Mundo ficciónIniciar sesiónTARYN
Eu daria uma chance para Kalinda, pediria uma explicação. Ela certamente teria uma, considerando que ama Caius. Parei no meio do meu quarto, encarando a cama com os lençóis impecavelmente brancos, e comecei a questionar a veracidade dos sentimentos da minha irmã. Ela o ama, não é? Eles estão casados há dois anos. E mesmo assim, ela ousa trair, ousa conspirar com outro homem. Um peso sufocante tomou meu peito.
Um batido firme na porta interrompeu meus pensamentos. Meus olhos se arregalaram, o coração disparando. Por um instante, fiquei paralisada, incapaz de me mover ou sequer responder.
— Senhorita Taryn? — chamou uma voz conhecida, firme, mas respeitosa. — O senhor pediu que a senhorita descesse imediatamente.
Pisquei, tentando me recompor. Um instante de lucidez me atingiu e suspirei uma resposta para ela. Isso era praticamente minha festa, meu próprio noivado. Meu noivo me aguardava lá embaixo, esperando que eu descesse com a postura adequada de uma futura esposa. Inspirei fundo e caminhei até a porta, tentando ignorar a mão que tremia ligeiramente.
— Estou descendo.
A empregada, segurou meu braço assim que saí, os olhos arregalados ao observar meu vestido manchado.
—Senhorita! — exclamou, quase horrorizada. — O que aconteceu com seu vestido?
Suspirei, fechando os olhos por um instante, aceitando a repreensão silenciosa. Esqueci de trocar o vestido depois de tudo que ouvi.
— Vamos resolver isso — disse a empregada, com um toque de autoridade que só podia vir de anos de experiência. — Temos tempo.
Ela me conduziu até a pequena suíte de vestidos e escolheu um tom de azul royal, intenso, que deixava meus olhos azuis ainda mais claros e a palidez da minha pele em destaque. Vesti-lo foi um ritual silencioso, cada botão fechado com cuidado, cada dobra do tecido ajustada para esconder qualquer traço de desleixo ou desastre. Quando terminei, senti uma pontada de confiança se infiltrar no meu peito.
— Agora sim — murmurou a empregada, aprovando com um sorriso contido. — Vá, senhorita.
Desci as escadas com passos medidos, cada movimento calculado, e logo encontrei o salão iluminado pelo brilho suave dos candelabros. A mesa do jantar estava posta, os convidados já acomodados, e lá no centro, minha irmã e seu marido, falavam com certa cordialidade. Meu coração não quis admitir, mas cada sorriso, cada gesto de Kalinda fazia minhas mãos suarem.
Durante todo o jantar, mantive-me observando, avaliando cada interação entre minha irmã e Ronan. Mas, para minha surpresa, eles quase não se dirigiam a palavra. Kalinda retomara o papel de esposa dedicada, sorridente e afetuosa com Caius, como se nada tivesse acontecido. O coração me pesava, confuso. Teria ouvido tudo errado? Ou será que minha mente me pregava peças ?
Quando Kalinda riu suavemente de algo que Caius disse, senti uma pontada de inveja misturada a alívio. Talvez não houvesse nenhum caso real, pensei, talvez eu tivesse imaginado os sussurros e as promessas de fuga. Mas a lembrança da voz de Ronan, firme e ousada, ainda ecoava na minha mente, tornando impossível ignorar que havia algo escondido por trás daquela fachada perfeita.
Eu continuei a jantar, mordendo os lábios discretamente e mantendo a postura. Cada vez que eu comia ou bebia do vinho, checava meu vestido para ter certeza que não o sujei novamente, o controle sobre minha aparência, me livrara dos pensamentos proibidos.
De qualquer forma, eu sabia que não poderia me enganar. Se Kalinda realmente pretendia fugir com Ronan, eu iria até o local combinado. Eu a impediria, mesmo que fosse necessário amarrá-la. Não permitiria que ela destruísse tudo. Não permitiria que Caius fosse exposto à vergonha da traição, não suportaria vê-lo perder a mulher que amava.
Se Kalinda não o amava de verdade, ao menos poderia ser honesta.
Meu noivo continuava sentado ao meu lado, divagando sobre suas posses, rotas marítimas e negócios além-mar. Sua voz era grave e constante, como o som de uma maré que nunca cessava, mas eu mal o escutava. Cada palavra dele me parecia distante, irrelevante, um zumbido irritante diante do peso que caía sobre meu peito.
Quando o jantar chegou ao fim e os convidados se dispersaram, meu pai conduziu Demetrius até o escritório para discutir assuntos que eu não me preocupei em imaginar. Aquele seria apenas o início de muitas conversas entre eles, sobre contratos, dotes e vantagens.
Aproveitei a oportunidade para pedir licença, e com a delicadeza que me restava, subi as escadas até meu quarto. Fechei a porta atrás de mim, encostando-me por um instante.
Caminhei até a janela e puxei as cortinas. Daqui de cima, podia ver a mansão dos Lockhart, a casa de Caius e Kalinda. As janelas iluminadas brilhavam contra a escuridão da noite, e eu sabia que, em algum ponto dentro delas, minha irmã sorria como se nada estivesse errado. Talvez estivesse nos braços de Caius, talvez estivesse se preparando para os braços de Ronan.
A incerteza me corroía.
Meu coração batia acelerado, meus punhos cerrados contra a saia do vestido azul. Eu iria até lá. Se Kalinda ousasse realmente trair o homem que a amava e manchar o nome de nossa família, eu a deteria. Não importava como, não importava o que precisasse fazer.
Eu não poderia permitir que Caius sofresse.
Vesti um de meus trajes mais simples, um vestido de algodão desbotado que mal chegava aos tornozelos. Era o mais discreto que possuía, e ainda assim temi que chamasse atenção demais. Cobri a cabeça com um capuz, puxando-o bem baixo sobre a testa, escondendo meu rosto. A lamparina que carregava nas mãos era pequena, mas sua chama vacilante parecia denunciar cada um dos meus passos.
Esperei que a casa adormecesse. Primeiro meu pai, depois as criadas, até que o silêncio fosse absoluto. Meu coração parecia mais barulhento que o ranger das escadas quando desci, um degrau de cada vez, prendendo a respiração. Se alguém me visse… se alguém me perguntasse o motivo de minha saída, eu não teria resposta. Não uma que pudesse ser dita em voz alta.
Do lado de fora, a noite me recebeu com um vento frio vindo do mar. Puxei o capuz para frente, sentindo o cheiro de sal e madeira úmida. As ruas ainda não haviam recebido iluminação suficiente; apenas alguns lampiões solitários marcavam o caminho, e as sombras dominavam os becos. Segurei a lamparina com mais força, como se sua frágil luz fosse capaz de me proteger.
O cais. Era ali que eles se encontrariam. Se houvesse mesmo um plano de fuga, não havia outro caminho senão o mar.
Caminhei com passos apressados, tentando ignorar o som das minha botas contra as pedras.A cada esquina, pensava em voltar. A cada sopro de vento, imaginava ouvir o chamado de meu pai ou o riso de Kalinda. Mas segui. Se havia algo que eu não poderia permitir, era que Caius fosse humilhado dessa forma. Que fosse traído pela mulher que ele ama.
Ao chegar, escondi-me entre algumas caixas empilhadas, onde podia observar tanto a estrada que levava à mansão de minha irmã quanto os navios ancorados. O tempo passou lentamente, cruel. Por longos minutos, talvez uma hora inteira, nada aconteceu. Comecei a acreditar que havia fantasiado tudo. Que minha mente, cansada e doente, inventara aquela conversa.
Suspirei, pronta para voltar, quando uma sombra surgiu. Reconheci a postura imediatamente como a Ronan. Ele caminhava com passos nervosos, carregando uma pequena mala. Meu coração disparou.
Apertei o capuz contra a cabeça e permaneci imóvel, observando-o olhar para os lados, inquieto, como um ladrão em plena madrugada.
E então ela apareceu.
Minha irmã.
Kalinda surgiu com a graça de sempre, mesmo envolta pela escuridão. O capuz dela caiu para trás quando correu até ele, e a cena seguinte me arrancou o fôlego: seus lábios se encontraram em um beijo urgente, desesperado, apaixonado.
Pisquei várias vezes, como se meus olhos me enganassem. Mas não. Estavam ali, enlaçados, como amantes que não tinham medo do pecado.
— Conseguiu trazer? — Ronan perguntou, assim que se afastaram.
Kalinda sorriu, retirando da pequena bolsa algumas joias. Reconheci-as de imediato. Presentes de Caius. A generosidade dele, cuspida em traição.
— Ele sempre foi bom comigo, embora… sem gosto algum para adornos — ela riu, a voz suave e cruel.
O som foi como um estalo em meu peito.
Ronan riu também, um riso baixo, satisfeito. Depois voltou a beijá-la, sem pudor.
Senti o calor subir ao meu rosto. Não de vergonha, mas de ira. Meu corpo inteiro tremia. O coração gritava que eu me calasse, que recuasse, que fugisse de volta para a segurança de meu quarto. Mas meus pés avançaram antes que eu pudesse impedir.
— Como ousam?! — minha voz ecoou pelo cais, forte, mais forte do que eu jamais fora.
Kalinda arfou, afastando-se dele. Ronan virou-se, os olhos faiscando de raiva.







