Não sei o que está acontecendo comigo. Sento ali, quase imóvel, mas por dentro sinto meu corpo pegando fogo. O cheiro dele invade minhas narinas — uma mistura que eu não consigo definir, mas que me prende, me envolve. É como se cada célula da minha pele despertasse ao simples toque invisível da presença dele.
Meu olhar não consegue desviar. Vejo o contorno do rosto, a curva da boca que eu não ouso imaginar beijar, o jeito como a mão dele repousa no volante — tão natural, tão cheio de uma energia que me desarma. Um arrepio sobe pela minha espinha, serpenteando até o pescoço, e eu sinto a pele formigar, como se estivesse eletrificada.
Não entendo essa vontade que cresce dentro de mim, esse desejo que arde sem explicação. Meu coração dispara, minha respiração fica mais rápida, quase sufocante. Quero me aproximar, quero tocar, quero sentir. Quero que esse fogo invisível entre nós vire algo palpável, urgente.
Eu não sei quem ele é, nem por que sinto tudo isso, mas não consigo negar: meu corpo quer mais. Quer se perder nesse mistério que me provoca, que me consome.
Eu queria sumir, desaparecer do mundo, de tudo. Cheguei em casa sem querer ver ninguém. O que eu fiz da minha vida? Perguntei a mim mesma, decepcionada com tudo, principalmente comigo. Joguei fora um momento lindo, com um desconhecido. Tudo dentro de mim arde, dói, parece que fui rasgada ao meio.
Tomei um longo banho, sentindo-me usada, tudo ardendo por dentro. Aquele homem era um completo animal. Fiquei muito tempo debaixo do chuveiro, a água se misturando às lágrimas que deixei cair. Todos os momentos maravilhosos que eu e Messias tivemos, cada promessa, cada palavra, cada plano… ele trocou tudo por uma transa? Ainda mais com a Camilla? E eu, tola, me atirei na lama como uma vadia.
A dor no meu peito só aumentava, latejando fundo. Respirei fundo, enrolei o cabelo molhado numa toalha e me deitei, chorando até dormir. Acordei com meu corpo sendo balançado. Abri os olhos e vi, bem na minha frente, a última pessoa que eu queria ver.
— Tess… Tess, é sério, eu… — Camilla começou a falar, chorando, a maquiagem toda borrada.
— Cala a boca! Sai daqui! Eu não quero te ver! Como você tem coragem? — Gritei com todas as forças da minha alma, não deixando ela terminar o que fosse dizer.
— Tudo bem… você tem razão… pode gritar, xingar, bater, eu aceito tudo, Tessália… — Sentei-me na cama, sentindo a cabeça latejar, enquanto a fúria crescia. Eu não ia fugir como antes. Já era. Eu não sou mais a mesma.
Ri de raiva. Eu tinha me vingado de certa forma, e mesmo assim ela veio até mim, depois de tudo? Queria me mostrar que mais uma vez tinha razão? Que sexo é tudo, que sexo é vida? Não, não é. Eu me senti incomodada, senti dor com aquele estranho. Isso só aumentava a sensação de estar suja por dentro.
Mas ela não recuou. Seus braços me envolveram como se fosse natural transar com meu namorado e depois vir me abraçar.
— Amiga, eu sei que tá com raiva… — Empurrei ela, saindo de perto, sentindo nojo pela primeira vez dela, de mim, de tudo.
— Me solta! Você é uma traidora, é como uma doença pra mim! Olha o que você fez! Olha o que me fez fazer! Eu te odeio, Camilla Romano! Odeio ter te conhecido!
As lágrimas desciam sem parar. Ela balançou a cabeça.
— Eu sei… eu sei que sou uma vadia obcecada por sexo, mas… — Eu não quis ouvir nem mais uma palavra.
— Sai da minha casa! Sai da minha vida agora, sua desgraçada! — A empurrei para fora do quarto, movida pela dor e pela raiva que só cresciam dentro de mim. Eu queria sumir, desaparecer.
— Tess, Tess, por favor… — Ri ao ver Messias vindo na minha direção. Eles vieram juntos? Vão transar aqui também?
— Nem vem! Se eu não quero ver ela, imagina você? — Tentei fechar a porta, mas alguém segurou. As lágrimas caíam, estava doendo demais. Eu tinha feito tantos planos com ele, com ela sendo minha madrinha… quão podre tudo isso parecia agora. Ela sabia de todos os meus sonhos, todas as minhas vontades.
— Tessália, eu não vim pedir perdão, nem dizer que foi um erro… — Camilla disse, chorando, apoiada no sofá. — Eu sei que a gente perdoa tudo, menos traição…
Passei a mão no rosto, tirando a secreção que me impedia de respirar, e assenti.
— Que bom que sabe. Então saiam da minha casa. Somem da minha vida ou eu juro que…
— Tess, o tio Hernandes… é sobre ele. Você saiu da boate, deixou celular, bolsa… a tia ligou… — Ela engoliu em seco. Isso era o de menos. Podia pedir ao meu pai para buscar, ou o pessoal entregava depois. Ela sabia cuidar bem das minhas coisas, inclusive do meu namorado.
— Eu te procurei, na verdade… quem era aquele cara, Tessália? — Messias perguntou de repente. Umedeço os lábios, sorrio fraco.
— Não ficou com aquele cara… ficou? — Ele insistiu, sério.
Ergui as sobrancelhas.
— Qual a preocupação, Messias? Fiquei, sim. Transamos como dois animais no carro. — Ele negou com a cabeça, rindo nervoso.
— Deixa de ser idiota, Messias… a Tess não se entregou pra esse cara, deve ser só… — Camilla falou, achando que me conhecia tão bem. Dei uma risada curta. Sou tão idiota que eles realmente achavam que sabiam tudo sobre mim.
— O propósito aqui é outro. Tess, vamos conversar… — Messias tentou, mas neguei.
— Pra quê? Pra me dizer que me traiu porque eu não quis fazer sexo contigo? — Abri a porta de vez, encarei os dois. Camilla chorava muito, e vê-la sofrer me partia por dentro. Mas era tarde. Já era tarde demais.
— O tio… Tess, o tio Hernan… — Ela começou, sem conseguir terminar.
— Não se preocupem. No máximo ele vai expulsar vocês dois daqui. — Falei, afastando Messias quando tentou me abraçar. Senti nojo dele.
— Ele não vai, Tess… infelizmente, não vai… eu juro que queria que ele me expulsasse agora… — Camilla disse, olhando ao redor.
— Você trocou a nossa amizade por isso, Camilla? Por sexo? Tudo bem, mas transar com o meu namorado? — Olhei para Messias, que estava apoiado no aparador, enquanto ela atendia meu celular.
— Não, tia… estamos aqui com ela… — Ela me olhou. Tomei o celular da mão dela.
— Mãe? — Ouvi a voz da minha mãe, confusa, chorando. — Tess, filha…
— Mãe, você não sabe o que eles fizeram! Eles me trai… — Antes que eu terminasse, nossas vozes se misturaram.
— Fala direito com ela, Camilla, ele está… — Olhei de Camilla para Messias, sem entender.
— Mãe, do que você tá falando? — Meu coração disparou.
— Tess… — Ela chorava. — Filha… — Em seguida ouvi ao fundo: “Médico na ala C, quarto 212…”
Camilla tentou pegar o celular de volta. — Tess, o tio Hernan… ele estava numa operação essa madrugada…
Saí correndo pro quarto. — Ele foi ferido? Tudo bem, eu vou até lá!
Fui pegando qualquer roupa, calça jeans, blusa branca de bolinhas, chinelo.
— Senta! — Camilla pediu, mas ignorei. Messias estava parado na porta, se tornando alguém totalmente estranho pra mim.
— Eu vou, me expliquem depois… — Disse.
Messias suspirou fundo, e então falou, impaciente:
— Ele morreu, Tessália. Seu pai foi baleado na cabeça, antes mesmo de chegar ao morro…
— MESSIAS! — Camilla gritou. Eu não acreditei. Dei uma risada nervosa.
— Idiota! Você acha que vou acreditar nisso? — Fechei a calça, calcei o chinelo, peguei minha bolsa. Eles brigavam baixo, como sempre. Por que eu não percebi antes? Essas brigas escondiam paixão.
— Dá pra abrir a porta ou vão me prender aqui? — Perguntei. Eu precisava ver meu pai. Mesmo que fosse só pra cuidar dele. — Tá morto e acabou, vai fazer o quê? — Messias disse, frio.
— Idiota! Como eu pude me enganar tanto contigo, Messias! — Camilla gritou.
Meu corpo travou. Minha mente entrou em colapso. Meu mundo sem meu pai não era mundo. Tudo perdeu o sentido.
Apaguei. Acordei no hospital, minha mãe ao lado, chorando.
— Mãe? Não é verdade, né? — Perguntei, sem voz.
Ela me olhou com olhos vermelhos, rosto inchado. As lágrimas caindo em silêncio me deram a resposta.
— DIZ LOGO! — Gritei em desespero. Dois homens de branco entraram.
— Senhorita, se acalme! — Tentei sair da cama, mas me seguraram.
— Cadê meu pai? — Perguntei, chorando.
— Ele está morto, minha vida… mataram ele, filha… — Minha mãe disse, com a voz quebrada.
A dor foi tanta que eu preferia morrer.
— Mentirosa! — Gritei, desesperada. Senti uma picada no braço, fui contida, e apaguei de novo.
Por que viver, se o meu herói não estaria mais aqui?
Acordei no quarto do hospital, sozinha. O dia lá fora. Uma enfermeira entrou.
— Bom dia, querida… — Ela sorriu.
— Minha mãe… onde ela tá? — Perguntei, sentindo-me vazia.
— Esteve aqui a noite toda. Sinto muito pelo ocorrido… — Disse, enquanto media minha pressão.
— O que exatamente aconteceu? — Perguntei, olhando para as flores ao meu lado, sentindo que não havia mais nada de bom no dia.
Ela me olhou com os olhos castanhos, séria. — Tess…