Mundo de ficçãoIniciar sessãoMolly Collins
O relógio marcava 15h47 quando eu esfregava a última mesa do canto, a que sempre tinha anéis de copo marcados na madeira. O cheiro de água sanitária e gordra antiga enchia o ar, um perfume que já era parte de mim. Só mais alguns minutos e eu poderia enfim descansar os pés antes do turno da limpeza nos escritórios.
Foi então que a porta do Blue Star rangeu de forma violenta, e uma figura familiar — e totalmente fora de contexto — irrompeu no restaurante vazio.
Megan.
Ela estava… bem, ela parecia um pássaro tropical que tinha caído em um lixão. Vestia um macacão prateado que brilhava até demais para a luz do fim de tarde, salto alto que clicava no chão sujo como tiros, e a maquiagem — pesada, glamourosa — estava levemente borrada em um dos olhos, sinal claro de que ela vinha direto de alguma festa em Manhattan. Ou de várias.
— Maya! Achava que você já teria ido embora!—, ela gritou, com aquela voz aguda e cheia da energia artificial de quem não dorme há vinte horas.
Parei com o pano de prato na mão, sentindo o velho frio na espinha. Megan era como um furacão cor-de-rosa: bonita de se ver, mas destruidora. A conheci há quase um ano, num daqueles becos atrás do restaurante. Encontrei-a desacordada, com a bolsa aberta e dois homens revirando seus pertences. Ajudei-a. Chamei ajuda, fiquei com ela até acordar. Foi um erro. Um erro com bom coração, mas ainda assim um erro.
Desde então, ela aparecia de vez em quando no subúrbio, como se fosse uma aventura turística. Megan era rica — do tipo que não trabalhava, que estudava “artes” em uma faculdade particular e que podia passar a noite em festas com Aurelianos e herdeiros sem se preocupar em acordar cedo.
— Megan, que que você tá fazendo aqui?—, sussurrei, jogando um olhar rápido para a cozinha, onde o Gerry, meu chefe, podia estar ouvindo.
— Precisava te ver! —, ela disse, se apoiando pesadamente no balcão. —Você não vai acreditar na noite que eu tive… Conheci o Aureliano lindo de todos, o mais cobiçado entre as solteiras e casadas aurelianas e humanas. Um de verdade! Ele era lindo, Maya, os olhos dele brilhavam como… como ouro! Ele tinha uma aura tão sombria e ao mesmo tempo era tão elegante e galante. Tipo algo liralmente de fora deste planeta.
Seu sorriso era largo, inocente e completamente alheio ao perigo. Ela não entendia. Nunca entenderia. Pessoas como ela não deviam estar aqui. Sua presença era um farol. Chamava atenção. E atenção era a última coisa que eu ou qualquer um do nosso lado precisava.
—Você não deveria vir aqui, Meg —, falei, baixinho, tentando não parecer rude, mas firme. — É perigoso. E seu pai… ele não ia gostar.
— Ah, para com isso! Você sempre fala isso. Eu posso cuidar de mim mesma.
Mas ela não podia. Naquela noite no beco, ela não pôde. Ela era um peixe fora d’água — uma água cheia de tubarões.
— Além do mais, — ela continuou, ignorando completamente minha tensão, — eu trouxe algo para você.— Ela enfiou a mão na bolsa de designer — que custava mais que meu aluguel de um ano — e tirou um envelope branco.
— É um convite. Tem uma festa amanhã no alto de um prédio da Quinta Avenida. Vai ter gente importante e eu posso levar um convidado. Os melhores chefs da cidade irão cozinhar você terá o prazer de provar a comida deles.
Ela estendeu o envelope para mim, com um sorriso de quem estava oferecendo ouro.
Eu olhei para aquele pedaço de papel como se fosse uma arma. Uma festa no alto da Quinta Avenida. Onde os ricos e os Aurelianos se misturavam como se o mundo lá embaixo não existisse. Onde eu, Maya Collins, com meu jeans surrado e mãos calejadas, seria no máximo… a curiosidade da noite.
— Megan… eu não posso.
— Claro que pode! Vai ser divertido! Você precisa sair dessa… dessa rotina.
Ela não entendia. Aquela “rotina” era a minha sobrevivência. Sonhar com uma noite no mundo dela era perigoso. Era como brincar com fogo — e eu já tinha marcas de queimadura suficientes.
— Não é meu lugar, Meg.
O rosto dela ficou sério pela primeira vez.
— Todo lugar é seu lugar se você quiser, Maya.
Mas ela estava errada. Nesse mundo dividido, seu lugar era determinado pelo seu sobrenome, pelo seu sangue, pela sua conta bancária. E o meu… bem, o meu lugar era aqui, limpando mesas e sonhando com um futuro que provavelmente nunca chegaria.
E, no fundo, um pedaço pequeno e teimoso de mim queria acreditar nela. Mas a realidade era uma mestra dura — e eu já tinha aprendido minhas lições.







