Era uma terça-feira fria, o tipo de dia em que os londrinos evitam sair de casa sem necessidade. Na padaria, o movimento estava mais calmo do que o habitual, e Isabela aproveitava para organizar a prateleira de doces, cantarolando um trecho de uma música de forró que sua mãe costumava ouvir.
— Isabela?
Ela se virou ao ouvir seu nome sendo chamado com sotaque carregado de lembranças. O sorriso em seu rosto desapareceu quando viu quem estava na porta.
— Rafael?
Lá estava ele. O ex-namorado que ela deixou para trás no Brasil, o mesmo que dissera que seus sonhos eram grandes demais, e que Londres era “coisa de gente metida”. Mas agora, ali estava ele: camisa justa, perfume forte e um sorriso que ela conhecia bem demais.
— Uau… Você tá… diferente. Mais bonita do que nunca.
Ela cruzou os braços, desconfiada.
— O que você tá fazendo aqui?
— Negócios. Vim pra uma feira de gastronomia. Soube por conhecidos que você trabalhava aqui e… não resisti.
— E achou que podia aparecer assim, depois de anos?
— Olha, eu sei que a gente não terminou da melhor forma, mas eu nunca deixei de pensar em você. Você tá ainda mais incrível. Mais mulher, mais… desejável.
Ela recuou um passo. Aquela voz a envolvia como fumaça, mas ela já não era mais a mesma menina de antes.
— Eu tenho outra pessoa agora, Rafael. Tô em outra fase da vida.
— Ele é melhor que eu?
— Não se trata de melhor ou pior. Se trata de respeito. Amor de verdade.
Ele sorriu, cínico.
— Então esse cara te merece mais do que eu? Ah, Isabela… a gente teve história. Eu te conheci antes desse playboyzinho europeu.
— Você me conheceu. Mas nunca me valorizou.
— Você mudou, sabia? Antes você não falava assim. Virou metida só porque tá em Londres?
Ela respirou fundo, mantendo a calma.
— Não estou sendo metida. Só aprendi a me respeitar.
— Vai me dizer que esse seu novo namorado te trata como eu te tratava?
— Graças a Deus, não.
O sorriso de Rafael sumiu, e os olhos dele se tornaram duros.
— Quer saber? Fica aí com teu inglês ridículo e tua vida de atendente de balcão. Achei que podia encontrar a garota de antes… mas me enganei.
Ele deu um passo à frente, com o rosto tenso. Ela sentiu um arrepio na espinha. Estava prestes a se afastar quando ouviu uma voz firme atrás dela.
— Algum problema aqui?
Lorenzo.
Ele surgiu do fundo da padaria, como uma tempestade contida. Os olhos negros fixos em Rafael, a mandíbula cerrada, o corpo inteiro emanando ameaça.
— E você é…? — Rafael perguntou com arrogância.
— O homem dela. O que você nunca conseguiu ser.
— Ah, então é esse o tal europeu que ela prefere?
Lorenzo se aproximou devagar, como uma fera prestes a atacar. Mas sua voz manteve a calma gelada:
— Você tem dois minutos pra sair daqui antes que eu te arraste pra fora. E, acredite, eu sei como fazer isso de forma que você nem queira chamar a polícia.
Rafael riu, mas havia hesitação em seu olhar. Tentou sustentar o desafio por mais alguns segundos, depois soltou um suspiro sarcástico.
— Ela vai cansar de você. E quando cansar… talvez lembre do que perdeu.
— Ela só perdeu tempo com você — respondeu Lorenzo, antes de dar um passo à frente, os olhos faiscando.
Rafael recuou. Virou-se e saiu, batendo a porta com força. O sino acima da entrada tilintou como um alívio.
Isabela soltou o ar que não sabia estar prendendo. Lorenzo a encarou por um segundo, depois se aproximou e tocou seu rosto com gentileza.
— Ele te fez algum mal?
— Não. Só… palavras. Mas só de ouvir a voz dele de novo… foi como voltar pra um passado que eu lutei pra esquecer.
Lorenzo a envolveu em um abraço forte. Ela se permitiu afundar no peito dele.
— Ninguém vai te machucar enquanto eu estiver por perto — ele murmurou. — Nunca mais.
— Obrigada por aparecer… na hora certa.
— Sempre vou aparecer. Sempre que for você.
Ficaram assim por alguns minutos, no silêncio morno da padaria, com o cheiro de pão recém-assado e café no ar. O susto tinha passado, mas algo dentro de Isabela queimava. Não de medo — mas de desejo.
Um desejo de mostrar a Lorenzo, mais uma vez, que ele era diferente. Que ele era tudo que Rafael nunca seria.
E naquela noite, eles teriam a chance de transformar aquele susto em paixão. Em entrega. Em fogo.