CamilleCada semana, sem exceção, o médico vinha.Ele era sempre o mesmo, com seu olhar clínico e a maneira fria de me tratar, como se minha condição fosse apenas um número em sua prancheta. Não importava o que eu pensava ou sentia. O que importava era o número de semanas que se passavam, o ritmo do meu corpo, o desenvolvimento do bebê. Ele nunca perguntava se eu estava bem, se eu estava feliz. Ele nunca se importou com o que eu pensava sobre o lugar onde estava ou o homem que me mantinha prisioneira.Toda segunda-feira, ele batia na porta com a mesma pontualidade, e eu o recebia, sabendo exatamente o que viria: a medição da barriga, o exame dos batimentos cardíacos do bebê, e nada mais. Javier sempre estava perto, não me deixando sozinha, observando cada movimento com o olhar de um vigilante.Ele acreditava que isso era proteção. Eu sabia que era controle.— Como está se sentindo, Camille? — o médico perguntava, sua voz monótona e impessoal, como se repetisse a mesma frase para todas
CamilleEu nunca imaginei que um simples convite para sair de casa pudesse parecer tão surreal. A ideia de ir até a cidade, respirar o ar fresco, e fazer algo tão trivial como comprar coisas para o bebê parecia uma fantasia, um luxo impossível. Mas quando Suzu entrou no meu quarto naquela tarde, com um sorriso travesso no rosto e uma proposta que parecia até ousada, algo dentro de mim despertou.Ela sempre foi diferente de Javier. Talvez fosse por ser mais nova, talvez por não carregar o peso das responsabilidades que ele carregava. Suzu era uma das poucas pessoas que eu via como alguém fora daquele ciclo fechado em que vivia. Ela ainda tinha liberdade, ou ao menos, parecia tê-la.Mas e eu?Eu era uma sombra que se arrastava pelos corredores da mansão, sempre vigiada, sempre restringida. A ideia de escapar, mesmo que por algumas horas, era tentadora, mas a incerteza sobre as consequências de algo tão simples me deixava inquieta.— Camille, eu sei que você está cansada de ficar aqui o
JavierEu não sabia o que havia me consumido mais: a raiva de ver Camille fora de seu quarto, fora da minha vista, ou o pânico de imaginar o que poderia ter acontecido com ela.Cada segundo que se passava desde o momento em que soube que Suzu havia levado Camille para a rua me consumia mais. O medo de perder o controle sobre a situação e, pior, a possibilidade de algo ter acontecido com ela, me fazia sentir como se o chão tivesse sumido debaixo dos meus pés.Quando entrei na sala onde Suzu estava, ela estava tranquila, como se nada tivesse acontecido. Ela estava deitada no sofá, olhando para o celular, como se estivesse tão à vontade quanto um dia comum, sem pensar nas consequências do que fizera.Não sabia se me sentia mais irritado por ela não entender a gravidade do que acontecera ou pela confiança excessiva que tinha no fato de que tudo ficaria bem.— Suzu! — minha voz soou mais dura do que eu queria, mas o desespero me fez perder o controle. Ela olhou para mim e suspirou, como se
CamilleEstava deitada na cama, o peso da prisão mais uma vez me consumindo, quando o som de uma explosão distante interrompeu a quietude da noite.A casa tremeu, e meu coração disparou. Instintivamente, olhei para a porta do meu quarto, tentando entender o que estava acontecendo. Por um momento, a mansão parecia ter perdido sua aura de segurança, como se a própria fundação estivesse sendo desafiada por algo invisível.O que era aquilo?Eu sabia que o perigo nunca estava longe, que a ameaça estava sempre à espreita, mas essa noite parecia diferente. O medo tomou conta de mim como uma onda imensurável. Eu me levantei da cama, hesitante, enquanto meu cérebro tentava processar o que estava acontecendo.A mansão não era apenas uma prisão para mim — era também uma fortaleza que Javier tinha construído para nos manter seguros, ou pelo menos, para manter a sua visão de segurança intacta. Mas e se a segurança dele fosse apenas uma ilusão?De repente, o som de passos pesados nos corredores soo
JavierA mansão estava quieta demais, mais do que eu poderia suportar.O cheiro de pólvora ainda pairava no ar, e o eco das explosões e dos tiros parecia ressoar em minha mente, como um lembrete cruel do que acontecera naquela noite.Os corpos dos invasores estavam espalhados pelos corredores, testemunhas silenciosas de uma luta que, embora tenha sido rápida, deixou um rastro de destruição e morte por todo lado. Eu sabia que, por mais que tentássemos limpar e restaurar a casa, nunca mais seria a mesma. A segurança que tínhamos, ou achávamos que tínhamos, tinha se desfeito.Agora, o que restava era apenas uma fachada, uma mentira construída por nós mesmos, tentando manter tudo sob controle, mas o caos sempre estava mais próximo do que imaginávamos.Olhei para Camille, que estava na sala, sendo acalentada por sua mãe, Roberta. Ela parecia exausta, seus olhos pesados pela tensão e pelo medo. Mas, por mais que eu tentasse me concentrar nela, minha mente estava em outro lugar. Sabia que es
CamilleO céu estava cinza quando fui levada, sem ao menos um aviso, para um lugar que eu sabia ser ainda mais distante da liberdade. As paredes do carro escuro refletiam minha angústia, e a cada quilômetro que passava, uma parte de mim ia se quebrando.Eu já não sabia mais onde estava ou para onde estava indo, mas sabia que minha vida, ou o que restava dela, não me pertencia mais.A decisão havia sido tomada. E, por mais que eu implorasse, por mais que minha voz tremesse ao pedir que ele reconsiderasse, Javier parecia ter se distanciado cada vez mais de mim. Seus olhos, que antes estavam cheios de desejo e, talvez, até de algum tipo de carinho, agora estavam vazios, frios e decididos. Ele havia feito sua escolha, e eu não fazia parte dela."Você precisa estar segura, Camille", ele dissera. Aquelas palavras ecoavam em minha mente como um eco distante, sem sentido. Não havia segurança onde eu estava sendo levada, não havia conforto em qualquer lugar fora de seus braços, mesmo que fosse
Camille2 meses depoisA rotina no convento era estranha, mas, ao mesmo tempo, simples e quase confortante.Não havia mais caos, nem o som incessante de passos rápidos nos corredores, nem o som de tiros e explosões. Era o tipo de silêncio que sufocava, mas que, de algum modo, me permitia respirar. A cada dia, eu me levantava cedo, logo ao amanhecer, e seguia o ritmo das freiras.A vida no convento se resumia a uma sucessão de tarefas diárias: orações, cuidados com as crianças, arrumação e limpeza. Nada além disso. Era uma vida sem surpresas, sem interrupções. Uma vida que não me lembrava mais quem eu era antes de ser arrancada de tudo o que amava.Eu tentava me acostumar à ideia de estar ali, de viver com elas, entre as paredes frias do convento, como se isso fosse a minha realidade agora. Mas havia algo que nunca saía de minha mente. O vazio dentro de mim, um vazio profundo que crescia a cada dia, se espalhando por minha alma, me consumindo. O silêncio do convento me deixava com muit
CamilleO convento por fim se tornou um lugar familiar para mim, mas não era um lar.Não havia calor ali, apenas o frio da separação e a solidão que me consumia lentamente. A rotina simples que havia me cercado desde minha chegada não parecia aliviar a dor que eu sentia por dentro. Ao contrário, ela apenas me forçava a encarar a verdade de que estava longe de tudo o que conhecia, longe do homem que amava, e, pior ainda, longe da liberdade que eu tão desesperadamente desejava.Mas havia momentos, pequenos momentos, quando a solidão se tornava insuportável, que a ideia de fugir tomava conta de mim. Eu sabia que não era sensato, sabia que não seria fácil e que, se fosse pega, as consequências seriam ainda mais terríveis. Mas a ideia de correr para longe daquele convento, para longe das regras e da opressão, me trazia uma sensação de alívio que eu não conseguia ignorar.Era uma manhã fria quando a oportunidade, ou a ilusão de uma oportunidade, se apresentou. As freiras haviam me solicitad