POV Ângela
Os homens arregalaram os olhos assustados parando de jogar terra quando viram meus esforços para falar.
Mesmo depois de ouvir minha voz e meu pedido baixo por ajuda, os homens não quiseram ouvir, ao invés disso se encararam assustados.
— Mas ele disse que era só enterrar, por que ela está viva? Não estava morta?
— Que se dane, apenas jogue terra mais um pouco mais, o buraco vai encher de água em breve e ela vai morrer afogada.
Eles continuaram a jogar até que só meu rosto tivesse visível, eu tentei continuar pedindo ajuda em meio ao desespero, mas foi em vão.
A terra estava fria.
Eu sentia o barro escorregando por entre os lençóis que me envolviam, entrando por pequenas frestas, invadindo meu corpo como se quisesse me engolir inteira. O ar era pesado, úmido, quase inexistente. Meus pulmões ardiam, tentando puxar algo que não vinha enquanto minha cabeça parecia querer explodir.
Tudo doía. Cada célula do meu corpo gritava. Eu queria me mover, correr, gritar… mas eu era só um corpo fraco, enterrado vivo numa cova que mais parecia um buraco que já estava cavado e eles pensaram que seria uma boa cova, me deixando à mercê de uma tempestade e da crueldade alheia.
"É assim que eu morro?", pensei, enquanto sentia a água subir, molhando minha cintura, depois meu peito… depois meu pescoço, lentamente como uma tortura.
Minhas lágrimas se misturavam com a chuva que escorria pela cova mal coberta. A água acumulava rápido, como se quisesse acelerar o fim.
Escuridão, Silêncio, e o frio que parecia cortar minha pele.
De repente… passos.
Vozes abafadas, distantes. Homens.
— Vamos logo, a água está subindo! — um deles gritou. — Se ficarmos mais um minuto aqui, afundamos junto!
Ouvi as botas se afastarem. Eles me deixaram.
Eles sabiam que eu ainda estava viva. E mesmo assim… me deixaram.
Tentei mexer os dedos. Nada. A chuva batia forte na terra acima de mim, e a lama começou a descer pelas laterais da cova com mais força se espalhando sobre meu rosto.
"É o fim…"
Foi quando luzes atravessaram minha visão turva. A borda da cova se iluminou por faróis. Vozes novas.
— Encontramos! — um homem gritou.
Em seguida três deles desceram no buraco e meu corpo foi erguido por eles, me entregando aos homens que esperavam na borda.
— ela ainda está viva, vamos! — eles gritavam enquanto tiravam os lençóis em volta de meu corpo apertando meus braços e pernas.
Um trovão rasgou o céu e, por entre os borrões da chuva e da dor, vi homens fardados, armados, e uma figura imóvel… na cadeira de rodas, mesmo debaixo da chuva, aquele homem tinha um ar de majestade imprevisível.
Os cabelos molhados colavam em sua testa. O terno, encharcado, não escondia a rigidez com que ele mantinha a postura. Não havia piedade no seu rosto. Só… silêncio.
Esse homem... era a última pessoa que eu esperava ver aqui, a última que poderia estender a mão para mim.
Aquele homem sempre me causou medo que me encarava como se tivesse me perfurando com raios, no mínimo o que eu esperava dele era que me matasse ou algo do tipo.
Mas agora ele era minha última esperança.
— Tragam ela até mim. — sua voz cortou o barulho da chuva como aço, ele tirou o blazer que estava vestido e colocou sobre o braço da cadeira motorizada que por acaso deve ter parado de funcionar após toda essa água.
— Me entreguem ela. E me ajudem a descer com segurança. — ele continuou a ordenar.
Os homens hesitaram por um segundo, mas obedeceram.
Fui colocada em seu colo, senti seus braços em volta de mim me segurando próxima a seu peito, com o corpo tremendo agressivamente, ele jogou o blazer em cima de minha cabeça como se quisesse me proteger da chuva, o tecido quente me fez relaxar um pouco.
Ele encostou meu rosto em seu peito úmido, sentindo o calor de seu corpo contra o meu, era como se estivesse sendo puxada para a vida novamente após ter sido empurrada para a morte.
Eu o temia.
Mas… ele me salvara.
Não sei para onde estava sendo levada, mas na minha mente só vinha as memórias do primeiro dia em que o encontrei pela primeira vez e tudo que ele representava para mim.