Mundo ficciónIniciar sesión— Estou, estou... — menti, escondendo o braço ferido atrás das costas. — Mas o lobo... Kai, ele precisa de ajuda.
Os olhos castanho-escuros dele se voltaram para o animal caído, e por um segundo — apenas um segundo — vi algo passar por sua expressão. Reconhecimento? Preocupação?
Mas desapareceu tão rápido que achei ter imaginado.
Kai se aproximou do lobo com cautela, agachando-se ao lado dele. Observou o animal em silêncio por um momento antes de se levantar.
— Vá pra casa, Ayla.
— O quê? Não! A gente precisa levá-lo a um veterinário ou—
— Não. — A voz dele era firme, final. — Vou ligar pra alguém que cuida de animais selvagens. Eles virão buscá-lo.
— Mas—
— *Ayla.* — Ele se virou para mim, e a intensidade no olhar dele me calou. — Vai. Pra. Casa. Está tarde e perigoso você ficar aqui. Eu cuido disso.
Mordi o lábio, dividida entre a preocupação pelo animal e a vontade de discutir. Mas conhecia Kai tempo suficiente para saber quando não adiantava argumentar.
— Você vai me ligar quando souber como ele está?
— Vou. Agora vai.
Olhei para o lobo uma última vez antes de voltar para meu carro. Cada célula do meu corpo gritava que algo estava errado, mas eu não conseguia identificar *o quê*.
***
A casa estava silenciosa quando entrei. Emma e Sophie já dormiam há horas, suas portas fechadas no corredor. Subi as escadas devagar, cada degrau rangendo sob meus pés, e entrei no meu quarto.
Sentei na cama, ainda com a roupa úmida, e olhei para o braço ferido. O sangue tinha encharcado a manga da blusa, manchando o tecido de vermelho-escuro. Deveria ter doído mais. Deveria ter me preocupado mais.
Mas tudo que eu conseguia pensar era naquele lobo. Nos olhos dele.
E em como Kai tinha reagido.
Deitei na cama sem trocar de roupa, abraçando o travesseiro enquanto observava a janela. A casa de Kai ficava logo ao lado, praticamente colada à nossa. Dava para ver a luz da garagem dele através das cortinas finas.
*Ele vai voltar logo*, pensei. *Vai me contar o que aconteceu.*
Mas as horas passaram. Onze e meia. Meia-noite. Meia-noite e quinze.
Cada minuto que passava aumentava o aperto no meu peito.
Quando finalmente ouvi o ronco da picape dele estacionando, era quase uma da manhã. Me levantei num impulso, ignorando a tontura, e desci as escadas nas pontas dos pés.
Abri a porta da frente no momento em que Kai estava subindo os degraus da própria casa.
— Kai.
Ele parou, se virando lentamente. À luz fraca da varanda, pude ver melhor seu rosto. Havia tensão ali, linhas de preocupação que normalmente não existiam.
— Você deveria estar dormindo. — Não era acusação, apenas constatação cansada.
— Como eu ia conseguir dormir sem saber se ele está bem?
Kai desceu os degraus e atravessou os poucos metros que separavam nossas casas. Ficamos ali parados, eu de pijama e ele com a jaqueta suja de lama.
— O lobo vai ficar bem. Levaram ele pra uma área fora da cidade onde vão cuidar dele até se recuperar.
— Ele vai sobreviver?
— Vai. — Uma pausa. — Mas Ayla, você não pode fazer isso de novo.
— Fazer o quê?
— Se aproximar de lobos selvagens. — A voz dele endureceu. — Eles são perigosos. Atacam humanos. Você *sabe* disso.
— Eu sei, mas ele estava machucado e—
— E ele poderia ter te matado. — Kai passou a mão pelo cabelo, frustrado. — Esses animais não pensam como a gente. Instinto de sobrevivência supera qualquer coisa. Você teve sorte de sair ilesa.
Desviei o olhar, culpa e defesa brigando dentro de mim.
— Como você sabe tanto sobre lobos? — perguntei, tentando mudar o rumo da conversa.
Ele ficou tenso.
— A gente vive ao lado de uma floresta, Ayla. Aprendi a respeitar os animais daqui. — Cruzou os braços. — Agora vai dormir. Amanhã você tem aula.
Antes que eu pudesse responder, algo mudou na expressão dele. As narinas se abriram levemente, como se estivesse... *farejando*?
— Ayla. — A voz saiu baixa, perigosa. — Você está sangrando.







