9. Eu a magoei

Lucas Park

     Passei tanto tempo sofrendo — física e psicologicamente — me preparando, me privando de uma vida normal, tudo para estar apto a me colocar novamente diante dela. Em nenhum momento cogitei a possibilidade de que ela me rejeitaria. Mas, talvez, fosse merecido.

     — Me perdoe por nunca ter retornado suas ligações — comecei, com a voz mais baixa do que pretendia. Era a conversa que eu vinha ensaiando há tanto tempo. — Eu só achei que você ficaria bem sem mim. Você sempre pareceu ficar.

     Ela forçou um sorriso que não alcançou os olhos.

     — Estou muito bem, obrigada — respondeu, seca. — Já pode me deixar em paz agora.

     Cada palavra dela, envolta naquele sorriso falso, fez meu coração se apertar com a culpa. Eu a tinha magoado de formas que nem conseguia medir. E agora, ver o peso que aquilo tudo ainda carregava para ela era como uma punhalada lenta. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu realmente não tivesse me esforçado o suficiente.

     Pude ver em seus olhos que ela acreditava que a havia deixado para trás por escolha. Mas essa não era nem de longe a verdade. Eu não a deixaria saber de minha luta e miséria para poder retornar ao seu lado.  E claramente havia falhado. Não só por não ter retornado antes, mas por ter subestimado o impacto de minha ausência.

     — É tão difícil assim olhar para mim? — perguntei, sentindo minha voz falhar — Ou será que minha pronuncia não está sendo clara o suficiente para te manter interessada?

     — Sim, é difícil olhar para você — tornou rispidamente — Assim como é dificil ouvir seu sotaque sem sentir repulsa.

Ouvi-la dizer sobre meu sotaque foi como se tivesse me dito que odiava a pessoa que eu havia me tornado, sem nem mesmo me dar a chance de eu explicar. Não estava em meu completo domínio minha dicção, e nem mesmo pensei que causaria tanto desconforto nela. Até onde pude perceber, todas as garotas com quem troquei algumas palavras naquela m*****a festa, haviam achado muito encantador minha pronuncia. Minha mente entraria em colapso se continuasse pensando que minha voz, independente do que eu falasse, pudesse causar nela aversão, mesmo não sendo isso o que via em seus olhos.

Ela não sabia o quanto eu havia desejado estar ao seu lado, e ainda desejava, mas como poderia explicar isso agora? Como eu poderia dizer que, enquanto ela lidava com suas próprias dores, de ter sido deixada para trás sem nem mesmo uma explicação, eu estava preso em uma cama, incapaz de sequer me levantar sozinho?  Como eu poderia dizer a ela toda a verdade, sem choca-la ou pior, faze-la sentir pena de mim? Talvez meu pai estivesse certo em me orientar a omitir esse pequeno detalhe, mas isso só fazia a culpa pesar ainda mais. Sentia que cada segundo longe dela havia sido uma escolha, uma falha, a completa falta de capacidade necessária para ser quem ela esperava que eu fosse, mesmo que na realidade, minha própria vida não estivesse em meu controle.

— Por que foi até minha casa? — Disse ela, interrompendo meus pensamentos.

— Eu te devo uma explicação, e fui até la para da-la a você e a sua família. ― respondi, buscando em seus olhos a verdade que suas palavras me negavam.

— Você não estava lá quando eu precisei de você — disse sombria — Explicação nenhuma me fará mudar de opinião.

     Ao ouvi-la colocar em palavras o que tanto te machucou, meu peito se apertou ainda mais. Foi como se ela apenas afundasse ainda mais aquela adaga que a pouco havia cravado ali. E embora doesse, embora desejasse dizer a ela como senti sua falta e que jamais a deixaria passar pela perda novamente, nada pude fazer. Tocar naquele assunto delicado que era a morte de seu pai, a faria ter mais raiva de mim, e dessa vez poderia ser definitiva.

Estiquei minha mão para alcançar a sua, eu precisava acalma-la, caso contrário eu seria o próximo a dizer aquilo que não devia. Mas minha mão foi afastada, quando ela se levantou, e sem nem mesmo me dizer a razão ou para onde iria, se pos a caminhar pelo gramado, saindo do perímetro daquela casa. Ela não poderia ir muito longe sozinha e a pé. Se precisava de um tempo e espaço, eu daria a ela. A seguiria de longe, imperceptível, apenas para garantir sua segurança.

Quando me coloquei de pé, pronto para segui-la, senti uma mão tocar meu ombro, me impedindo de seguir.

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