Trisha McNa
Olho mais uma vez para o menino deitado na cama de recuperação, e pensar que algumas horas atrás teve que fazer uma cirurgia de emergência por negligência médica, essa era minha terceira cirurgia do dia e meu plantão de doze horas estava acabando, eu não iria embora, não ainda.
Uma enfermeira entra e eu passo o caso a pedindo para me chamar se tiver alguma mudança no quadro dele que está estável, o que espero que não aconteça depois de tudo que o pequeno passou.
Me encaminho para a sala de espera e logo vejo o casal brigão, a moça com rosto abatido e o rapaz com o rosto entre as mãos sentado em uma das cadeiras.
– Família de Gabriel Nunes. – Chamo e eles rapidamente vem ao meu encontro. – A cirurgia foi um sucesso e ele está agora na sala de recuperação assim que for transferido para o quarto uma enfermeira vem chamá-los.
– Ah meu Deus, meu menino. Obrigada doutora. – a mãe diz me abraçando não contendo as lágrimas.
– Não por isso, estamos aqui para isso senhora.
– Quantas bolinhas de gude ele engoliu doutora? – o pai me pergunta preocupado.
– Foram retiradas sete bolinhas. – Seguro um suspiro cansado e os encaro firme. – A recuperação vai ser um pouco longa então quero que ele fique em observação por alguns dias, além de uma investigação para descobrir o motivo de ele ter engolido todas elas. – Minha voz sai séria e controlada, minha vontade é de fazer aqueles dois desaparecerem da minha frente tamanha confusão estão causando aqui dentro desde a hora que chegaram.
– O motivo é claro, chamar atenção. – O homem fala impaciente.
– Se esse for mesmo o motivo o senhor terá que repensar que tipo de atenção está dando ao seu filho, ou talvez a falta dela. Tenham um boa noite. – Me afasto deixando para trás um homem embasbacado pela minha audácia.
Vou em direção ao balcão e pego o tablet com os prontuários dos meus pacientes da manhã. Antes que me afaste dele lembro que tenho que conversar com o novo chefe da cirurgia. Meu primeiro dia de volta e já tenho uma bomba dessas nas mãos e o cara nem dá às caras, belo chefe foram arrumar.
– Pedro, o chefe está na sala dele? – Pergunto para o enfermeiro chefe da ala da pediatria.
– Não doutora Trisha, ele está em cirurgia já que mandou o doutor Richard para casa. – Ele responde sério.
– Obrigada. – Agradeço e logo me viro para Elizabeth que me olha com atenção. – Você vem comigo? – Ela assente e nos afastamos juntas indo ver meus pacientes. Depois de entrar no corredor longe dos ouvidos dos fofoqueiros ela quebra o silêncio.
– Adorei o que você falou para o pai do menino.
– Era necessário alguém falar, você viu como eles gritavam no corredor? – Bufo irritada.
– Homem estúpido, queria levar o menino embora a todo custo, o novo chefe já havia falado com eles, mas não adiantou.
– Se esse menino não estivesse aqui poderia ter morrido, irresponsabilidade isso sim.
– Pois é! – A gente para antes de entrar no quarto. – O que achou do novo chefe?
– Eu não sei, não o vi. – Dou de ombros e estendo minha mão para pegar na maçaneta da porta, mas a minha querida amiga impede meu movimento.
– Como assim doida? Ele estava com você na hora da confusão toda, até te defendeu. – Ela me olha confusa e eu a olho de volta do mesmo modo.
– Sério? Não reparei. – Tento puxar na memória, mas nada vem, nada além do caos e dos gemidos de dor do menino. – Talvez não seja interessante o suficiente para chamar minha atenção.
– Você que pensa. – Ela diz sorrindo e assim entramos no quarto. – Estava tão ocupada salvando a vida do menino que nem reparou as coisas ao seu redor.
Nos concentramos a próxima hora a verificar os pequenos internados sob a minha supervisão e logo já estávamos indo para o quarto do menino Gabriel que havia sido transferido a poucos minutos.
Para a minha total surpresa vejo dois internos do segundo ano e um homem que não conheço falando sobre o caso, mas se calam ao me ver entrar. O desconhecido é muito bonito por sinal, mas evito olhar para ele, não estou aqui para isso.
Assim que entramos um dos internos apresenta o caso e diz alguns resultados de exames que me deixam preocupada.
– Certo, obrigada Júlio. – Estendo minha mão e pego o prontuário eletrônico que ele me entrega, olho de relance para o homem que me observa parecendo curioso. – Todas as vitaminas dele estão baixas, assim como aparenta ter o peso abaixo do ideal para sua idade. Vou passar mais alguns exames para serem feitos amanhã pela manhã, assim como esses medicamentos aqui. Por favor, busquem os pais para vê-lo, estarei esperando aqui.
Os internos saem e Beth administra os medicamentos que eu pedi o senhor bonitão nem se mexe enquanto termino de examinar o corpinho pequeno. Assim que termino o olho e percebo que me olha intensamente me deixando constrangida/excitada, quer dizer indiferente.
– E você quem é? – Pergunto séria
– O amor da sua vida. – Ele responde com um belo sorriso, Beth se engasga uma risada, mas não a olho, mantenho meu olhar no engraçadinho sob uma postura séria.
– Impossível, minha cama não fala... – Observo ele vir na minha direção e me estender à mão.
– Sou Lorenzo Coppola novo chefe da pediatria. – Aperto sua mão que é segurada por mais tempo do que o necessário.
– Sou Trisha...
– Sei quem você é.– Ele me interrompe. – Fez um ótimo trabalho doutora.
– Obrigada, fiz apenas o que deveria ser feito devido à circunstância.
Mal termino de falar e os pais entram no quarto, a mãe de Gabriel corre para seu lado e beija sua testa ao mesmo tempo em que o abraça com cuidado.
– Ele está realmente bem doutora?
– Ele vai melhorar. Crianças geralmente tem boa recuperação. – Passo algumas informações sobre os exames e as condutas que serão feitas a seguir e deixo claro que não podem deixar de fazê-las.
– Isso vai ficar caro? – O pai pergunta ainda perto da porta.
– Não tem seguro saúde? – Meu novo chefe bonitão pergunta.
– Temos, mas não sei se cobrirá tudo.
– Podemos ver isso depois.
– Ele irá dormir até amanhã por causa da anestesia e dos remédios para dor. – Falo e olho para o pai. – Apenas um acompanhante por vez, vocês podem intercalar.
– Ela fica eu tenho que trabalhar amanhã, depois trago roupas e o que mais vocês precisarem. – O pai fala e depois de olhar o filho por um tempo de longe sai acompanhado do doutor Lorenzo.
Converso mais algum tempo sobre os cuidados e algumas outras orientações e saio do quarto com Elizabeth ao meu enlaço.
– Lindo, não é?
– Quem? – faço a desentendida mesmo sabendo que ela está falando do chefe.
– Deixa de ser boba que eu te conheço. – Ela me pega pelo braço indo para a ala dos funcionários, mais especificamente para a máquina de café. – Ele não parou de te olhar, pode estar interessado.
– Não obrigada, pode ficar para você. – Digo já pegando meu café e tomando um belo gole, café é vida.
– Trisha deveria dar uma chance para você, já faz um ano.
– Eu não consigo, não agora. – Com um suspiro angustiado eu abaixo a cabeça tentando clarear as ideias. – Estou juntando os cacos ainda e você sabe disso.
– Eu sei, desculpa. – Suas mãos veem até meus ombros fazendo um carinho reconfortante. – Vai ficar tudo bem, só se permita viver.
– Estou vivendo, tenho uma família incrível e um trabalho que eu amo o que mais posso querer?
– Paixão, beijos e amassos. – Ela diz me apertando num abraço de lado. – Podemos começar com um apartamento seu, o que acha? Ficar na casa do seu irmão para sempre não é mais uma opção.
– Você está certa! – Digo e vejo seu sorriso se alargar. – Está certa sobre o apartamento Elizabeth, somente pelo apartamento, nada de romance ou o que quer que seja parecido. – Alerto e seu sorriso murcha na hora. – Falei ontem com Miguel e ele já está vendo tudo isso, devo me mudar no próximo sábado.
– Isso é muito bom, a parte do amor também é importante. – Ela insiste.
– Quem te vê falando assim pensa que não é tão solteira quanto eu.
– Ainda não achei, meu príncipe. – Rimos juntas da nossa piada interna.
– Fica escolhendo muito que vai acabar com o sapo daqueles bem feios e com verrugas.
– Credo! Prefiro ficar solteira, antes só do que mal acompanhada.
– Eu também acho. Qualquer coisa a gente se casa e adota umas três crianças, ou gatos, eu gosto de gatos.
– Certo, gatos então, já tenho meus irmãos e eles me dão trabalho triplicado, te empresto um dos gêmeos se quiser sentir na pele como é ser responsável por pré-adolescentes. – Seu rosto demonstra cansaço e eu sei como ela dá duro para dar tudo de melhor para todos. – Vai embora?
– Não, vou ficar mais um pouco, vai que precisam de mim.
– Sabe que seu plantão acabou faz meia hora né? – pergunta olhando seu relógio de pulso.
– Eu sei, mas não vou conseguir dormir mesmo então fico aqui sendo útil. – Dou de ombros.
– Ainda com pesadelos? – Faço que sim com a cabeça. – Os novos remédios não resolveram?
– Não, parecem não fazer nenhum efeito contra pesadelos, tem dias que estou tão cansada que durmo bem, mas tem outros que nem assim.
– O que a terapeuta diz?
– Para insistir nos remédios mais um pouco e trabalhar menos.
– Deveria ouvir o que ele disse, começando a trabalhar apenas suas horas e não ficar aqui até praticamente cair de tão exausta, está se matando aos poucos. Final feliz lembra?
– Final feliz!