JavierPela primeira vez desde que nos casamos, Camille não fez questão de criar um abismo entre nós.Ela simplesmente deitou de barriga para baixo na cama, o rosto voltado para o lado oposto ao meu. Vestia um pijama novo, de tecido macio e delicado, que contrastava com os curativos discretos em sua testa. A suavidade de seus movimentos, apesar do que havia passado, era quase desconcertante.Eu me sentei na beirada da cama, ainda vestindo a calça social e uma camisa limpa, mas com as mangas arregaçadas. Não conseguia tirar os olhos dela, incapaz de ignorar o que tinha acontecido. Me perguntei, mais uma vez, se o que vimos no banheiro era real ou fruto de um delírio, um reflexo do caos da noite.— Tem como parar de me olhar? Estou sentindo seus olhos em mim. — A voz dela cortou o silêncio de forma inesperada, um pouco rouca, mas firme.A surpresa me fez sorrir automaticamente. Desviei o olhar por um instante, um gesto que raramente fazia para qualquer pessoa. Era impressionante como el
JavierEnquanto subia os degraus, Camille mantinha os ombros retos e os passos firmes. Meu olhar permaneceu nela até que desapareceu no topo da escada, me deixando sozinho no hall. Mas minha “solidão” não durou muito, pois logo ouvi o som inconfundível dos saltos de Suzu se aproximando.Ela para na minha frente, e pelo semblante severo, percebi que vinha carregada de reclamações.— Posso saber por que a segurança redobrou? — Suzu perguntou, cruzando os braços enquanto me encarava.Eu suspirei, já esperando por essa conversa.— Sofremos ataques ontem, separadamente. — Disse, sem rodeios. — Não conseguiram nada muito grave, mas não vou correr o risco de haver outras tentativas.Suzu arqueou as sobrancelhas, sua expressão oscilando entre surpresa e irritação.— Tinha um segurança na porta do meu quarto essa manhã. Ele me seguiu pela casa inteira. Não acha que deveria fazer isso com a mulher que chama de esposa? — Seu tom carregava ironia, e ela forçou um sorriso sarcástico.Soltei o ar d
CamilleA ingestão da segunda pílula deveria ser antes do jantar. Organizei mentalmente o que faltava enquanto ajustava os últimos detalhes da casa que exigia minha atenção . Assim que terminei de verificar tudo, subi para o quarto, pronta para cumprir a recomendação médica e, quem sabe, encontrar um pouco de alívio para o peso que sentia nos ombros.Assim que entrei no quarto, fui direto até a gaveta onde havia guardado a pílula. Meu coração começou a disparar quando, ao abrir, percebi que ela não estava ali. A gaveta estava vazia, limpa, como se nunca tivesse guardado nada ali."Não pode ser…" murmurei para mim mesma, começando uma busca frenética pelo quarto. Revirei as outras gavetas, olhei debaixo da cama, chequei até o chão ao redor do móvel. Nada.A inquietação se transformava rapidamente em desespero, até que um som atrás de mim chamou minha atenção. Eu não estava mais sozinha. Virei-me devagar e encontrei Javier parado à porta, me observando com uma expressão que era impossív
Camille 1 semana depoisQuando Javier mencionou que tinha algo em mente para "ocupar minha mente", a última coisa que imaginei foi estar sentada em uma tarde tediosa com as esposas dos homens mais influentes do México. Sequer me ocorreu questionar sua decisão, já que ele parecia determinado a me tirar da rotina de tensões e incertezas — ou talvez apenas estivesse tentando me moldar a algo que ele considerava ideal.O pouco que sabia sobre chás da tarde vinha de histórias que Roberta adorava contar. Segundo ela, eram encontros animados, repletos de fofocas, discussões sobre moda, viagens e as últimas extravagâncias. Na prática, o ambiente era completamente diferente.As mulheres ao meu redor estavam em completo silêncio. Cada uma parecia imersa em seus próprios pensamentos, mas não completamente desconectada. Pelo contrário, elas trocavam olhares carregados de significados — algo entre zombaria e curiosidade velada. Era desconfortável.Todas seguravam xícaras de chá ou taças de champa
JavierNão tinha ideia de quanto tempo havia se passado desde que entrei no escritório com Marco.O relógio na parede marcava algo próximo das dez da noite, mas eu não confiava mais na noção de tempo, ocupado como estava decidindo as melhores rotas para Veracruz. A tarefa parecia simples, mas os últimos acontecimentos adicionavam camadas de complexidade e tensão.— Precisamos considerar os bloqueios nas estradas principais. As informações que chegaram indicam atividade incomum perto de Córdoba — disse Marco, sua voz carregada de cansaço. Ele esfregou o queixo, o olhar fixo no mapa estendido sobre a mesa.Assenti, ajustando a cadeira e olhando para os papéis espalhados.— O desvio pela rodovia 180 parece mais seguro, mas também mais longo. Isso significa mais exposição.Marco soltou um suspiro pesado, inclinando-se para o lado da mesa.— Exatamente. E o risco aumenta com o tempo na estrada. Temos que decidir entre segurança e agilidade.Fiquei em silêncio por um momento, os dedos tambo
CamilleLiteralmente estive no lugar errado e na hora certa.Ouvi o que precisava para que Juan Carlos parasse com suas ameaças ou tentasse mais alguma coisa.A manhã parecia mais silenciosa do que de costume, embora soubesse que a ausência de Javier não significava liberdade.Ele era meticuloso demais para deixar algo ao acaso, especialmente quando se tratava de mim. Ainda assim, eu precisava testar os limites.Enviei uma mensagem rápida para Roberta, pedindo que se encontrasse comigo. Apesar de seu habitual ódio por manhãs, ela respondeu com um “só se você pagar o café” que me fez sorrir.Depois de garantir que Roberta estava a caminho do local, fui atrás de Carmen. Já sabia o que viria: objeções, controles e, inevitavelmente, os seguranças.— Vou encontrar minha mãe para um café e... talvez depois vou às compras — disse, tentando soar casual.Carmen arqueou as sobrancelhas, surpresa com a última palavra da frase. Ela parecia estar decidindo se isso era uma oportunidade de ouro para
JavierJá fazia algum tempo desde a última vez que eu acompanhara pessoalmente os carregamentos. Sentia que, de certa forma, havia perdido o ritmo, mesmo que continuasse lidando com isso diariamente. A estrada parecia infinita sob o céu azul e o silêncio dentro do carro só era quebrado pelo ruído constante dos pneus no asfalto. Estávamos próximos do destino. Em menos de uma hora, venderíamos uma carga milionária que garantiria mais um ciclo de operações bem-sucedidas.— Como estão as coisas em casa? — perguntei a Marco, que estava sentado ao meu lado, revisando um relatório no tablet.Ele levantou os olhos rapidamente, sem parecer surpreso com a pergunta.— Fui informado de que Camille foi se encontrar com a mãe mais cedo em um daqueles cafés caros demais para o que oferecem.— E os seguranças? — Minha voz saiu firme, mas o leve franzir das sobrancelhas denunciava minha preocupação.Marco suspirou, fechando o tablet e apoiando os braços no joelho.— Todos em seus postos. Não há com o
CamilleA cena diante dos meus olhos parecia saída de um pesadelo.Corpos estirados no chão do pátio, o som ensurdecedor dos tiros ainda ressoando em meus ouvidos, e o cheiro de pólvora misturado à terra úmida me deixavam nauseada. Eu queria me mover, queria gritar, mas minhas pernas estavam trêmulas demais para me sustentar. Tentei me agarrar em algo, só encontrando o vazio, ao sentir o chão começar a girar sob meus pés.— Senhora Herrera! — A voz de Carmen cortou a névoa em minha mente enquanto ela tentava chamar a minha atenção. Até que me segurou pelos ombros, os olhos cheios de preocupação. — Você está muito pálida. Vamos sair daqui agora.Deixei que ela me guiasse, incapaz de oferecer qualquer resistência. O mundo ao meu redor parecia borrado, cada passo um esforço monumental. Subimos as escadas, e eu mal percebi quando entramos no quarto.Carmen me ajudou a sentar na cama, sua voz firme tentando me tranquilizar.— Respire fundo, senhora. Pode ser sua pressão, às vezes acontece