Na manhã seguinte, acordei sentindo dores lancinantes.
As células cancerígenas queimavam meu corpo como chamas, mas os analgésicos permitiam que eu mantivesse uma aparência de calma.
Forcei-me a levantar da cama. Havia muitas coisas a fazer naquele dia.
Ao descer as escadas, ouvi o riso de Sarah vindo da sala de estar.
Ela estava sentada no colo de Beatriz, as duas olhando um livro ilustrado.
– Mamãe Beatriz, essa princesa é tão linda!
Sarah apontou animada para a página do livro.
– É sim, tão linda quanto a nossa Sarah.
Beatriz beijou delicadamente a testa dela.
Ao me ver, Sarah apenas lançou um olhar rápido, voltando logo em seguida sua atenção para o livro, como se eu não passasse de uma transeunte irrelevante.
– Bom dia, Sarah.
Tentei me aproximar.
– Bom dia.
Ela respondeu de forma displicente, puxando a mão de Beatriz:
– Mamãe Beatriz, vamos ao jardim ver as borboletas, pode ser?
– Espere um pouquinho, querida.
Beatriz fingiu preocupação ao me olhar:
– Sua mãe talvez queira falar com você.
– Eu não quero ouvir.
Sarah fez um biquinho:
– Mamãe está sempre ocupada, nunca brinca comigo.
Meu coração doeu como se fosse cortado por uma lâmina.
Sim, todos esses anos eu realmente passei pouco tempo com ela por causa da empresa.
E Beatriz, ela sempre encontrava tempo para Sarah.
– Não tem problema, podem ir brincar.
Forcei um sorriso.
Apoiei-me na parede ao ver as duas saindo de mãos dadas.
Não era apenas a dor física, era também a dor no coração.
Na sala de jantar, Francisco assistia às notícias econômicas.
Ao me ver entrar, apenas levantou os olhos rapidamente.
– Você está com uma aparência péssima.
Franziu a testa:
– Não force tanto.
– Estou bem.
Sentei-me:
– Quero conversar com você.
– Sobre o quê?
Ele largou o iPad, impaciente.
– Sobre nosso acordo pré-nupcial.
Retirei os documentos que havia preparado:
– Quero fazer algumas alterações.
Francisco pegou os papéis e, ao ler, perguntou:
– Valentina, você quer abrir mão de todos os direitos de partilha de bens?
– Sim.
Disse com calma:
– Se eu... se algo acontecer comigo, quero que todos os bens fiquem com você, incluindo o fundo fiduciário que meus pais deixaram.
– Também quero deixar minha coleção de obras de arte para a Beatriz. – Continuei.
– O quê?
Francisco me olhou, chocado:
– Até o Monet autêntico da sua mãe, você vai dar para ela?
– Ela gosta de arte, tem mais aptidão para cuidar disso do que eu. – Falei. – Considere como um presente de casamento adiantado.
O ar ficou subitamente pesado.
Francisco me fitou friamente:
– Valentina, o que você pretende afinal?
– Não pretendo nada.
Falei serenamente:
– Só estou cansada. Quero abrir mão de tudo.
– Você já sabe?
O rosto dele mudou de expressão.
– As câmeras do hotel, as faturas do cartão de crédito, e a Sarah chamando-a de mamãe Beatriz.
Sorri amargamente:
– Francisco, você realmente achou que eu não sabia de nada?
Ele ficou em silêncio.
– Não te culpo.
Continuei:
– A culpa é minha, por sempre discutir com você sobre a empresa, por ser tão autoritária. Beatriz é gentil, compreensiva, nunca te contradiz. Ela combina mais com você.
– Valentina!
– À tarde vou à empresa para anunciar a transferência das minhas ações à Beatriz.
Levantei-me:
– Ela vai entrar oficialmente no conselho de administração.
– Você está louca!
Francisco se levantou bruscamente:
– São ações no valor de dois bilhões!
– Não estou louca.
Olhei para o jardim, onde Beatriz e Sarah brincavam:
– Só quero que vocês sejam felizes.