JavierOs sons do ginásio eram como uma trilha constante no fundo da minha mente.Punhos batendo em sacos de pancada, os grunhidos abafados de esforço, os pesos sendo erguidos e caindo no chão de borracha. Tudo isso me mantinha focado, distraído de tudo o que estava acontecendo lá fora, de tudo que eu sentia mas não queria lidar.Meu corpo estava em movimento, os músculos queimando com a repetição incessante de golpes no saco de pancadas e, depois, no meu oponente. O suor escorria pela minha testa, pingando no tatame, enquanto o ar denso do ginásio queimava em meus pulmões.Eu estava no ringue, enfrentando um dos meus homens. Era apenas treino, mas não significava que eu pegaria leve. Cada golpe que dava tinha uma força bruta que parecia mais sobre descarregar a tensão no meu corpo do que vencer uma luta. Meu oponente era bom, mas não estava no mesmo nível. E mesmo assim, eu não me segurava. Precisava sentir a dor, o cansaço extremo, precisava me esgotar até não ter forças para pensar
JavierA água quente escorria pelos nossos corpos, Camille estava ali comigo, debaixo do chuveiro, os cabelos encharcados e grudados em seu rosto, a pele molhada e reluzente. Ela parecia tranquila, quase vulnerável, mas não de um jeito ruim. Era como se finalmente estivesse se permitindo relaxar, mesmo que por um momento.Passei as mãos pelo rosto, tentando me livrar da sensação surreal de tê-la tão perto de novo, depois de semanas de distância emocional. Nunca pensei que um dia chegaríamos ali, dividindo o espaço debaixo da água quente como se o mundo lá fora não existisse.Ela ergue o rosto para me encarar, os olhos brilhando com algo que parecia indecisão ou talvez incerteza. Não pude evitar um pequeno sorriso ao ver aquela expressão.— Camille — comecei, minha voz soando mais suave do que esperava. — Talvez você devesse sair um pouco de casa. Fazer algo. Respirar o ar de fora.Ela inclinou a cabeça, franzindo o cenho enquanto processava minhas palavras. O silêncio dela era quase
Camille Uma BMW estava parada diante de mim, reluzindo sob o sol. Eu segurava as chaves com firmeza, como se fossem a única coisa que me conectava ao momento. Javier realmente permitira que eu saísse de casa, sem seguranças, sem motorista, sem ninguém me seguindo.Apenas eu e o mundo lá fora. Era surreal.Tinha me acostumado tanto à rotina sufocante dentro da propriedade, às ordens silenciosas e à constante vigilância, que a ideia de estar sozinha parecia um sonho distante. Ou talvez um pesadelo.Respirei fundo, sentindo o peso da liberdade nas mãos. Poderia ir onde quisesse, fazer o que quisesse, mas estava paralisada. Meu olhar alternava entre o carro e a entrada da casa.Eu realmente devia ir? E se fosse uma armadilha? E se algo acontecesse enquanto estivesse fora? A proteção de Javier, embora sufocante, tinha seu conforto.Depois de alguns minutos perdida nesses pensamentos, me forcei a agir. Apertei o botão que destrancava o carro, o som familiar me puxando de volta à realidade.
JavierO restaurante estava silencioso, exceto pelo som suave de talheres e conversas baixas ao fundo. Eu me sentia desconfortável, ainda tentando digerir o que havia acontecido nas últimas horas.Cada passo fora de casa parecia ser um campo minado, e eu sabia que nada seria mais do que uma distração momentânea. Mas aquela reunião, com Sandoval, era algo que não podia adiar.A mesa estava iluminada suavemente pela luz amarelada das luzes, criando uma atmosfera quente e íntima. A presença de Sandoval era algo que ainda não conseguia identificar completamente. Ele parecia confiável, mas sua natureza reservada sempre me deixava em alerta. Não sabia se podia confiar plenamente nele.Sandoval entrou no restaurante com sua postura característica, elegante e segura, o olhar sempre atento. Ele acenou levemente, indicando que havia me visto, e caminhou até a mesa onde eu estava sentado, como se fosse uma rotina. Sem mais palavras, ele se sentou à minha frente e pediu um copo de vinho, mais par
CamilleO sol já começava a se pôr, pintando o céu com tons avermelhados e dourados quando as duas mulheres apareceram, suas vozes suaves me arrancando do estado de torpor em que eu me encontrava.— Você está bem? — A primeira perguntou, a voz carregada de preocupação genuína.Eu me virei lentamente em direção às duas, ainda um pouco atordoada, sentindo o coração disparado no peito. A outra mulher inclinou a cabeça, os olhos estreitos enquanto me analisava.— Você parecia desnorteada quando saiu daquele carro — ela comentou, baixinho, como se tivesse medo de ser ouvida.Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a primeira se aproximou um pouco mais, o rosto ganhando um ar curioso e quase animado.— Ei! — exclamou. — Você não é a esposa do Javier?Pisquei algumas vezes, surpresa com a pergunta. Só então me dei conta de que ela era mais baixa que eu, esguia, com cabelos na altura do queixo e ondulações perfeitas que emolduravam seu rosto delicado.— É... Eu sou — respondi, hesitante.E
JavierA noite estava fria, mas o calor da fogueira improvisada no pátio central irradiava com intensidade suficiente para fazer suor brotar nas testas dos que estavam reunidos. Mantive meus olhos fixos nas chamas, que dançavam ferozmente enquanto consumiam a madeira. O crepitar ecoava pelo silêncio absoluto que se instalara entre os funcionários da casa. Ninguém ousava falar ou sequer se mexer sem que fosse necessário.Marco estava ao meu lado, como sempre, atento e inabalável. Ele, assim como os outros, aguardava que eu explicasse por que todos haviam sido convocados.— Devem estar se perguntando por que estão aqui — comecei, minha voz firme cortando o ar noturno.Os olhares estavam fixos em mim, carregados de expectativa e uma pitada de medo. Podia sentir a tensão no ar, tão densa que quase podia tocá-la. Dei um passo à frente, ajustando o paletó, e olhei para a grande panela de ferro cheia de água fervente sobre a fogueira. O vapor subia em espirais sinuosas, desaparecendo na esc
JavierO silêncio na sala era absoluto, quebrado apenas pelo som ritmado dos meus passos. Caminhava de um lado para o outro, os olhos fixos na cadeira de metal no centro da sala. Era ali que os funcionários eram levados, um por um, para interrogatório.A iluminação fraca lançava sombras alongadas contra as paredes de concreto. A atmosfera estava carregada, densa. O cheiro de suor e medo impregnava o ar.O primeiro a ser trazido foi o jovem jardineiro. Ele parecia ainda mais frágil sob a luz dura da sala, seus olhos arregalados enquanto tremia visivelmente na cadeira.— Sabe por que está aqui? — perguntei, minha voz baixa, mas carregada de intenção.Ele balançou a cabeça rapidamente, negando, enquanto seu olhar passava de mim para Marco e depois para a porta, como se calculasse a distância até a saída.— Não quero perder meu tempo, garoto. Quem está ajudando Juan Carlos? — continuei, cruzando os braços.— Eu... eu não sei, senhor! Eu juro!Marco se aproximou, apoiando as mãos nos ombro
CamilleOs primeiros raios de sol invadiam o campo de treinamento improvisado enquanto eu ajustava as faixas em volta dos pulsos. Estávamos em um armazém abandonado, um espaço amplo e isolado que Eleonora garantiu ser seguro.O lugar tinha um cheiro de madeira velha e ferrugem, com o piso de concreto rachado em alguns pontos, mas era perfeito para o que pretendíamos fazer.Lúcio estava parado no centro do espaço, os braços cruzados, esperando pacientemente enquanto Eleonora e Lola organizavam as recém-chegadas. Ele era um homem robusto, com uma postura intimidadora e um olhar que parecia enxergar através de você. Ele não dizia muito, mas quando falava, a autoridade em sua voz era inegável.— Vamos começar com o básico hoje — ele disse, cortando o silêncio, sua voz ecoando pelo galpão. — Autodefesa, percepção de ameaças e, para as mais avançadas, talvez o uso de facas e armas.Eu ergui uma sobrancelha, intrigada com o último ponto, mas mantive minha atenção nele. As outras mulheres ao