Capítulo 1 – Aurora Sinclair
Eu não me lembro do meu primeiro dia no orfanato. Ninguém se preocupou em me contar como foi. Ninguém se importou o suficiente para lembrar. Desde que tenho consciência, aquele lugar foi o meu mundo: paredes frias, camas enfileiradas, corredores escuros e o cheiro constante de mofo misturado com desinfetante. À noite, era comum ouvir choros abafados, soluços escondidos nos travesseiros.
Nunca fui a preferida. Nunca fui a menina que os casais apontavam com um sorriso nos lábios e diziam: “Essa sim, essa tem algo especial.” Às vezes, algum adulto se aproximava, segurava meu rosto entre as mãos, olhava fundo nos meus olhos e perguntava meu nome, minha idade, o que eu gostava de fazer. Por um instante, eu ousava acreditar. Talvez dessa vez fosse diferente. Talvez eles gostassem de mim. Mas o olhar deles mudava. Sempre mudava. Havia algo em mim que os fazia hesitar. Talvez fosse meu silêncio. Meu jeito de abaixar a cabeça. Ou talvez nunca tenham tido a intenção de me adotar. Eu era apenas mais um número, uma formalidade para cumprir.
A rejeição doía, mas a indiferença doía ainda mais. Vi tantas crianças saírem dali de mãos dadas com seus novos pais, enquanto eu permanecia. O coração afundava, e a mesma pergunta martelava em minha mente: o que há de errado comigo? Eu tentava sorrir, tentava parecer doce. Falava pouco, na esperança de não incomodar. Mas nada funcionava. No final, o resultado era sempre o mesmo: eu ficava, e os outros iam embora.
E os que ficavam... aprendiam a ser cruéis. Não porque quisessem, mas porque precisavam. Era a lei do orfanato: ou você machuca, ou é machucado. Eu era um alvo fácil — pequena, frágil, sozinha. Não tinha amigos, nem irmãos. Era a presa ideal. Meus cabelos eram puxados, minhas coisas roubadas. Riam de mim quando chorava, me empurravam contra as paredes. Inventavam histórias para as cuidadoras, que nunca se davam ao trabalho de verificar se eram verdade. E quando apanhava, não revidava. Nunca aprendi a me defender. Aprendi a suportar.
A fome era minha companheira constante. A comida nunca era suficiente. Quem comia rápido demais, pegava mais. Os mais espertos escondiam pão para comer depois. Eu quase sempre ia dormir com o estômago roncando. Aprendi a ignorar a dor da fome como aprendi a ignorar tantas outras dores — a solidão, o frio, o medo.
Mas, em meio ao caos, existia um ponto de luz: Dona Teresa. Ela era uma das funcionárias mais velhas do orfanato e, diferente das outras cuidadoras, fazia mais do que o necessário. Ela via. E, por algum motivo que nunca entendi, ela me viu.
Lembro da primeira vez que me chamou de “meu anjo”. Meu peito doeu. Palavras gentis eram tão raras que quase me esqueci de como soavam. Ela me dava um pão extra quando via que eu não havia comido. Me cobria durante a noite quando me encontrava encolhida de frio. Dona Teresa não falava muito, mas suas palavras tinham um peso diferente.
— Você é forte, Aurora. Mesmo que não veja isso agora. Um dia, você vai sair daqui, e o mundo vai conhecer quem você realmente é.
Eu queria acreditar. Mas como acreditar em um futuro quando meu presente era tão escuro?
Os anos passaram, e cada um me marcou de forma diferente. Aos dez anos, entendi que nunca teria uma família. Aos doze, aprendi que não podia confiar em ninguém. Aos quinze, já sabia que a vida nunca seria fácil para mim. E aos dezoito, soube que estava sozinha.
A idade chegou, e com ela, a inevitável saída do orfanato. Ninguém podia ficar além disso. Eu estava por minha conta — sem dinheiro, sem apoio, sem rede de segurança. Apenas uma sacola com roupas usadas e um coração cansado.
No dia da despedida, me despedi de Dona Teresa. Ela segurou minhas mãos e, pela primeira vez, vi lágrimas nos olhos dela.
— Eu queria ter feito mais por você — ela disse. Mas ela já havia feito mais do que qualquer um.
Antes que eu partisse, ela colocou algo em minha mão: um envelope com algumas notas amassadas.
— É pouco, mas pode ajudar.
Era mais do que dinheiro. Era amor. Era cuidado. Era a única prova de que, em toda a minha vida, alguém realmente se importou comigo.
Deixei o orfanato naquele dia sem olhar para trás. Porque olhar para trás doía. E eu já tinha sofrido o suficiente.