CAP-02

O salão estava deslumbrante. Lustres de cristal reluziam como estrelas presas ao teto, lançando fragmentos de luz sobre vestidos caros e sorrisos cuidadosamente falsos. As taças tilintavam, os acordes suaves do quarteto de cordas preenchiam o ar, e os sussurros corriam como serpentes entre os convidados.

E eu... estava linda.

O vestido dourado abraçava meu corpo como uma segunda pele, reluzindo sob as luzes como se eu tivesse sido moldada pela própria noite. Cabelos presos num coque elegante, maquiagem sutil, mas marcante. A mulher no espelho não parecia comigo — ela era a versão que o mundo esperava ver. A irmã do Dom. A anfitriã. Um troféu silencioso.

Mas por dentro... eu estava gelada.

— Pronta, maninha ? — perguntou Paolo ao me ver descer as escadas.

Seus olhos se suavizaram ao me ver. Sorriu com orgulho, mas também com um brilho melancólico que só eu conseguia notar. Ajeitou a lapela do terno, ofereceu-me o braço, e juntos caminhamos para o salão.

Recebemos os convidados com a cortesia impecável de quem sabe jogar o jogo. Ele sorria, apertava mãos, trocava palavras em códigos. E eu sorria também — o sorriso que aprendi a usar quando não queria mostrar o que sentia. Em nenhum momento Paolo me deixou só. Seu braço sempre ali, sua presença firme como um escudo.

Quando os cumprimentos terminaram, ele me puxou para um canto mais tranquilo do salão, onde podíamos ver tudo sem sermos vistos de perto. A música ainda tocava, agora um bolero discreto. Ele me ofereceu uma taça, mas eu neguei com um gesto. Meu estômago estava fechado.

— Você está maravilhosa, Isa. Estão todos encantados — disse ele, com um sorriso sincero.

— E você, está satisfeito com os olhares famintos? — perguntei, meio brincando, meio ferida.

Ele riu, balançando a cabeça.

— Estou satisfeito que todos saibam que você é o meu maior tesouro. E que ninguém jamais se atreverá a tocar no que é precioso para mim.

Suas palavras não soaram como uma ameaça. Soaram como uma promessa. Como uma oração.

Caminhamos juntos pelo salão, lentamente. Ele me contava histórias engraçadas de aliados antigos, me fazendo rir sem esforço. A tensão em meus ombros começava a se dissolver pouco a pouco. Com Paolo ao meu lado, tudo parecia suportável.

Mas mesmo rindo, mesmo me sentindo segura, o medo não foi embora.

Estava ali, escondido nas sombras entre as colunas, atrás de um olhar que durou um segundo a mais do que deveria, ou no silêncio repentino entre as músicas.

Algo estava para acontecer.

E mesmo protegida, mesmo ao lado do homem mais poderoso da máfia espanhola, meu coração continuava a gritar.

A música mudou para um compasso suave e envolvente, e antes que eu pudesse recusar, Paolo já me puxava para o centro do salão.

— Dança comigo, principessa — disse, com aquele brilho travesso nos olhos.

— Você quer mesmo ser o centro das atenções, não é?

— Eu sou o Dom. O centro é inevitável.

Sorri. Era impossível não sorrir com ele.

Coloquei uma mão em seu ombro, a outra foi guiada pela dele, e começamos a dançar como se o mundo não estivesse cheio de espinhos. A música envolvia nossos passos com delicadeza, e por um instante, tudo pareceu simples. Era apenas eu e meu irmão, girando devagar sob a luz dourada, cercados por sombras que não ousavam se aproximar.

— Você está bem? — ele perguntou baixinho, enquanto rodávamos em silêncio.

— Estou tentando estar — respondi, sincera. — Mas parece que estou vivendo um papel... e não sei se fui feita pra isso.

Ele apertou minha mão com mais firmeza.

— Você não foi feita pra ser moldada, Isa. Foi feita pra ser admirada, respeitada... e amada. E quem não entender isso, não vive muito tempo.

Eu conhecia aquele tom. Era doce... e letal.

Foi então que ele surgiu.

Arturo.

Seu terno impecável contrastava com a podridão que exalava em cada passo. Um sorriso educado moldava os lábios, mas seus olhos... seus olhos me despiram sem permissão.

— Dom Ortega — ele saudou, curvando a cabeça ligeiramente. — Permite-me a honra da próxima dança com sua encantadora irmã?

O salão silenciou por um segundo que durou uma eternidade.

Senti o corpo de Paolo endurecer ao meu lado. Seus dedos não soltaram os meus. Nem por um milímetro.

— Agradeço a cortesia, senhor Arturo — disse Paolo, com uma calma ensaiada. — Mas minha irmã está comprometida comigo por esta noite.

Foi como se tivesse lançado um punhal com um buquê de rosas.

Arturo sustentou o sorriso... mas seus olhos dispararam um veneno silencioso. Um olhar que prometia retaliação.

Ele inclinou levemente a cabeça e se afastou sem outra palavra.

Mas todos viram.

E ninguém ousou comentar.

— Continue sorrindo — murmurou Paolo. — Estamos sendo observados.

Então eu sorri.

E ele também.

E dançamos como se nada tivesse acontecido.

Mas dentro de mim, uma porta havia se aberto — e atrás dela, o pressentimento voltou a gritar.

Após a dança, voltamos para uma área reservada da mansão. Era um pequeno jardim interno, cercado por colunas e flores noturnas, longe dos olhares curiosos e da música que continuava ecoando no salão.

Paolo soltou a gravata e passou as mãos pelos cabelos com o mesmo gesto cansado que sempre fazia quando o fardo do mundo pesava demais.

— Acha que ele vai tentar de novo? — perguntei, tentando parecer casual, mas minha voz tremeu no final.

Ele não respondeu de imediato. Caminhou até uma das colunas e apoiou-se ali, olhando para mim com os olhos sérios, densos.

— Arturo é um lixo. Um mal disfarçado de nobreza. — Sua voz era baixa, mas carregada de fúria contida. — Há anos, circulam rumores. Espancamentos. Humilhações. Mulheres sumidas. Mas nada... nada sólido o suficiente pra cortar os laços sem causar guerra entre famílias.

Senti o estômago afundar.

— E ninguém faz nada?

— Ninguém quer pagar o preço. Ele é da linhagem central dos Salvatore. Família tradicional. Rica. Velha. Orgulhosa. O pai dele fazia o mesmo com a mãe. E o avô antes dele. Uma dinastia de monstros, todos bem vestidos.

Paolo se aproximou e segurou meu rosto entre as mãos.

— Mas eu não sou como eles, Isa. Eu não finjo que não vejo. Eu não negocio com a dor de uma mulher. E jamais deixaria você cair nas mãos de alguém como Arturo.

— Então por que ele ainda está aqui?

Os olhos dele escureceram ainda mais.

— Porque pra cortar uma cabeça como a dele, Isa... eu preciso da lâmina certa. E a hora certa. Se eu agir sem provas, serei eu o monstro. E a guerra que viria depois te colocaria ainda mais em risco.

Acariciou meu rosto com os polegares e suspirou.

— Você não vai dançar com ele. Não vai sorrir pra ele. Não vai sequer olhar nos olhos dele. Se ele se aproximar, eu mesmo o afasto. Se ele ousar tocar em você... ele morre. E ponto.

Senti meus olhos marejarem. E não era só medo. Era gratidão. Amor. Raiva de um mundo que ainda permitia esse tipo de tradição miserável.

— Você sempre me protegeu, Paolo...

— E vou continuar protegendo. Até o meu último suspiro.

Me puxou para um abraço apertado, com a força de quem queria me guardar dentro do peito.

E ali, no silêncio do jardim, escondidos da festa e das promessas podres da máfia, eu me senti segura. Mas também, pela primeira vez, percebi o quão frágil era essa segurança.

Porque mesmo uma fortaleza como Paolo...

Tinha inimigos que andavam de terno e falavam sorrindo.

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