Lorenzo Coppola
Estou concentrado nos papéis a minha frente quando escuto alguém bater na porta da minha sala, falo um entre e logo vejo Pedro o enfermeiro chefe entrando, ele sorri quando me olha e se senta na cadeira em frente à minha mesa.
– Olá doutor gostaria de te pedir um favor.
– Claro, poderia ter me chamado para jantar primeiro, sabe como é né? Sou um homem que gosta de romance. – Ele ri alto e eu o acompanho. – Pode falar, se estiver ao meu alcance.
– Estou com os pais de um paciente bem nervosos e que estão dificultando o trabalho de todo mundo, poderia falar com eles? As vezes funciona. – Ele me lança um olhar pidão e eu dou outra risada.
– Claro! Mas terá que me levar no refeitório depois, estou morrendo de fome e ainda estou um pouco perdido por aqui.
– Sem problemas, sem ser esse casal brigão hoje está tudo tranquilo por aqui. Podemos ir logo em seguida comer alguma coisa, também estou com um pouco de fome.
– Certo, me conte o caso.
– Gabriel, nove anos. Veio para o hospital para retirada de algumas bolinhas de gude que engoliu.
– Nessa idade ainda engolindo coisas? Acredito que só monitorar esperando que saiam de forma natural seja o necessário.
– Sim, já foi ministrado o medicamento para a saída mais rápida, o grande problema não é o menino e sim os pais não param de brigar e os outros pacientes estão incomodados.
– Vamos lá conversar. – Ambos nos levantamos e fomos até o quarto onde o menino está em observação.
Mal entramos já encontramos um casal bem irritado brigando, ao contrário do que imaginei eles estavam brigando entre si e não com a equipe. Suas vozes eram iradas e altas. Ao olhar a cama vejo um menino franzino e pequeno, não parece ter nove anos, daria no máximo uns sete. Ele olha tristemente os pais, resolvo intervir já que nenhum dos dois notou nossa presença.
– Olá, como estamos aqui? – Pergunto falando um pouco alto para ser ouvido através de seus gritos. Eles me olham rapidamente e ficam quietos.
– Oi doutor. – O homem diz se virando para mim. – Aconteceu alguma mais coisa com o moleque?
– Tudo certo até o momento com o Gabriel, vim conversar com vocês dois, sabem que estamos em um hospital, não sabem? Então senhores, gostaria muito que se acalmassem e deixassem para discutir em casa. O que acham?
– Foi ela que quis vir até aqui, eu disse que era só esperar que essas porcarias de bolinhas saíssem sozinhas. – A mulher vai para o lado de seu filho e me observa de lá.
– Senhor vocês fizeram o certo em ter vindo, sempre é bom acompanhar.
– Olha para ele doutor, nessa idade engolindo bolinhas de gude. Onde já se viu? Peste de moleque.
– Não fala assim do nosso filho Martin, ele é apenas uma criança. – A mãe fala voltando a ficar na frente do marido.
– Não venha defender, ele sabe muito bem o que deve fazer e o que não deve. – O homem diz irritado.
– Ok, está tudo bem agora. – Fico no meio dos dois e calmamente vou induzindo o homem a sair do quarto. – Que tal o senhor ir à cantina tomar um café, quando estiver mais calmo volta.
O homem nos olha e sai pisando duro. Pedimos licença para mãe e filho e junto com Pedro me dirijo para o refeitório dos funcionários. Eu realmente estou com fome, cheguei a exatamente duas semanas e me deparo com pais histéricos e papéis, muitos papéis. Sinto falta da sala de cirurgia, ficar rodeado de planilhas, contratos e a parte burocrática é um saco. Logo que chegamos já pegamos nosso almoço e nos sentamos para comer.
– E aí o que está achando de tudo por aqui? – Pedro pergunta pondo-se a comer com vontade.
– Estou gostando bastante, é bem diferente de onde eu vim. – Respondo tomando meu suco.
– Isso é bom, logo já estará habituado. – Ele morde seu sanduiche e eu faço o mesmo com o meu. – Está em Manhattan a quanto tempo?
– Cheguei há um pouco mais de um mês. Foi difícil achar apartamento próximo ao hospital, mas encontrei um muito bom a um preço razoável.
– Isso é bom, muito bom. Qual prédio?
– Vitalitá, consigo vir andando caso eu queira, vinte minutos de caminhada e apenas de cinco a sete dirigindo, depende do trânsito.
– O prédio é da McNa Empires, não é?
– Acho que sim, muito agradável de morar, dois apartamentos por andar, vizinhos tranquilos. Não poderia ter escolhido melhor.
– Uma ótima aquisição com toda certeza. Comprou?
– Sim, tinha um dinheiro guardado e o resto foi financiado pelo banco. A melhor parte foi converter o euro para o dólar, me rendeu um trocado a mais.
– Fantástico! Não pensa em voltar para a Itália? É de lá que veio não?
– Sou de Florença, não penso em voltar. Não há nada que me prenda lá, meus pais já moram aqui nos Estados Unidos com minha irmã a muito tempo, eu que fui teimoso em ficar por lá.
– A solidão bateu.
– Meio que isso, a proposta de emprego com um bom salário também ajudou bastante. – Ambos rimos e continuamos ali conversando.
Algum tempo depois percebo alguns olhares das pessoas ao nosso redor ir para a porta de entrada. E é para lá que meus olhos vão. Posso falar que pessoas do sexo feminino têm a minha atenção, até porque adoro tê-las em minha cama, nada sério, apenas casos de uma noite ou no máximo algumas semanas.
Não tenho um tipo definido, mas nesse momento ao ver um dos melhores exemplares femininos, se não for o melhor por mim já visto está entrando no refeitório. Una bella donna como aquela era de cair o queixo, estava enfeitiçando todos ao seu redor e parecia não se dar conta.
Ela ouvia atentamente o que a mulher ao seu lado falava, seu semblante era sério e altivo. Gostei! Meu cérebro está derretendo com tamanha beleza. Pisco algumas vezes tentando despertar e desgrudar meus olhos dela, mas é em vão.
– Pedro quem é aquela ali? – Pergunto ainda sem desviar o olhar.
– Quem? – ele olha ao redor, mas logo me olha de volta não achando ninguém de diferente.
– A loira que está sentada com a morena baixinha na mesa próximo à saída. – Digo respirando fundo.
– Ah, aquela? – ele olha para ela e volta sua atenção para mim sorrindo de lado. – Linda né?
– Maravilhosa! – Respondo no automático e me recrimino mentalmente por isso. – Quem é?
– É a doutora Trisha McNa, ela é cirurgiã pediátrica, trabalha no nosso setor.
– Como não a vi antes?
– Ela estava fora da cidade, trabalho comunitário na África. Voltou hoje para o trabalho. Esteve ocupada a manhã inteira, por isso vocês não foram apresentados um ao outro ainda. – Ele responde simplesmente.
– Eu faço questão de conhecer.
– Fica bem longe, vai ser melhor para você.
– Por quê? – Desvio meu olhar dela e olho para ele que come tranquilamente, nem parece que estava voraz a alguns minutos.
– Ela é uma profissional fantástica, a mulher é uma máquina de trabalho. Uma das melhores do país com toda certeza, mas devo dizer que no âmbito pessoal a melhor saída é ficar longe.
– Se ela é tão boa no trabalho por que não pegou a chefia?
– Como eu disse, a mulher é uma máquina. Papelada com certeza não é a praia dela, ela até tentou no início, assim que uma ocorrência enorme exigiu atenção de todos ela renunciou e foi tratar os pacientes.
– Está certo, já entendi o profissional, e o pessoal? Casada? – pergunto e Pedro ri.
– Depois do último cara que se ferrou com ela nunca mais a vi com ninguém, ela não tem sentimentos, se quer seu coração pisoteado vá em frente.
– Tão ruim assim? – Pergunto não acreditando que estamos falando da mesma pessoa, aquele rostinho lindo não pode ser dessa forma.
– Olha meu caro, ruim é pouco, o ex-noivo saiu destroçado e humilhado, foram semanas até que a mídia parasse de falar sobre o assunto. – Ele olha seu relógio. – Está na nossa hora, vamos?
Concordo com a cabeça e me levanto devagar pegando os lixos que deixei os jogando no lixo. A procuro com o olhar, mas já não encontro em lugar nenhum.
Chegando no corredor dos pacientes escuto uma confusão armada. Gritos são ouvidos a distância, ao chegar perto vejo o mesmo casal que conversei mais cedo discutindo ainda mais alto do que antes e no corredor. Antes que eu possa chegar perto a bionda meravigliosa (loira maravilhosa) chega e tenta conversar com os pais. O homem começa a gritar mais alto, mas agora é com a médica que acabou de chegar na confusão e não mais com sua esposa. Apresso meus passos e quando chego perto consigo a ouvir claramente.
Mesmo com seu tom irritado sua voz é melodiosa.
– Se o senhor não se acalmar vou chamar a segurança e será banido a entrar aqui novamente.
– Se eu sair eles vão comigo. – O homem berra enfrentando a médica e eu sinto meu sangue ferver. – Quem você acha que é?
– É uma médica e exige respeito. – Eu falo em alto e em bom som parando atrás dela atraindo todos os olhares possíveis para mim, principalmente o dela que é de um azul espetacular.
O silêncio reina imediatamente e a observo descaradamente de perto, e é ainda mais linda vendo daqui. Um som vindo do quarto do filho do casal de encrenqueiros chama sua atenção primeiro, estou hipnotizado nesses olhos e meu cérebro meio que derreteu. Outro som mais alto se faz presente e a vejo correr para o quarto. Nesse momento presto atenção ao meu redor e escuto gritos desesperados de dor, a sigo para dentro do quarto e vejo o garotinho se contorcendo e chorando com as mãos na barriga. Ela o deita delicadamente, mas com rapidez e apalpa sua barriga fazendo um exame rápido.
– Qual é o caso Pedro? – Ela fala olhando na minha direção e só aí vejo que ele está ao meu lado.
– Ele engoliu bolinhas de gude.
– Quantas bolinhas? – Ela pergunta e ele se aproxima sem responder, pegando o prontuário dele e lendo de forma rápida. – Quantas bolinhas Pedro?
– A mãe disse que havia sido mais de uma, não sei ao certo. – Ele responde e ela o olha com raiva.
– Como não sabe? Quem é o médico responsável?
– O dr Richard.
– Cadê ele? – ela pergunta mais alto do que os gritos do menino. – Não importa, o que foi feito?
– Prescreveu um remédio. – Ele estendeu a ficha e ela leu rapidamente.
– Onde está o raio X?
– Não foi pedido.
– Como é? – nesse momento o menino virou na cama e vomitou. Uma bolinha pôde ser vista ali.
– Ele está com obstrução intestinal, preciso do raio X agora. – Ela grita e quando vejo várias pessoas já estão dentro do quarto agilizando e levando o menino.
Ela nem pareceu perceber minha presença de fato, mesmo depois de ter olhado nos meus olhos, só cuidou do caso a seu modo, distribuiu as tarefas e se foi junto com o menino.
Uau a mulher é fogo.
Acho que quero me queimar.