O som do salto de Lívia ecoava pelo saguão de vidro da Valentin Company. Ela tentava ignorar a sensação de que cada passo era observado - talvez fosse apenas o nervosismo, afinal, era o dia da sua entrevista.
O prédio, imponente e minimalista, parecia feito para intimidar.
Respirou fundo antes de se anunciar na recepção.
- Bom dia, tenho entrevista para a vaga de assistente de marketing - disse à recepcionista, que sorriu mecanicamente e pediu para que aguardasse.
Lívia se sentou no sofá de couro e ajeitou a saia lápis preta. Não sabia se estava mais ansiosa pela vaga ou pelo fato de estar diante da empresa que era referência no país. E foi nesse momento, enquanto observava o movimento ao redor, que o viu.
Ele entrou pelo corredor lateral com passos firmes, acompanhado de dois homens mais velhos. O terno perfeitamente ajustado, a gravata sóbria, e aquele olhar… escuro, intenso, como se pudesse atravessar qualquer defesa. Arthur Valentini.
O dono da empresa.
Lívia reconheceu o rosto de imediato - já o tinha visto em revistas e reportagens - mas nada se comparava a estar diante dele. Arthur conversava com os homens ao lado, mas por um instante, seus olhos encontraram os dela. Não foi um olhar casual. Foi como se ele parasse para avaliá-la.
Ela desviou rapidamente, mas sentiu o rosto aquecer.
- Senhor Valentini, esta é a candidata para a vaga de assistente do setor de criação - anunciou a recepcionista, quebrando o silêncio.
Arthur se aproximou. Não tão perto a ponto de invadir seu espaço, mas o suficiente para que ela sentisse o cheiro sutil de seu perfume amadeirado.
- Lívia Monteiro - ele leu no crachá provisório preso à sua blusa. - Vamos ver se você é tão boa quanto seu currículo diz.
Não houve sorriso. Apenas aquela expressão neutra e controlada que, estranhamente, fez seu estômago revirar.
Ele conduziu a entrevista pessoalmente. Durante todo o tempo, fazia perguntas objetivas, mas havia algo na forma como a observava que a deixava inquieta. Era como se tentasse decifrá-la — ou testar seus limites.
Quando ela respondeu a uma das perguntas com uma ideia ousada, viu um leve movimento em seus lábios. Não era um sorriso completo, mas parecia aprovação.
— Gosto de quem não tem medo de arriscar — disse ele, fechando a pasta com seu currículo. — Mas lembre-se: aqui, confiança demais pode ser uma fraqueza.
A entrevista terminou sem que ele deixasse transparecer qualquer decisão. Ao se despedir, seu olhar percorreu rapidamente o rosto dela, como se estivesse gravando cada detalhe.
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Dois dias depois, o e-mail chegou: Parabéns, você foi aprovada para a vaga de assistente de marketing na Valentin Company.
Lívia mal acreditou. No primeiro dia de trabalho, foi recebida por Mariana, a coordenadora da equipe. Tudo parecia fluir bem, até que, no meio da manhã, recebeu um recado:
— O senhor Valentini quer falar com você na sala dele.
O coração acelerou.
Quando entrou, Arthur estava de pé, olhando pela janela panorâmica que revelava a cidade inteira. Ele não se virou imediatamente.
— Você chegou cedo hoje — comentou, finalmente voltando-se para ela. — Gosto disso.
O olhar dele pousou nos olhos dela, e o silêncio que se seguiu pareceu mais denso do que qualquer conversa.
— Quero que trabalhe diretamente comigo em alguns projetos especiais — disse, sem rodeios. — Vai significar horas extras, viagens e… discrição.
Ela engoliu em seco.
— Discrição?
Arthur deu um passo à frente, aproximando-se até que pudesse sentir sua respiração.
— Neste cargo, você vai saber coisas que não podem sair desta sala. Confio que você entende o que isso significa.
O tom dele não era uma pergunta, mas uma ordem velada. Ainda assim, havia algo naquele momento que não era apenas profissional. O jeito como seus olhos desciam lentamente pelo rosto dela, o leve inclinar da cabeça… parecia um teste.
— Entendo perfeitamente — respondeu, tentando manter a voz firme.
Arthur sorriu de lado — um sorriso discreto, mas carregado de algo que ela não conseguia identificar.
— Ótimo. Vamos começar amanhã cedo. Prepare-se.
Ao sair da sala, o coração de Lívia martelava. Sabia que havia algo ali além de trabalho. Não sabia se queria fugir… ou mergulhar de cabeça.
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Naquela noite, enquanto revisava alguns documentos, recebeu uma mensagem de número desconhecido:
"O café da sala de reuniões é horrível. Amanhã, às 7h, me traga um que valha a pena."
Sem assinatura.
Mas ela sabia exatamente de quem era.
E, de repente, o emprego dos sonhos parecia ser muito mais perigoso — e muito mais tentador — do que imaginava.