Vittorio Bianchi
Atualmente...
Não havia um só dia em que Heloisa não invadisse meus pensamentos. Por mais que eu me esforçasse para esquecê-la, as noites tornavam-se refúgios de tentativas vazias — encontros sem sentido, rostos esquecíveis, momentos que não deixavam marcas. Nenhuma delas era ela. Nenhuma apagava o gosto do beijo proibido, nem o peso da culpa que carregava.
Vasculhei redes sociais em vão. Nenhuma pista, nenhuma foto. Era como se tivesse evaporado do mundo digital, tornando-se apenas uma lembrança persistente.
O toque do celular interrompeu minha tormenta. Era Hugo.
— Hugo, isso é uma surpresa — atendi, tentando soar casual. — A que devo a honra?
— Vim te fazer um convite — disse ele, animado. — Heloisa terminou o curso de sommelier e foi a primeira da turma. Estou muito orgulhoso da minha menina.
O nome dela caiu como um raio no meio da tarde calma. Meu peito apertou, a respiração falhou por um segundo.
— Meus parabéns a ela — respondi, forçando neutralidade. — Mas não poderei ir. A colheita começou, e estamos testando uma nova mistura de espumante. Algo entre uvas verdes e rosê... um sabor único.
— Fico feliz em ver seu entusiasmo com os vinhos. Já sei de onde a Helô herdou a paixão — brincou.
Engoli seco.
— Não me compare a ela — disse, leve, mas firme. — Essa paixão pode ter vindo de você também. Aliás, não a vejo nas redes sociais há tempos. Está se escondendo?
— Ela tem estado muito reservada. Mergulhou de cabeça nos estudos, só isso.
Antes que pudesse me impedir, soltei:
— Ela está namorando?
O silêncio de Hugo fez meu estômago revirar. Quando respondeu, sua voz veio sem rodeios:
— Tem um rapaz. Estão bem próximos. Imagino que sim.
O mundo pareceu encolher. Um gosto amargo tomou minha boca. Murmurei uma desculpa qualquer e desliguei. Em segundos, eu já estava diante do bar, servindo-me de uma dose generosa de uísque. Um, dois, três copos. Nenhum suficiente.
A imagem de Heloisa nos braços de outro homem era insuportável. Precisava sair dali. Fui até o estábulo. Ébano, meu puro-sangue, esperava inquieto. Era o único que entendia meu silêncio, meu desequilíbrio.
— Como faço para esquecê-la, Ébano? — murmurei, passando a mão por sua crina.
Soltei-o da guia, coloquei a sela e montei. Precisava sentir o vento, precisava fugir de mim mesmo.
Tudo aconteceu rápido demais. A velocidade. O descontrole. A queda. E depois... nada.
******
Acordei com uma dor cortante no corpo e a luz branca do hospital me cegando.
Tentei me levantar, mas o lado esquerdo gritava de dor. O som dos aparelhos era constante, irritante. Pisquei devagar, buscando lembrar o que acontecera.
— Que droga... — murmurei.
Uma voz familiar respondeu com ironia:
— Finalmente acordado, cavaleiro?
Hugo. Cruzava os braços, entre preocupado e divertido.
— Isso foi impulsivo até para você, Vittorio. Está tentando se matar?
Bufei.
— Não estou com humor para piadas.
Ele puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado.
— Não vim fazer piada. Só precisava ver com meus próprios olhos que ainda está respirando.
— Meio respirando — corrigi, tentando sorrir.
— O médico disse que você teve sorte. Braço quebrado, costelas fraturadas, um belo corte na testa. Podia ter sido pior.
— E o Ébano? — perguntei, tenso.
— Está bem. Voltou sozinho para o estábulo. Foi assim que souberam da queda.
Assenti. Alívio.
Hugo me observava, atento. Esperava algo.
— Vittorio... o que está acontecendo com você? Desde que voltou para Itália, tem estado irreconhecível.
Engoli as palavras que queriam sair.
— Só precisava de ar. Me reconectar com o campo.
Ele arqueou a sobrancelha, claramente não acreditando. Mas não insistiu. Levantou-se.
— Precisa descansar. Vai ficar em observação por mais um dia. Você ficou dois dias desacordado.
Fechei os olhos, tentando fugir do nome que martelava minha mente: Heloisa.
— Ah, antes que eu esqueça — disse Hugo, antes de sair — Ava e eu voltamos amanhã para Nova Iorque. Mas a Helô vai ficar.
Abri os olhos, encarando-o.
— Vai ficar?
— Sim. Alguém precisa cuidar da vinícola enquanto você se recupera. E ninguém melhor do que ela para isso. — Ele sorriu de lado e saiu do quarto como se não tivesse acabado de jogar uma bomba.
Meu coração disparou. Ela estava vindo. E dessa vez... não haveria como fugir.
Heloísa
O cheiro das barricas de carvalho misturado ao frescor das uvas recém-colhidas era quase terapêutico. Mas nem mesmo a rotina da vinícola conseguia acalmar o turbilhão dentro de mim.
Desde que soube do acidente, minha mente não descansava. O telefone de meu pai tocando no meio da noite, a notícia seca — "Vittorio caiu do cavalo, está no hospital" — e, depois, o silêncio angustiante da espera.
Agora ele estava estável. Mas eu não.
Entrei no escritório de Vittorio com passos hesitantes. Era a primeira vez ali desde que ele voltara para a Itália. O lugar ainda tinha o cheiro dele, aquele perfume amadeirado misturado com uísque e couro velho. Passei os dedos pela mesa de madeira maciça, me detendo em uma caneta prateada, a mesma que ele usava para assinar contratos.
Suspirei.
Ele fugiu de mim — de nós — e ainda assim era incapaz de me apagar por completo da vida dele. Se fosse, por que deixaria meu nome nos documentos da vinícola como administradora interina em caso de emergência?
Meu pai me avisou que retornaria a Nova Iorque com Ava, e me deixou a responsabilidade de cuidar da vinícola até Vittorio estar fora de perigo. Parte de mim sabia que era o certo. A outra parte? A outra gritava que isso era um jogo perigoso, e eu estava prestes a me machucar de novo.
Mas, mesmo assim, eu fui vê-lo.
O corredor do hospital estava silencioso quando entrei. Com passos lentos, hesitantes, fui até o quarto 218. Parei diante da porta fechada, com a mão no trinco, o coração batendo descompassado.
Respirei fundo, três vezes. E entrei.
Ele dormia. O braço engessado repousava ao lado do corpo, e o rosto, normalmente altivo, estava marcado por hematomas e um corte na têmpora, coberto por gaze. Mesmo assim, era bonito. Sempre foi.
Me aproximei devagar, como se temesse acordá-lo apenas com minha presença.
— Sempre tão teimoso — murmurei, sentando-me ao seu lado.
Fiquei ali por um tempo, em silêncio, observando sua respiração. Meu peito apertava com uma mistura de saudade, raiva e... amor. Era isso. Não havia mais como negar.
Passei a mão devagar pelos cabelos dele, como se aquele gesto pudesse transferir um pouco da calma que me faltava. Ele se mexeu levemente, e sua voz saiu rouca, sonolenta:
— Helô?
Meu coração parou por um segundo.
— Estou aqui — sussurrei.
Seus olhos se abriram devagar, pesados. Quando me encarou, havia surpresa, mas também algo que ele não conseguia mais esconder. Saudade. Desejo. Dor.
— Você não devia estar aqui — disse, a voz falha, mas o olhar fixo no meu.
— Mas estou. E vou continuar — retruquei, firme. — A vinícola precisa de mim. E, sinceramente, acho que você também.
Ele desviou o olhar, como sempre fazia quando não queria admitir a verdade.
— Isso não muda nada, Heloísa.
— Muda tudo — respondi, com suavidade. — Porque você pode tentar fugir para o outro lado do mundo, Vittorio. Pode subir em cavalos selvagens, se encher de uísque, ignorar meus pais, apagar minhas fotos... mas ainda assim, eu estou aqui. — Pausei, respirando fundo. — E você ainda sente.
Ele me encarou, e, por um segundo, vi a armadura dele rachar.
— Isso nunca deveria ter acontecido. Você merece alguém da sua idade. Alguém que possa te dar uma vida leve, simples.
Me aproximei mais, pegando sua mão boa com as minhas.
— Vittorio... Eu não quero uma vida simples. Quero uma vida que me faça sentir. E você faz isso. Desde sempre.
Ele fechou os olhos, lutando contra tudo o que sentia. Mas naquele momento, a batalha parecia perdida.
— Ficar aqui vai te machucar.
— Ficar longe de você já me machuca.
A campainha de um dos aparelhos apitou, quebrando o silêncio. Um enfermeiro entrou para checar os sinais vitais, e fui obrigada a soltar sua mão. Quando me levantei, ele me olhou novamente, os olhos úmidos de tudo o que não podia dizer.
— Eu volto amanhã — disse, antes de sair. — E todos os dias até você sair daqui.
Fechei a porta devagar atrás de mim, com o coração acelerado. Não sabia o que viria depois disso, mas sabia de uma coisa: pela primeira vez, Vittorio não me mandou embora.
E isso, para mim, já era o começo de tudo.
Vittorio BianchiFico olhando para o vazio, como ele pode falar algo assim e agir nesta naturalidade, não posso ficar no mesmo ambiente que a Heloisa, não sei como ela está, hoje já é uma mulher, só de lembrar daquele beijo em seu aniversário meu membro dá sinais.Como vou permanecer debaixo do mesmo teto que ela e não pirar de vez?Eu passo as mãos pelos cabelos, tentando afastar os pensamentos que insistem em me assombrar. Hugo saiu do quarto como se tivesse soltado uma bomba e simplesmente seguido em frente, sem se importar com o estrago que deixou para trás. Mas o pior ainda está por vir.Não preciso esperar muito. A porta se abre novamente, e então, ela entra.Heloisa. Mais linda do que eu lembrava, tento me ajeitar na cama para que minha ereção não fique visível.Meu peito aperta ao vê-la depois de tantos anos. A garota que peguei no colo cresceu, se transformou em uma mulher que não deveria estar neste quarto, não me olhando assim, com aqueles olhos grandes e curiosos que parec
Heloisa Moura Assumir a vinícola não era um problema para mim. Eu entendia de safras, fermentação e a delicadeza do envelhecimento de um bom vinho. O que realmente tornava essa experiência um desafio era outra coisa.Ou melhor, outra pessoa, Vittorio.Desde que vim para a Itália, ele se manteve à distância, como se minha presença o incomodasse mais do que as próprias dores do acidente. Mas eu sabia que, por trás daquela frieza, havia algo mais.— Ele já tomou os remédios? — perguntei a Matteo, que é um filho de um dos funcionários mais antigos do Vittorio, enquanto verificava a colheita das uvas.— Tomou, sim, mas com muito custo — ele riu. — Ele não gosta de admitir que precisa de ajuda.Revirei os olhos, já esperando aquela resposta.— Vou falar com ele. Obrigada, Matteo.Saí do campo e caminhei até a casa principal. Vittorio estava em repouso forçado, mas sabia que ele odiava essa situação.Bati na porta e entrei sem esperar resposta. Ele estava sentado na beira da cama, com a cam
Vittorio Bianchi Heloísa saiu do banheiro sem olhar para trás, e eu fiquei parado ali, com a toalha enrolada na cintura, sentindo o corpo inteiro tenso.Ela me desafiava de uma forma que nenhuma outra mulher já tinha feito. Não era com palavras afiadas ou provocações vazias, mas com a verdade crua do que sentia.Ela me queria, e droga, eu também a queria.Encostei as mãos na pia, fitando meu reflexo no espelho. O corte na testa, as olheiras fundas, a expressão exausta… Eu parecia um homem à beira do colapso.E talvez estivesse.Passei a toalha nos cabelos molhados e saí do banheiro. Vesti uma calça de moletom com dificuldade, meu corpo inteiro protestando contra qualquer movimento. Mas a dor física não era nada comparada à outra.Eu deveria me afastar.Mas, quando desci para tomar um pouco de água na cozinha, dei de cara com ela na sala de estar, analisando alguns papéis da vinícola. Seu cabelo estava preso em um coque bagunçado, uma taça de vinho de lado, caneta entre os dedos enqua
Heloisa Moura O ar da vinícola era sempre carregado com aquele aroma adocicado de uvas maduras e madeira envelhecida. Eu já tinha me acostumado com isso, assim como tinha me acostumado com Vittorio e sua mania insuportável de me afastar sempre que as coisas ficavam intensas.Mas hoje... hoje eu estava cansada desse jogo.Me sentei na varanda com alguns relatórios da safra e logo Matteo apareceu. Ele era do tipo que conversava fácil, cheio de histórias sobre o cultivo, o processo de vinificação entre outros. E eu gostava de ouvir.E, claro, eu sentia o olhar de Vittorio queimando em mim a cada risada que escapava dos meus lábios.— Então, vocês fazem a colheita sempre de madrugada? — perguntei, interessada.Matteo sorriu, se encostando no batente da varanda.— Sim. O frescor preserva melhor o sabor das uvas. — Ele fez uma pausa e me olhou com curiosidade. — Você tem jeito de quem gostaria de ver de perto.— Eu adoraria — respondi, sincera.Foi quando senti a presença de Vittorio ante
Vittorio Bianchi Faz um mês que cai do Ébano, e amanhã voltarei no hospital para verificar se está tudo bem e tirar esse gesso que está me deixando impossibilitado. Por um lado estou feliz, pois voltarei ao trabalho com todo vigor, por outro lado, não quero deixar que a Heloísa vá embora. Mesmo que durante todo esse tempo, não tenha acontecido nada entre nós além de provocações, não sei se estou preparado para vê-la partir. Sem que ela saiba tomei a decisão de ligar para o Hugo, preciso de uma desculpa para que ela não volte para Nova Iorque agora. Peguei o celular sobre a mesa de cabeceira e deslizei o dedo pela tela até encontrar o contato de Hugo. Respirei fundo antes de apertar o botão para ligar. Era raro eu recorrer a ele para algo, mas desta vez, não tinha outra escolha. — Vittorio! Como você está? Já está querendo mandar a Heloísa para casa? — Hugo atendeu de imediato, seu tom carregado de bom humor. — Já me recuperando. Amanhã tiro o gesso e volto ao trabalho — r
Heloisa Moura Eu estava organizando algumas anotações sobre os vinhos quando meu celular tocou. Ao ver o nome do meu pai na tela, atendi imediatamente. — Pai? — Bom dia, filha! Como está tudo por aí? — Tudo bem. Vittorio vai tirar o gesso amanhã — disse casualmente, cruzando os braços. — Ótimo! Mas, na verdade, liguei para falar sobre outra coisa. Quero que você fique mais um tempo na vinícola. Franzi o cenho. — Como assim? — O lançamento do novo espumante está se aproximando, e Vittorio mencionou que sua ajuda seria essencial nesse processo. Você criou um bom vínculo com a equipe e está trazendo ideias valiosas. Acho que seria uma excelente experiência para você. Apertei os lábios, sentindo uma irritação sutil crescer dentro de mim. E, ao mesmo tempo, um sorriso brotou de meus lábios. — E foi o Vittorio que sugeriu isso? — Sim, mas eu concordo com ele. Essa pode ser uma oportunidade única para o seu crescimento profissional. Respirei fundo. Meu pai estava realmente con
Vittorio BianchiAo sairmos do hospital decido perguntar para Heloisa se ela já se decidiu se vai ou não ficar aqui. Ela me olha com tom de desafio e fala que está considerando e o mais tentador é quando ela me desafia a convencê-la a ficar. Dou um sorriso de lado e a prendo entre meu corpo e o carro, sinto sua respiração ficar irregular e o brilho desafiador em seus olhos me instiga, mas é a forma como sua respiração vacila que me dá a certeza de que estou no caminho certo. Meu rosto se aproxima do dela, e posso sentir o calor de sua pele, desço meus lábios até seu pescoço e depósito um beijo ali, seguindo meus lábios até sua orelha.— Quer que eu a convença, Heloisa? — murmuro, minha voz saindo baixa, rouca. Um pouco mais alto que um sussurro.Seus lábios se entreabrem, e o brilho nos olhos vacila por um segundo, como se ela própria estivesse surpresa com sua reação. Gosto dessa oscilação, desse conflito que vejo se desenrolar em sua expressão. É um jogo, e ela sabe disso. Mas, dif
Heloísa moura Eu deveria parar.Cada parte do meu corpo grita que isso é perigoso, que me envolver com Vittorio é me jogar no fogo sem a menor chance de sair ilesa. Mas quando ele me beija desse jeito, quando suas mãos traçam caminhos lentos e torturantes pelo meu corpo, é impossível pensar com clareza.A verdade? Eu não quero parar.Não quando ele me olha assim, como se eu fosse a única coisa que importa no mundo. Não quando seu toque me faz esquecer de tudo que prometi a mim mesma.Meu corpo se encaixa contra o dele como se pertencesse exatamente ali. Minhas mãos deslizam por sua nuca, sentindo os fios macios entre meus dedos, e quando ele morde de leve meu lábio inferior, um arrepio delicioso percorre minha espinha.Isso é insano. Perigoso. É viciante.Minha respiração está ofegante, e ele sabe disso. Seus dedos pressionam minha cintura com mais firmeza, me puxando ainda mais para si. Eu deveria dizer algo, impor um limite antes que isso vá longe demais. Mas então ele sussurra:—