nossa família de volta. — Mônica tenta mais uma vez e eu dou um longo suspiro, tirando o aparelho brevemente do ouvido.
Ensaio uma resposta, mas o barulho da minha porta sendo aberta abruptamente pelo João que está branco feito um papel, me faz encerrar rapidamente a chamada.
— Bater na porta, regra básica de educação, lembra? — Coloco o telefone no gancho e ele me ignora, procurando o controle da tv — O que você…
Deixo a pergunta morrer quando vejo helicópteros rodeando um dos meus hotéis feito urubus, e a frase que se repete insistentemente na chamada da manchete, me faz perder o ar por um breve momento:
—Que porra é essa!? — Levanto em um sobressalto.
—Cala a boca e ouve — João fala, tão nervoso quanto eu.
—Nossa repórter sobrevoa, neste momento, um dos hotéis da rede Durán, de onde fontes seguras dão conta de que acaba de se jogar da varanda da suíte 202, o ator Marcos Ruas, que foi a óbito ainda no local. Alice, o que já sabemos sobre o caso?
— Pois é, Rosana, segundo informações, o ator estava hospedado na suíte 202 há dois dias, já que participava de uma gravação nas imediações. — Ela fala enquanto mais imagens do hotel são mostradas — Não existe qualquer menção ou sinal de briga no local antes do acidente e a hipótese mais aceita até agora, é de que o ator tenha cometido suicídio. Voltamos aos estúdios.
—Obrigada, Alice. Voltamos a qualquer momento, com mais informações.
—Puta que pariu! — Passo as mãos pelos meus cabelos, nervoso — Com tanto lugar pra esse idiota se jogar, ele escolhe logo a sacada do meu hotel? Que inferno!
—Esse cara é quase um Deus pra essa galera do streaming, acho bom você se preparar, porque as coisas vão ficar movimentadas no hotel. — João me olha preocupado.
— Você já convocou o escritório? — Ele nega — Porra, João! Pra que então eu pago um rim na porra do seu escritório? Você fala que tem os melhores advogados do País e nenhum deles foi esperto o suficiente pra saber que não podemos perder tempo?
—Meu escritório é o melhor, tem os advogados mais famosos do país e é por isso que nenhum deles pode pegar o caso, se é que vamos ter um caso. — Ele me olha como se dissesse algo óbvio, enquanto sigo com cara de interrogação — Pensa, Enrico: o cara agora é um mártir, eu não posso pegar os meus advogados, todos tão famosos quanto o falecido, e colocar pra advogar no caso.
—Então vai você, caramba!
—Você sabe que essa não é a minha área, mas eu sei de alguém que vai ser perfeito pra isso. — Ele abre um sorriso.
— E por que você ainda não foi atrás dele? Quem é ele? — questiono impaciente.
— Sarah. Trabalhou pra mim alguns anos atrás, era a minha melhor advogada, papai inclusive ofereceu-lhe uma porcentagem do escritório porque o concorrente só cogitou tentar contratá-la. Ela parou de advogar quando ganhou uma causa, e o réu que foi inocentado graças a ela, causou a morte de uma criança de três anos, isso foi cinco anos atrás.
— E você sabe onde encontrá-la?
—Eu não, mas o Murilo sabe. — ele sorri — Vai pra o hotel e já posiciona a equipe de marketing, com sorte eu convenço Sarah a voltar e entro com ela pela porta do seu escritório ainda hoje.
— Eu espero que essa Sarah valha realmente todo esse tempo, João… — olho sério pra ele que assente.
— Ela vale, meu amigo, você verá isso com seus próprios olhos. — Noto uma certa ironia na frase, mas resolvo ignorar.
— Aguardo vocês no hotel, o quanto antes.