Depois de perder parte da manhã e um pedaço da tarde nisso, eu estava com a barriga roncando, mas com cem mil reais na conta e um elefante branco nas costas.
Lucas estava retornando do escritório do pai, eu havia ficado esperando no carro. Enquanto ele voltava era possível ver minha tromba de longe. Eu estava muito, eu disse muito, emburrada por estar com fome. E ainda mais irritada porque tive que mandar mensagem para uma advogada de confiança para transferir os casos e avisar a pessoas de facção e mães atormentadas de filhos criminosos que eu não estaria mais cuidando dos casos em questão.
— Você está com cara de quem está puta da vida. — Ele disse assim que entrou no carro, provavelmente minha cara feia estava tão à mostra que de longe, no caso do vidro retrovisor, ainda era possivel ver. — Acho que preciso te alimentar.
— Ah, você jura? — Respondi de forma mal educada, enquanto saíamos de carro, não falamos mais nada. Ele dirigiu do Leblon até o Copacabana Palace. Estacionou no estacionamento deles sem cerimonia, achei estranho, confesso, mas não questionei, já imaginando que na porcaria do Copacabana Palace não parariam uma Mercedes Benz para perguntar o que estava fazendo ali.
Antes que eu pudesse abrir a porta pesada do carro, que também era blindado, ele foi ao meu encontro e abriu a porta para mim. Eu sinceramente não estava preparada para sentar numa mesa com 500 talheres e diferentes tamanhos de prato para comer.
Eu nunca fui uma mulher requintada, pelo contrário, era simples.
Minha vida sempre foi sem muitas delongas, na verdade, eu era bem tranquila com tudo. Não era do tipo de mulher que gostava de luxar, mas eu sabia que quando eu chegasse naquele local tudo ficaria diferente.
— Vamos almoçar no bar da piscina. — Eu não falei nada, se proferisse qualquer palavra provavelmente seria um palavrão.
Ele me guiou por dentro daquele monumento de hotel até o bar da piscina. Assim que o garçom se aproximou de nós ele pediu uma pizza margherita “à moda Falcone”, não entendi essa parte, mas aceitei, estava com fome.
— Quer beber algo, Gabriela? — Quando ele falou meu nome, acho que era a primeira vez que ele fazia isso, algo se acendeu dentro de mim, não uma luz vermelha, muito menos verde. Na verdade acenderam-se fogos de artificio.
— Gin tonica. — Lucas então pediu uma gin tônica para mim e uma cerveja pra ele.
O garçom se afastou e ele tornou-se a perguntar.
— O que você quer saber sobre mim?
Péssima hora para ele perguntar isso, meu pavio estava curtíssimo naquele momento.
— Espera eu comer?
***
A pizza já estava no meu estômago e já tinham se passado três gin tônicas, que por acaso estavam carregadas, então me tornei a perguntar sobre ele, já que ele queria tanto se abrir para mim.
— Agora você pode falar sobre você. — Eu estava com um sorrisinho bobo no rosto e estava circulando a borda da taça com o dedo. Óbvio que eu era fraca para bebida, e óbvio que eu naquele estado estava dando em cima dele.
Ele era absurdamente lindo, com aquele cabelo preto rente, aquela barba por fazer, aqueles traços grossos típicos dos italianos, aqueles olhos verdes marcantes demais, aquele corpo que deveria ser coberto por desenhos.
Sério, eu só queria sentar nele.
— Me pergunta. — Ele estava relaxado.
Já estava anoitecendo, a piscina estava sendo frequentada pelas maiores socialites do Rio de Janeiro.
— Qual a coisa que você gosta que esconde de todo mundo?
Ele riu.
— Sou o maior nerd, inclusive sou super fã de Star Wars. — Me surpreendeu, que apesar da fama de mau, ele era caidinho na história de Luke Skywalker.
— Agora é a minha vez, qual seu membro da família que você mais gosta?
— Meu pai, mas ele faleceu. — Nesse momento eu me contraí, afastei de cima da mesa, tirei o dedo da borda do copo e fiquei quieta.
— Sinto muito… — Lucas ficou sem palavras, acho que ele imaginava como eu me sentia. — Sabia que eu nasci no Brasil? Assim como meus irmãos?
Ele fez algo fofo para um mafioso, tentou me distrair da melhor forma possível, mudando de assunto.
Parecia que ele me conhecia de outras vidas.
— Me conta sua história. — Sorri de leve, ainda encolhida.
— Bom, meu pai veio para o Brasil foragido, nossa família é siciliana, junto com a família Rossi,Lucante e Accardi formamos a La Mano Ombra. Enfim. — Ele suspirou, reparei nesse momento que ele falava baixo e com o corpo de frente para mim, como se estivesse me contando algo secreto, mas compreendi que ele estava apenas tentando ser discreto. — Ele era muito influente, e continuou controlando a máfia de lá daqui, e junto com isso fez acordos políticos para que não fosse pego.
— E onde você entra nesse balaio? — Perguntei curiosa, nem tinha percebido, mas já estava jogada sobre a mesa, como ele, nossos rostos estavam próximos e eu conseguia sentir o cheiro de cerveja cara de seus lábios.
— Meu pai se casou cinco vezes, mas desses cinco casamentos ele só teve filho com três, que foram as italianas, apesar de termos nomes brasileiros, somos filhos de italianos.
— Você nunca foi lá?
— Meu pai está foragido, eu não. Já fui sim, inclusive. Você ia gostar de conhecer a Sicília. — Aquilo parecia uma promessa, uma promessa que eu queria cumprir ao lado dele.
— Você tem quantos anos? — Perguntei curiosa.
— Eu? 28.
Ele parecia mais novo, mas tinha quase minha idade, isso era ótimo. Poderia talvez considerá-lo para algo além do sexo. Apena talvez.
— E você? — Ele deu aquele sorrisinho novamente e confesso que não pude resistir.
— Não se pergunta a idade de uma mulher. — Minha voz saiu sussurrada, quase sexy, ele fez uma cara engraçada como quem diz “sério mesmo?” — Ok, eu tenho 27.
— Temos a mesma idade, meu bem.
Nesse momento estávamos perdidamente próximos, se eu me movesse mais alguns centímetros eu o beijaria, mas será que eu deveria? Eu era sua protegida, estava recebendo dinheiro de sua família mafiosa para defender um primo dele, que deveria ser um membro caro.
Pelo que Lucas estava me falando, aquela era uma deportação que poderia custar muito para sua família. Talvez entregasse o César.
O político que armou isso era muito esperto.
Mas naquele momento, apesar do lapso de pensar naquele caso, eu só pensava que Lucas tinha lábios lindos. Completamente beijáveis, que eu já havia percebido desde a primeira vez que nos vimos.
Mas eu não quis admitir.
Eu estava perdida em pensamentos, e fiquei ainda mais quando ele abriu um sorriso bobo, se aproximou os centímetros que faltavam e me deu um selinho.
Não deu tempo nem de fechar os olhos e quando eu percebi o toque macio de seus lábios contra os meus, não deu tempo de mover minha boca, ele já tinha se afastado e estava em pé.
— Vem, quero te levar numa festa.
“Festa? Em plena quarta-feira?” pensei estranhando, mas estava tonta com o selinho e nossa proximidade.
Lucas foi até o balcão, pegou um cartão black da bolsa e passou por aproximação na maquininha, quando eu me aproximei, estava tonta não pela bebida mas pela merda de um selinho, ele me pegou pela mão e me levou de volta para o estacionamento do Copacabana Palace.
***
A festa era no morro da Urca, dessa vez ao invés de lidar com socialites apenas, eu estava lidando com famosos. Eu sabia que esse mundo existia no Rio de Janeiro, mas não imaginava que um dia poderia estar andando entre essas pessoas.
— Você sabe que eu tenho um elefante branco para tirar da sala, né? — Eu falei gritando, por conta do barulho da festa. Ele riu alto enquanto pegava uma caipirinha para mim e mais uma cerveja pra ele.
— Meu pai te deu três dias de folga até começar.
— Tá de sacanagem.— Ele riu.
— É sério, foi ideia dele. — Para ele dizer isso é porque o rojão que viria para cima de mim seria gigantesco. — Uma coisa muito importante, se vierem com qualquer tipo de droga para cima de você hoje você nega. Tá me escutando?
— A coisa que eu mais queria hoje era me drogar.
— A máfia não usa drogas. — Ele disse com firmeza, mais que da frase anterior. Geralmente eu não gostava que mandassem em mim, ia lá e fazia o oposto do que me foi pedido, mas quando ele proferiu aquelas palavras tudo que eu fiz foi dizer amém.
— Sim, senhor.— Ele abriu um sorriso malicioso.
— Boa, garota.