Auriel Pov
“Que merda é essa, Thorne?” Amara questiona atrás de mim, sua voz cortando o ar como um chicote, carregada de incredulidade e, talvez, um toque de dor que ela tenta disfarçar.
Meus ombros tensionam automaticamente, como se eu tivesse acabado de ser pega cometendo um crime hediondo. Me afasto dos braços de Thorne, sentindo como se cada movimento fosse pesado, cada passo um esforço sobre-humano. Meu olhar recai sobre o rosto dele, e é impossível ignorar a confusão estampada em sua expressão. A testa franzida, os olhos em constante movimento entre mim e Amara, como se estivesse tentando remontar peças de um quebra-cabeça que simplesmente não se encaixam.
Eu preciso sair daqui. Agora.
Desesperada, meus olhos varrem o salão em busca de uma rota de fuga, mas tudo o que encontro são rostos. Incontáveis rostos. Todos nos encarando. Olhares cheios de choque, reprovação, curiosidade e... até uma ponta de diversão maliciosa de alguns.
“Eu… eu, eu não sei.” Thorne responde, gaguejando, sua voz falhando ligeiramente enquanto ele olha para Amara e depois para mim, claramente tentando compreender o que acabou de fazer. O tom em sua voz é de alguém perdido, alguém que não sabe como justificar o inexplicável.
Meu coração martela no peito como se quisesse escapar. Quero desaparecer. Abrir um buraco no chão e me atirar dentro dele, criar um feitiço de portal para evaporar dali antes que alguém diga mais alguma coisa. Só que meu corpo não se move, congelado pelo peso da vergonha e da atenção indesejada.
De repente, sinto o ambiente mudar novamente. Um murmúrio atravessa a multidão, e todos os olhares que estavam em nós parecem se desviar momentaneamente para algo atrás de Thorne. Quando eu me viro, meu estômago dá um nó ainda maior ao ver as imponentes figuras do rei Caelum e da rainha Aria caminhando na nossa direção. Eles exalam autoridade, seus passos ecoando no chão de mármore polido do salão. O olhar severo do rei encontra o de Thorne, e é como se o próprio ar fosse arrancado dos meus pulmões.
“Thorne Everhart Frost, o que você pensa que está fazendo?” A voz do rei Caelum é firme e autoritária, preenchendo cada canto do salão com uma presença que não pode ser ignorada.
Antes que Thorne possa responder, a rainha Aria se aproxima, sua expressão menos dura, mas ainda cheia de desconfiança enquanto seus olhos castanhos percorrem minha figura.
“Quem é você?” ela pergunta, sua voz contendo um tom mais ponderado, mas não menos intimidante.
Quero responder, mas as palavras se perdem na minha garganta, como se tivessem sido engolidas pelo peso da situação. Antes que eu possa sequer tentar, Thorne fala, sua voz firme e decidida, apesar do caos que claramente habita sua mente.
“É com ela que eu quero me casar,” ele declara, como se essa fosse a verdade mais óbvia do mundo.
As palavras dele me atingem como um soco no estômago. Meu coração para por um instante, meus olhos arregalados em puro choque enquanto tento processar o que ele acabou de dizer. Olho para os rostos ao nosso redor — o rei e a rainha, Amara — e vejo reações semelhantes. É como se o tempo tivesse congelado, todos presos nesse momento insano.
“Vamos agora para o escritório, todos vocês…” o rei ordena, sua voz soando como um trovão. Não é um pedido, é uma ordem, e ninguém ousa questionar.
Meu corpo todo treme com o comando. Thorne se aproxima de mim e eu nego com a cabeça a sua tentativa de ficar ao meu lado. Quero gritar, fugir, fazer qualquer coisa que não seja enfrentar o que está por vir. Estou prestes a conjurar um feitiço, qualquer feitiço que me tire dessa confusão, quando sinto alguém agarrar meu pulso com firmeza. Meu corpo se enrijece, mas ao levantar a cabeça, vejo que é Darius. Por um breve momento, o alívio se espalha por mim, mas dura pouco. Seu rosto está fechado, os olhos carregados de irritação e algo que quase parece… decepção.
“O que você fez, Auriel?” ele pergunta, sua voz baixa, mas cortante como uma lâmina. A frustração em suas palavras me atinge com força, e eu fico muda, incapaz de formular uma resposta.
“Você a conhece, Darius?” a rainha pergunta, sua atenção agora dividida entre nós dois.
“Sim, senhora, ela é a minha…” Darius limpa a garganta e eu fico na ansiedade para ouvir ele me chamar de sua namorada. “Minha amiga, majestade.”
Meu coração se encolhe dentro de mim, apertado em um misto de vergonha e mágoa. Amiga. É tudo o que sou para ele.
“Nos acompanhe, então,” a rainha ordena, e Darius obedece sem questionar, seguindo o grupo enquanto sua mão solta meu pulso. Sinto um vazio onde seus dedos estavam.
Assim que chegamos no imenso escritório do rei, a tensão fica ainda mais forte entre todos.
“Quem é que vai começar a se explicar aqui?” o rei Caelum exige, sua voz reverberando pelas paredes e enchendo o ambiente de um peso quase insuportável.
Os olhos do rei pousam em mim e há uma raiva instala em seu olhar que quase gela a minha alma.
“É minha culpa, Majestade,” eu digo com medo na voz. Minhas mãos tremem, e tento escondê-las atrás do meu vestido, mas o gesto é inútil. “A verdade é que o Thorne está enfeitiçado. Eu fiz uma poção do amor e o príncipe Thorne acabou bebendo e...”
A reação do rei é instantânea, visceral. Ele rosna como um predador ferido, sua presença tão intimidadora quanto a aura mágica que emana dele.
“Você usou magia proibida no meu filho?” Ele dá um passo em minha direção, e eu recuo instintivamente, como um animal encurralado.
Antes que ele possa se aproximar mais, Thorne se coloca entre nós, o corpo rígido como uma muralha.
“Você não vai machucá-la!” Thorne declara com firmeza, sua mão se estendendo protetoralmente na minha direção. O contraste entre a determinação em sua voz e o olhar confuso em seus olhos é desconcertante.
“Não era a minha intenção que o príncipe bebesse, Majestade. Eu havia feito para…” Sinto uma onda de vergonha dominar o meu corpo. “Eu tinha feito para outra pessoa beber.”
Meus olhos se encontram brevemente com os de Darius, e o choque em seu rosto é palpável, como um golpe direto no peito. Ele sabe. Ele entende agora. E ainda assim, não diz nada, deixando-me enfrentar sozinha as consequências da minha tolice.
“Sinto muito pelo transtorno,” continuo, tentando desesperadamente justificar o injustificável. “Nunca foi a minha intenção arruinar o noivado do príncipe e da duquesa, eu juro.”
“Eu devia mandá-la para a prisão e ser morta ao primeiro raio de sol por isso, sabia? O uso de magia proibida em meu reino é o crime mais grave que existe.” Seu tom é carregado de raiva e desprezo, e sinto minhas pernas tremerem mais uma vez.
A rainha coloca a mão nos ombros do rei para acalmá-lo. Percebo nesse momento o quão parecido Thorne é da rainha Aria, os olhos castanhos e o tom de pele parda. Notando a minha observação, a rainha Aria abre um sorriso gentil para mim, é breve, mas me ajuda a respirar um pouco mais calma.
“Meu marido, não precisamos tomar uma decisão tão drástica assim. Acredito que a senhorita Auriel pode desfazer o feitiço, correto? Criar uma poção que anule essa e tudo volte ao normal,” Aria sugere com uma voz branda e calma.
Meu coração volta a saltar do meu peito com a sugestão e minha garganta mais uma vez se fecha. O silêncio que se segue já revela a pior verdade de todas.
“Eu não sei se há como retirar o feitiço,” confesso com medo.
Caelum se desvencilha das mãos da esposa e mais uma vez avança na minha direção, apontando o dedo para mim e por um momento, eu acho que ele vai lançar um feitiço em mim.
“Você não vai sair desse castelo até desfazer essa merda que você criou, garota!” Caelum diz com firmeza na voz. “Guardas!”
Meu corpo gela no lugar ao ouvir o comando. Thorne tenta mais uma vez intervir, mas desta vez é contido pela própria mãe e por Darius. Ele lança um olhar de súplica para mim, mas estou paralisada, incapaz de reagir.
“Enquanto você, Thorne,” Caelum continua, sua voz tão cortante quanto vidro quebrado. “Você está proibido de chegar perto dela, está me entendendo? Vocês dois vão voltar para o baile e fazer tudo o que estava combinado. Esse casamento vai acontecer, não importa se Thorne está enfeitiçado ou não!” Caelum ordena.
“Mas pai, eu…” Thorne começa, entretanto, Caelum o interrompe.
“Não tem “mas”, Thorne. Esse casamento vai acontecer!”
“Eu sinto muito, nunca foi minha intenção causar tudo isso. Prometo que vou encontrar uma forma de quebrar o feitiço,” eu declaro, tremula.
“Claro que vai, você tem uma semana…” Caelum responde com sarcasmo ácido na voz. “Ou então, você sofrerá a pena de morte por uso de magia proibida em meu filho, o herdeiro de Veridiana!”
Assim que a sentença é dada, três guardas surgem e me escoltam para fora do escritório. Fico catatônica com o meu novo destino, sem saber como vou conseguir sair disso.