Sinto meu rosto queimar de tanta vergonha, mas se tem uma coisa em que eu sou boa, isso é improvisar.
- Você está sujo de caneta aqui. - menti, apontando para perto da minha boca, o fazendo automaticamente passar sua mão no lugar que eu indiquei, porém em seu rosto, tentando se limpar. Vejo suas bochechas se corarem levemente contra sua pele parda, o que o faz parecer até meio fofo. Solto um riso baixo sem querer. Ele me olha atônito. - O que te causa tanta graça? - ele perguntou se recompondo. - Você! - falei sem hesitar e sorri ainda mais. Rafael fica sem palavras, surpreso pela minha resposta inimaginável. E eu gosto disso. Ele continua me olhando fixamente nos olhos. “ O que será que ele está pensando?” Esse tipo de pensamento brota em minha cabeça, porém ele é um livro difícil de ler. Ao contrário dele, imagino que eu seja um livro aberto que ele consegue entender perfeitamente. Nunca fui do tipo misteriosa. - Posso te dar uma foto minha se você quiser! - digo a ele o fazendo entender que me encarava por tempo demais. Ele ri. E que sorriso. Agora eu entendia o porque de todas as meninas da sala serem apaixonadas por ele. Ele exala uma aura de bom garoto. - Autografada? - respondeu ele entrando na brincadeira. - Aí já é demais. - respondi o fazendo sorrir ainda mais. De alguma maneira, depois disso as horas passaram voando e me senti realmente triste quando as aulas terminaram. Me despedi de maneira bem cautelosa dos dois amigos que fiz, Diana e Rafael, e fui em direção a porta. Mal saio da escola e recebo uma chamada. Minha mãe. Por sorte antes de ir a aula ela me havia dado seu número. - “Alô, filha você já saiu?” - pergunta ela do outro lado da linha, sem muito barulho ao seu redor. - Sim, estou aqui na porta, onde você está? - tento me afastar da multidão para escutá-la melhor. - “Então… eu ainda estou no meu trabalho, mas seu irmão vai te levar para a casa. Ele tem seu próprio carro e sempre volta com uns amigos… - ela faz uma pausa breve e depois fala - … seria bom se você se desse bem com eles também. Todos vem de boas família. Respirei fundo. Por que tinha essa constante sensação de que ela me empurrava para essas pessoas? - E ele sabe disso? Não o vi hoje. - pergunto a ela já angustiada. - “Sabe, ele deve estar por ai… - antes dela terminar de falar escuto uma buzina - “É ele?” - me pergunta ela. Movo minha cabeça na direção que ouvi o som. Um carro da marca Jeep e cor prateada começa a baixar os vidros. A primeira pessoa que vejo me deixa em choque, fico sem entender, até ele me observa como quem ficou surpreendido, aí está meu colega de classe Rafael e ao seu lado, no banco do motorista, está Pedro. - “É ele?” - escuto ela novamente me perguntando, um pouco mais ansiosa. - Sim, é ele. - respondo indo em direção ao carro. Minha mãe então se despede de mim e desliga a chamada. Abro a porta do carro e ali está a garota do desenho de Rafael. A reconheci na mesma hora devido a seu talento, mas ela é ainda mais bonita pessoalmente. - Oi. - digo a ela ao entrar no carro. - Oi. - ela me responde sem muito entusiasmo. E se virando para Pedro, toca em seu braço suavemente, com a naturalidade de quem se conhece muito bem e já fez isso várias vezes; e então lhe pergunta: - Quem é ela? - me sinto incomodada com o fato dela parecer ignorar minha existência, poderia ter perguntado a mim diretamente, mas fico mais incomodada ainda com o toque dela sem se importar com a presença do namorado ao lado. “Por acaso eu estou exagerando?” Rafael não fala nada, nem sequer me olha e também não faço questão. Deve ser por causa da namorada dele. - É a minha nova irmãzinha. - ele responde sádico. Ela fica surpresa, imagino que Rafael também, porém não consigo ver seu rosto do banco de trás. - De sangue? - ela me olha e depois volta o olhar para Pedro. - Vocês não se parecem. Ele ri e começa a dirigir. - É filha da minha madrasta. - por fim responde. A garota me olha novamente e fecha a cara, como quem não gostou. Franzo a testa tentando entender o porque dela fazer isso. - Quantos anos você tem? - dessa vez ela dirige a palavra a mim. - 16, por que? - ela parece pensar um pouco. - Um ano mais nova que eu e o Pedro, mas tem a mesma idade que você, amor! - diz ela ignorando completamente minha pergunta. - Por acaso vocês são da mesma sala? Ela se vira para ele, mas antes dele falar algo eu decido responder. - Somos da mesma sala, talvez ele não percebeu porque estava dormindo. - senti que seria melhor se eu mentisse, não sei por que. Rafael não falou nada. Então imagino que eu esteja certa. - Mas você reparou nele, pelo jeito. - falou ela em tom normal, mas senti seu olhar destilando veneno em mim. - Eu reparei em todo mundo, afinal sou nova na turma. - desviei o olhar do dela. - Pois ainda bem que meu namorado não dá bola para qualquer uma. Tem mulher que não pode ver homem comprometido que já que se atirar. - disse em tom provocativa me olhando de cima embaixo. - E tem aquelas que mesmo sendo comprometida não se comporta como uma. - respondi.Ela me fuzila com o olhar. - Por um acaso você está falando de mim?! - seu tom fica mais alto e estridente. - Ué! Se a carapuça serviu…. Pedro ri alto, fazendo tanto eu quanto ela se virar em sua direção. - Agora entendo a preocupação da sua mãe, irmãzinha. - diz ele sem desviar o olhar da estrada. - Você parece ser horrível fazendo amizade. Reviro os olhos e me acalmo um pouco, mas logo respondo: - É que eu escolho bem minhas amizades. - Cruzei os braços e evitei olhar para ela. “É melhor ter qualidade do que quantidade, mas acho que essas pessoas populares não entendem muito isso.” Pensei. A garota bufou ao meu lado. - Não é como se eu fosse ser sua amiga mesmo. - ela passou a mão em seus ombros, deslizando suas mechas loiras para trás. - E eu nem quero. - respondi, espelhando seus movimentos. Me viro para a janela do carro e sinto um olhar sobre mim. É Rafael me olhando pelo retrovisor externo do carro. Nossos olhos se encontraram, mas logo ele desvio
Virou certo costume Pedro me levar juntos com seus amigos a escola. O que me fazia ficar irritada logo cedo e quem não ficaria ao ver uma garota com cara de emburrada para mim sempre que nós vemos e Pedro com as provocações dele sempre que está sozinho comigo. Aliás, descobri que ela se chama Anna. Um nome tão bonito, para uma pessoa tão bonita, mas tão megera como ela. Acho que não combina. Rafael trocava algumas palavras comigo durante a aula apenas, mas não quando estávamos com eles. A sala está tão silenciosa que o único ruído que se escuta é o ranger do giz de cera no quadro negro. Com pouco tempo aqui, percebi que o professor de história adora escrever e ele escreve e escreve e não para mais. A mão chega a doer. Em um momento impulsivo bato minha cabeça no livro em cima da minha mesa como forma de tentar me acordar. “Mas um minuto dessa tortura e eu durmo!” Pensei, ainda com a cabeça sobre os livros. Escuto uma risada baixa ao meu lado e me viro em sua direção. É
“Me sinto culpado em querer saber” essa frase deu voltas e voltas o dia todo pela minha cabeça, me deixando confusa. Só o vi por 5 dias e já sinto coisas que nunca senti antes, nem sei explicar o que é, mas de certa forma me sinto culpada também. - Por que ele tem que ter namorada? - me pergunto atirando um urso de pelúcia no teto e ao cair, o uso para tapar minha boca e solto um grito que estava entalado em minha garganta. Sempre odiei pessoas que traem ou que sabendo que o outro namora, o faz trair. Para mim, ambos são igualmente culpados, sujos e desprezíveis. Então não consigo entender porque Rafael me chama tanta atenção assim. Eu nem mesmo aceitava ser amiga de homens que namoram, então por que sinto tanta vontade de estar perto dele? Deslizo meus braços pela cama de casal do meu quarto, enquanto encaro fixamente o teto imaginando o rosto do meu vizinho de mesa. - Como posso descrever o que sinto? - me pergunto a mim mesma ainda olhando para o teto. De alguma for
Me desperto novamente me sentindo mais descansada e ainda sem abrir os olhos, deslizo minhas mãos pela minha cama. Me lembro de Pedro dormindo ao meu lado e abro meus olhos rapidamente o procurando, mas ele já não está mais aqui. Respiro aliviada, apesar de um pouco surpresa. Olho ao meu redor procurando algo que ele possa ter deixado, mas não há nada. Nenhuma carta. Nenhuma mensagem. Nada. Me estiro na cama e faço o que sei fazer de melhor. Olhar para o nada e pensar em tudo. Observo meu teto enquanto pensamentos sobre meus antigos amigos surgem em minha cabeça. “O que será que eles estão fazendo agora?” Penso e logo desvio o olhar para a porta que dá a sacada, observando o dia lindo que parece estar lá fora. Quase todo sábado meus amigos e eu costumávamos ir de bicicleta até a cachoeira da cidade. As vezes ela estava cheia de pessoas e as vezes era só nós e mais algum outro grupo. “Será que eles estão lá? O dia está perfeito para algo assim!” Assim que o pensamento desapar
Pedro aproveitou que mais uma vez os adultos da casa estarão fora e chamou seus amigos para uma resenha. Os três estão na piscina aproveitando o calor da água durante a noite. Rindo, se divertindo, como parecem fazer sempre. Os observo da sacada sem ser vista. A dinâmica entre eles é de certa forma interessante. “Como pode Pedro ter tanta química com a namorada do seu melhor amigo? Eu consigo notar daqui, será que Rafael não vê isso?” penso analisando eles. Rafael está sentado na beira da piscina com uma lata de cerveja na mão, enquanto Anna e Pedro brincam um com o outro no meio dela. Ela tem um corpo de dar inveja. Barriga sequinha, muito peito e muita bunda, apesar do tamanho diminuto. - Por acaso seria eu a vilã da história? - pergunto a mim mesma ao imaginar como o mundo é injusto. Apesar de ser alta, eu não sou corpuda. Ao que parece eu cresci para cima, mas meus peitos e minha bunda esqueceram que também deveriam crescer. - Pelo menos eu tenho uma bela cintura! - elogio
Rafael solta uma risada sincera ao escutar o que eu disse ao Pedro. - Eu não sei por que você se sentiu tão ofendida… - Pedro cutuca a ponta do meu nariz de novo - Eu não disse que você é feia! Já cansada deles, saio da piscina. Afinal, já me sentia um pouco tonta pela bebida. Ignoro todos os comentários dos 3 e caminho em direção a cozinha. “Preciso de um copo de água!” Penso notando a visão um pouco borrosa. “Como poderia ele olhar para mim quando sua namorada é tão melhor que eu? Ela é baixinha, tem corpão, cabelos longos e é loira. Parece o combo perfeito para a maioria dos homens. Idiotas!” Me queixo em pensamentos. Encho um copo de água e me sento na cadeira, apoiando ele na mesa, sem me preocupar em acender a luz do ambiente. - Aí minha cabeça.. - coloco minha mão sobre minha testa fazendo movimentos circulares com dois dedos meus. Escuto passos em minha direção, mas não desvio o olhar do meu copo. - Que foi? Já está bêbeda com 3 latas de cerveja? - é Pedro.
Nunca chorei tanto em minha vida como chorei ontem. Acordei com os olhos todos inchados pela humilhação que passei. Não senti vontade de me levantar para aproveitar o domingo assim que fiquei grande parte do dia no meu quarto. Hora jogada na cama, hora sentada lendo algo na minha mesa de estudos. Se tem uma coisa que amo ler, são histórias de romance. - Nunca entendi porque as pessoas aceitam ser humilhadas por quem mais amam - falei a mim mesma ao ler outra história de romance desse tipo - Não há dinheiro nesse mundo que me faça aceitar tamanha humilhação desse jeito. Deixo o livro de lado e me jogo em minha cama. “Só estou passando por esse tipo de situação porque ainda não posso viver como adulta, mas pelo menos não amo o Pedro.” Pensei comigo ao me comparar com as protagonistas das histórias que leio, me sentindo orgulhosa por estar um pouco melhor que elas, pelo menos. - As vezes a gente acha que não existem pessoas que aceitaria isso, mas pelo visto existem sim… R
Olho para Rafael sentado a meu lado, rabiscando algo em seu caderno e deixo minha mente vagar pelo fim de semana que tive. O fim de semana, como sempre, passou voando e claro que depois do selinho que Pedro me deu, eu saí correndo para o banheiro, escovar meus dentes. Não é que eu tenha gostado, ou odiado, na verdade, é indiferente, mas por algum motivo eu fiquei mais consciente sobre minha higiene pessoal. Depois do contato dos nossos lábios ele não tentou mais nada, inclusive nem cheguei a ver ele mais pelo resto do dia. O que, de certa forma, foi um alívio, apesar de me lembrar bem da sensação e do cheiro do seu hálito até agora. - Por que está me olhando tanto? - comenta Rafael ainda com a atenção em seu caderno. Seus cabelos ondulados se movimentam suavemente com a brisa que entra pela janela. - As vezes eu só foco em um ponto e fico pensando em coisas aleatórias, você nunca fez isso? - pergunto para ele, seu rosto se vira para mim. Noto que ele está um pouco para b