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Entre Seda e Cicatrizes

Naquela noite, Bela não conseguia dormir.

As imagens da Casa Silken dançavam em sua mente como sombras em seda: os vestidos suspensos como corpos etéreos, o cheiro denso de jasmim que parecia se agarrar aos seus cabelos, os corredores que pareciam mais longos à medida que o silêncio se aprofundava. Mas o que a mantinha acordada era o olhar do pai de Niran — frio como mármore antigo — e, acima de tudo, o toque amargo na voz de Pravat ao falar da mãe.

“Isso tudo pode parecer belo por fora, mas está apodrecendo por dentro.”

Essas palavras ecoavam como uma oração corrompida, repetindo-se em um ciclo de lembrança e inquietação. Ela se virava na cama, os lençóis embolados ao redor do corpo, tentando afastar aquela sensação sufocante de que havia tocado, sem querer, em uma ferida aberta. Pravat não era só mistério. Ele era dor e raiva cuidadosamente guardadas sob camadas de silêncio.

E, paradoxalmente, era isso que mais a atraía nele.

Não os olhos escuros ou a postura quase militar. Mas o que havia por trás. Algo indomável, quase quebrado, mas real. A verdade sem polimento que o tornava humano, imperfeito. Vivo.


No dia seguinte, Bela chegou cedo à aula prática de tingimento natural. Queria ocupar a cabeça. Queria cores, texturas, alguma coisa que a fizesse sentir o presente em vez de se perder no passado de outra pessoa.

Mas assim que atravessou a porta do laboratório, seu coração falhou um compasso.

Pravat estava lá.

Sentado à bancada do fundo, sozinho, enrolando calmamente um pedaço de seda branca entre os dedos. O movimento era hipnótico, como se ele estivesse tentando domar um pensamento, costurá-lo em silêncio. Não usava o uniforme — nunca usava. Apenas uma camiseta cinza, justa demais para não ser notada, e a mesma expressão ausente de sempre, como se sua alma estivesse em outro lugar.

Ela tentou fingir que não o viu. Mas ele a notou no instante em que entrou.

E não desviou o olhar.

Havia algo diferente naquele momento. Um fio invisível que ligava os dois, esticado ao ponto da ruptura. E, dessa vez, tampouco ela desviou os olhos.

A professora pediu que os alunos se dividissem em duplas. Bela hesitou por um instante, seu olhar vagando em busca de uma alternativa. Mas antes que pudesse decidir, a voz dele soou atrás de si — firme, baixa, impossível de ignorar.

— Vamos trabalhar juntos.

Não era uma pergunta.

Ela assentiu em silêncio, tentando controlar o arrepio que subiu pelas costas, como se o ar ao redor dele estivesse carregado de algo mais denso que eletricidade.

Sentaram-se lado a lado, dividindo um pedaço de seda ainda virgem sobre a mesa. O calor que emanava dele era quase palpável. Enquanto os outros alunos conversavam ou riam entre si, Pravat mergulhava os dedos nos pigmentos com uma precisão quase ritualística, como se estivesse pintando uma ferida antiga.

— Você veio mesmo pra ficar, né? — ele perguntou, sem olhá-la, sua voz baixa, como se estivesse falando mais consigo mesmo.

— Não costumo fugir fácil — respondeu ela, observando os movimentos dele.

Ele soltou um meio sorriso, cético, quase triste.

— Isso pode ser um problema.

— Por quê? — ela perguntou, inclinando a cabeça levemente, sem desviar os olhos dele.

Ele parou de mexer no tecido, apoiou os cotovelos na bancada e a encarou. O olhar dele tinha um peso que a fez prender a respiração.

— Porque eu não sou o cara que você pensa. E essa história da minha família… não é conto de fada com final feliz.

— Eu não quero um conto de fada, Pravat. Quero a verdade.

Ele riu, mas era um riso ferido, quebrado em suas bordas.

— A verdade pode queimar mais do que qualquer corante nessa sala.

Ela não respondeu. Voltou a mergulhar a seda na água com extrato de índigo, observando o azul profundo emergir como um segredo revelado. Era bonito. Mas, como ele dissera, a beleza podia esconder o que apodrece por dentro.

Durante a aula, não falaram mais. Mas o silêncio entre eles estava carregado de significados. Os toques ocasionais nas bordas do tecido, os olhares roubados, os gestos espelhados — tudo parecia dizer mais do que qualquer palavra.

Quando o sinal soou, encerrando a prática, Pravat começou a recolher seus materiais com calma. Bela também. Mas antes de sair, ele parou ao lado dela, a expressão mais séria do que nunca.

— Hoje à noite. Atrás do pavilhão três. Tem algo que quero te mostrar.

E então saiu. Sem esperar resposta.


O céu estava pintado de tons rosados quando Bela chegou ao ponto combinado. O pavilhão três ficava em uma área pouco movimentada do campus, rodeado por árvores antigas e caminhos de pedra cobertos por folhas. O mundo parecia mais lento ali, como se o tempo hesitasse em seguir.

Ela ouviu o ronco de uma moto antes mesmo de vê-lo.

Pravat surgiu devagar, como se fosse parte da própria escuridão. Desceu da moto com a mesma elegância indiferente de sempre, o capacete pendurado no braço e os olhos fixos nela.

— Pensei que você não viria — disse ele, parando a poucos passos.

— Pensei o mesmo de você.

Ele sorriu de leve. Um sorriso quase imperceptível, mas que mexeu com algo dentro dela. Como se tivesse desbloqueado uma memória que ainda não existia.

— Vem. Quero te mostrar algo.

Caminharam por uma trilha estreita atrás do campus, o chão coberto por raízes retorcidas e folhas úmidas. Pravat andava na frente, mas virava de vez em quando para se certificar de que ela o seguia. Seu silêncio não era vazio; era denso, como se carregasse palavras demais que não sabiam como sair.

Chegaram a um pequeno templo abandonado, escondido entre as árvores. Era uma construção simples, feita de pedra clara, parcialmente coberta por musgo. Não havia estátuas nem altares — apenas tecidos antigos pendurados nas paredes, os desenhos desbotados pelo tempo. Símbolos estranhos, quase esquecidos.

— Esse era o lugar secreto da minha mãe — disse ele, com a voz mais suave do que ela jamais ouvira. — Quando ela não aguentava mais nada, vinha pra cá. Me trazia junto quando eu era criança. Dizia que o silêncio daqui ajudava a escutar o que o coração tentava dizer.

Bela caminhou lentamente pelo espaço, os olhos fixos nos tecidos. Tocou um deles com reverência, sentindo sob os dedos o relevo de linhas gastas.

— É lindo.

— Era o único lugar onde ela sorria de verdade — disse Pravat.

O silêncio que se seguiu não era desconfortável. Era cheio de coisas que não sabiam nomear. Bela olhou para ele e, pela primeira vez, viu o menino que ele devia ter sido. Alguém que aprendeu cedo demais que beleza e dor podem andar de mãos dadas.

Ele se aproximou sem pressa. E, quando estava perto o suficiente para que ela sentisse seu cheiro — algo entre madeira e noite —, falou quase num sussurro:

— Você mexe comigo.

Bela sentiu o coração acelerar. Não do jeito romântico dos filmes. Era algo mais profundo, mais perigoso.

— E você me assusta — respondeu, com sinceridade.

Ele sorriu, e havia algo triste e bonito naquele sorriso.

— É um bom começo.

Então ele a beijou.

Não foi um beijo apressado ou ensaiado. Foi um encontro de mundos. Uma colisão de memórias e silêncios. Bela sentiu-se invadida por uma torrente de sensações que não sabia nomear. E correspondeu. Porque naquele beijo havia perguntas sem resposta, dores não ditas, beleza crua — tudo que ela sempre quis entender.

Quando se separaram, Pravat encostou a testa na dela e sussurrou:

— Isso não vai ser fácil.

Ela sorriu, mesmo sentindo o peso da verdade se instalar entre eles.

— As coisas que mais valem a pena nunca são.


Na volta ao dormitório, Bela caminhava devagar, os passos leves como se flutuasse. Olhava para o céu, onde as estrelas começavam a surgir, tímidas, como se espreitassem os segredos da terra.

Algo estava nascendo ali.

Algo novo. Confuso. Talvez perigoso.

Mas algumas linhas…

Algumas linhas foram feitas para serem atravessadas.

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