HARRY RADCLIFFEO ambiente da sala de visitas é bem opressivo. Um tom de cinza uniforme cobria as paredes e o teto, iluminado por luzes frias, brancas demais, que faziam doer nos olhos se expostos demais. O que era irónico, é que havia algo naquele tipo de iluminação que parecia intensificar o vazio de tudo à volta, e para variar, a sala não tinha janelas, apenas uma mesa de madeira escura ao centro e duas cadeiras de cada lado, como se estivessem se preparando para um duelo silencioso.Sentei-me com calma. As minhas mãos ajustaram os botões do meu paletó azul-marinho, com movimentos lentos, esperando que assim o tempo passasse o mais rápido possível.Quando Herodes esteve preso, eu só havia o visitado uma única vez, com a minha mãe; acho que era uma tentativa dela me fazer acreditar, e ela própria acreditar também, que as coisas seriam diferentes, mas não foram, e por isso, aquela foi a última vez que pisei dentro de uma penitenciária.Recostei-me na cadeira e deixei os meus olhos p
HARRY RADCLIFFEO céu sobre Nova Iorque ainda chorava uma garoa insistente quando deixei a penitenciária. O cheiro de concreto molhado misturava-se ao ferro-velho dos portões. Os guardas apenas assentiram com a cabeça ao me ver sair, e fecharam os portões enquanto eu caminhava para fora do recinto total.Do lado de fora, andei até o meu carro estacionado a frente da fachada, e a medida que eu me aproximava, senti a gravata apertando a minha garganta como uma algema, e a luz acinzentada do dia me irritando. Entrei no veículo, fechei a porta com força, enquanto procurava ar e disquei um número do meu celular.— Irving — rosnei, assim que ele atendeu. — Preciso confirmar uma informação. Agora.— Boa tarde para você também, Sr. Radcliffe — respondeu ele, a voz enfastiada. — A que devo o prazer?— O nome “Fleur Étoile” te diz alguma coisa? Uma floricultura, fachada. Segundo uma fonte, pode estar lavando dinheiro para execuções contratadas.Houve um breve silêncio do outro lado.— Repete is
RUBY PORTMANO sol escaldante do início da tarde aquecia cada centímetro do jardim da casa de Milena e Edward, e mesmo com o céu límpido acima das nossas cabeças, uma brisa suave trazia certo frescor que tornava tudo mais suportável. A piscina brilhava com tons turquesa, refletindo o movimento lento das folhas das palmeiras que contornavam os muros altos da propriedade. Vivendo em apartamento, obviamente não poderia dispensar um bom mergulho, e agora estava dentro d'água, com o corpo imerso até a cintura, os cotovelos apoiados na borda, os braços cruzados e a cabeça repousando sobre um deles. Observava tudo em silêncio, absorta.A casa deles era simplesmente maravilhosa. Tinha aquele charme das residências brasileiras de arquitetura contemporânea, com linhas retas, madeira de demolição, concreto aparente e vidros amplos que deixavam a luz circular sem restrição. Os ambientes se conectavam sem rigidez, criando uma fluidez leve e sofisticada. Milena sempre teve um olhar afiado para pro
RUBY PORTMANA noite descia lenta sobre a casa do meu lindo casal favorito, tingindo as amplas janelas de vidro com tons alaranjados que logo se transformavam em um azul profundo e sereno. A luz da sala era suave, amarela, refletida no piso de madeira escura e nas paredes em tons neutros, realçando o charme contemporâneo da arquitetura que Milena havia concebido com tanto cuidado. Aquela casa tinha alma. E nossa, meu sonho é ter algo semelhante, não é como se eu não adorasse o meu apartamento, porque adoro, mas é diferente… é diferente porque eles nem passam o tempo todo aqui, mas é uma extensão deles.Estávamos os três sentados na sala, no fundo, tocava um baixo só de jazz que Edward fez muita, mas muita questão de colocar, e ficamos a conversar entre um gole de vinho e outro. Edward, com um dos pés apoiado no apoio do sofá, tamborilava os dedos sobre a barriga enquanto falava:— Aquele pediatra em Florença ainda atende? Abigail nasceu aqui nos Estados Unidos, mas… a nova menina pre
HARRY RADCLIFFE18 ANOS ATRÁS...Chegar a Brooklyn naquela noite abafada de agosto foi menos um recomeço e mais uma mudança de célula. Nada poético. Nada romântico. Apenas prático. Não havia mais amarras. Nenhuma explicação a dar. Eu e Steffan. Era isso. Um estúdio minúsculo, paredes encardidas, uma janela emperrada e um banheiro que vazava mais do que funcionava. Ainda assim, melhor do que qualquer coisa que vivemos nos últimos anos. E o aluguel cabia no bolso. Isso era o que importava.O dinheiro que guardei nos dois anos anteriores, sem que Herodes ou Lorena soubessem, pagava os primeiros três meses de aluguel e ainda permitiu que comprássemos roupas decentes, o importante nisso tudo era nos manter limpos, saudáveis e com a barriga cheia para que ninguém nos denunciasse ao conselho tutelar e fossemos parar a um orfanato, ou pior, que fossemos separados, já que faltava menos de um ano para eu completar dezoito, e nada me garantiria que eu conseguiria a guarda do meu irmão de volta.
HARRY RADCLIFFETrabalhar como estoquista em uma farmácia durante o dia não era o pior dos castigos. O gerente era um idiota paternalista que adorava repetir frases como “quem quer, trabalha” e “todo mundo tem um início humilde”. Engolia aquilo por um salário mínimo e o benefício de não ter que falar muito. Apenas baixar a cabeça, empilhar caixas e manter os registos em ordem. Nisso, eu era bom. E ninguém se aproximava.À noite, trocava de roupa nos fundos da farmácia e seguia direto para o bar em Clinton Hill. Era um bar pequeno, meio sujo, frequentado por universitários que não sabiam beber e senhores de meia-idade que sabiam demais. Ali, ser educado era uma conveniência. Fingia um sorriso, anotava pedidos, desviava de mãos inoportunas e mentia com naturalidade quando diziam que estavam sem dinheiro para a gorjeta.— Quer pagar depois? — eu perguntava, sem esperar resposta. — Que generoso da sua parte achar que isso é um restaurante beneficente.A maioria se calava, seja lá o porquê
RUBY PORTMANDesliguei o tablet e o deixei de lado, pousando-o sobre o sofá. Peguei a minha taça de vinho branco, girando o líquido suavemente antes de levar a taça aos lábios. Três anos. Três longos anos haviam se passado desde o desaparecimento de Harry e da sua família. Eu estava prestes a completar 30 anos, uma nova década de vida se aproximando, mas minha mente ainda insistia em voltar ao que aconteceu, ou ao que deixou de acontecer. Três anos de ausência, de silêncio, de especulações e de um vazio que, por mais que eu tentasse, nunca conseguia preencher completamente.Durante esse tempo, eu havia tentado de tudo para esquecer, para seguir em frente. Queria sentir raiva de Harry, nutrir um ressentimento profundo por ele, por ter me deixado sem respostas, sem um adeus. Queria odiá-lo, desejar que ele pagasse por tudo de ruim que significou na minha vida. No entanto, a cada semana, sem falhar, eu pegava-me lendo tabloides, procurando por qualquer sinal, qualquer notícia que dissess
RUBY PORTMANDespedindo-me de Johnny com um aceno rápido, deixei-o na cozinha e me dirigi à porta. Ele estava ocupado com algo, talvez preparando um jantar, ou procurando alguma bebida, como de costume, não questionou a minha saída repentina. Eu sabia que assim que eu chegasse não o encontraria mais, já que nos víamos apenas aos finais de semana, e, muito raramente nos dias úteis, já que eu trabalhava mais do que devia, ele também. E a nossa relação funcionava assim, ninguém se aborrecia com ninguém e tínhamos cada um o seu espaço, embora eu sempre soube que ele quer algo, além disso, já que ultimamente o tema casamento não tem saído da sua boca.Saí do apartamento e entrei no elevador, pressionando o botão para o piso térreo. Enquanto descia, a minha mente vagava, como sempre fazia nessas horas. As paredes do elevador refletiam uma versão minha que parecia diferente da jovem que havia começado a trabalhar na Radcliffe’s tantos anos atrás. Havia uma maturidade que o tempo e as experiê