CamilleO calor era sufocante, mesmo antes de eu abrir os olhos.O cheiro de fumaça invadiu meu quarto como um intruso indesejado, e por um instante, pensei que estava sonhando. Mas os gritos das freiras e o som de madeira estalando rapidamente arrancaram qualquer ilusão de que aquilo era um pesadelo.Levantei-me de súbito, o coração disparado enquanto meus olhos se ajustavam à escuridão do quarto. A fumaça preenchia o ambiente, densa e sufocante, queimando minha garganta a cada respiração. O único som que se destacava no caos era o choro dos meus bebês, um grito que cortava meu peito como uma lâmina.Corri até o berço improvisado onde eles dormiam lado a lado, pegando-os nos braços com cuidado, embora a urgência quase me fizesse derrubar tudo. Eles estavam assustados, seus pequenos rostos vermelhos e molhados de lágrimas.— Está tudo bem, meus amores. A mamãe está aqui. — Minha voz saiu trêmula, mas tentei manter um tom firme enquanto os embalava com uma mão e usava a outra para agar
JavierA música vibrava tão alto que parecia fazer o chão tremer.Luzes coloridas cortavam o ambiente em movimentos caóticos, iluminando brevemente os rostos animados dos convidados. A nova boate de Juan Carlos era, sem dúvida, extravagante, uma declaração de poder e ostentação que só ele poderia fazer.Estava ali porque não tinha escolha. Ele havia insistido para que eu comparecesse, e, depois do que acontecera com Camille e o bebê, manter o "inimigo" por perto era uma estratégia que eu não podia ignorar.Com um copo de uísque na mão, fiquei encostado no bar, observando tudo com desinteresse. O local estava abarrotado, mas minha mente estava em outro lugar. Eu não conseguia deixar de pensar em Camille.Eu me esforçava para acreditar que a distância era o melhor para ela, mas uma parte de mim gritava que eu havia errado ao deixá-la partir.— Senhor Javier, mais um uísque? — perguntou a bartender com um sorriso educado.— Sim, pode servir. — Minha voz soou mais rude do que eu pretendia
JavierVer Camille diante de mim foi como um soco no estômago, mas um soco que eu não sabia se queria evitar.Ela estava ali, tão real quanto a culpa que me consumia. E então, os bebês. Dois. Não era apenas um — eram dois. Dois pequenos seres que agora dependiam de nós, e eu nem tinha me preparado para essa realidade.Camille estava de pé agora, com um dos bebês nos braços, enquanto o outro repousava em um carrinho ao lado. Ela parecia cansada, exausta até, mas havia uma força em seu olhar que me fez entender que ela não era mais a mesma mulher que eu mandara embora.— Você não vai dizer nada? — A voz dela cortou o silêncio pesado da sala.Eu abri a boca, mas nenhuma palavra saiu.O álcool ainda fazia meu cérebro funcionar lentamente, mas não era só isso. Era o choque, a culpa, o fato de que, por meses, imaginei como seria tê-la de volta, mas nunca me preparei para o que dizer se isso realmente acontecesse.— Camille... — comecei, mas parei, ainda perdido nas palavras. Olhei para o be
CamilleO silêncio na mansão era algo que nunca havia me incomodado tanto quanto naquele momento.Depois de tudo o que aconteceu no convento, ver Javier andando de um lado para o outro, com o celular colado na orelha, me deixava inquieta. Ele estava diferente; mais atento, mais preocupado. Talvez fosse apenas a tensão de saber que agora tinha três vidas sob sua responsabilidade — a minha e as dos gêmeos. Ou talvez fosse algo mais.Sentada na sala, com Sofia adormecida em meus braços, observei Javier falar em um tom baixo e firme com alguém do outro lado da linha. Eu não conseguia ouvir exatamente as palavras, mas era óbvio que ele estava coletando informações sobre o ataque ao convento. A cada telefonema que fazia, parecia mais determinado.Mesmo assim, eu não conseguia evitar o sentimento de incerteza que corroía meu peito.Ele desligou e ficou em silêncio por um momento, os olhos fixos na janela. Alejandro, que estava no carrinho ao meu lado, soltou um pequeno gemido, mas continuou
CamilleOs gêmeos estavam adormecidos em seus assentos no carro, embalados pelo suave balanço da viagem de volta para casa.Eu ainda sentia o coração apertado pelo que havíamos acabado de fazer. Levar Sofia e Alejandro para ver a mãe de Javier foi uma decisão impulsiva, mas algo dentro de mim dizia que era o certo a fazer. Mesmo em coma, ela era a avó deles, e eles tinham o direito de conhecê-la, ainda que ela não pudesse vê-los.A clínica onde ela estava era tranquila, mas a atmosfera era carregada de melancolia. Ver aquela mulher ali, presa em um estado de sono eterno, foi mais difícil do que eu esperava. Seus traços lembravam os de Javier — a força nas feições, mesmo em repouso, e a serenidade que parecia contrastar com a intensidade dele.Sofia e Alejandro haviam permanecido tranquilos enquanto eu me sentava ao lado da cama dela, falando em voz baixa, mesmo sabendo que ela provavelmente não podia me ouvir.— Eles são seus netos — eu disse, tentando manter a voz firme. — Sofia e Al
CamilleA tarde estava fria, o vento soprando levemente, fazendo as árvores dançarem de um lado para o outro.Estava sentada à mesa de um café pequeno e aconchegante, em um canto isolado do salão, com Eleonora à minha frente. Ela estava calma, seus olhos penetrantes como sempre, mas havia algo no seu olhar que me fez sentir uma tensão indescritível no ar.O silêncio entre nós era pesado, como se houvesse algo que eu não estivesse entendendo.Eleonora sempre teve uma presença única, difícil de decifrar, e eu sabia que quando ela me procurava, era por um motivo. Ela não era alguém que fazia algo sem um plano por trás. Seus cabelos escuros estavam bem arrumados, e sua postura rígida, elegante. O café era uma tentativa de normalidade, mas eu sabia que, em breve, tudo mudaria.Ela me olhou com um sorriso suave, que não alcançou seus olhos.— Camille — começou ela, sua voz calma, mas firme. — Eu precisava conversar com você sobre algo importante. Você sabe o que está acontecendo com o Clube
CamilleO som do carro desacelerando à medida que me aproximava da mansão me deu uma sensação de desconforto. O bairro estava tranquilo, como sempre, mas algo parecia fora de lugar naquele momento. Cada curva da rua, cada rua em que passava, parecia aumentar o peso dentro de mim. Meus pensamentos estavam em uma tormenta constante, e a cada quilômetro percorrido, a culpa aumentava como uma avalanche prestes a me consumir.Sabia que a escolha que fizera não tinha volta. O que fizera para proteger meus filhos, para garantir sua segurança, me deixava com o estômago apertado, uma sensação de angústia que parecia corroer minha alma. Mas, ao mesmo tempo, havia algo em mim que me dizia que eu não tinha alternativa. Eu havia sido pressionada, manipulada, e agora estava pagando o preço por isso.O motorista estacionou o carro na entrada da mansão, e saí rapidamente, sem dizer uma palavra. O som da porta batendo atrás de mim parecia distante, como se o mundo estivesse em um silêncio absoluto, e
JavierEstava andando pelos corredores da mansão, como de costume, sempre com a mente ocupada. As semanas passavam como um borrão, e eu tinha tanto para gerenciar, tantas coisas pendentes, mas nada parecia mais importante do que ela. Camille. A mulher que, ao lado dos meus filhos, se tornou a minha razão de viver. Mesmo que as circunstâncias a rodeassem com tanta dor, eu não podia deixar de sentir um amor imenso por ela, algo que ultrapassava o medo e as complicações.Quando cheguei ao quarto, a cena à minha frente me paralisou. Camille estava no chão, os braços ao redor dos joelhos, os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. Ela estava tão absorta em sua dor que nem percebeu minha chegada. O ar estava pesado, e eu sabia que algo não estava certo.Ela, sempre tão forte, sempre tão determinada, agora parecia totalmente quebrada, como se o peso do mundo estivesse sobre seus ombros.Parei na porta, sem saber o que dizer.Por um instante, uma onda de culpa me invadiu, me fazendo quest